Estava pronta para encarar ele? Não. Tentava me convencer de que sim, mas de fato não estava. Não queria vê-lo. Mas também não podia faltar aula. Coloquei minha camisa do uniforme, meus jeans e meu tênis vermelho, no cabelo sem adereços e no rosto sem maquiagem dessa vez. Não estava no clima para isso. Peguei minha mochila e fui andando para a escola enquanto comia uma Pêra, chegando lá entrei na sala rapidamente pois estava quase na hora, a caminhada até a escola me custou uns minutos á mais do que o normal.

Cumprimentei Sophie com um abraço e sentei em meu lugar, assisti a aula de Sociologia, nela houve um debate sobre cultura e se ela podia ser mensurada ou não, foi um tanto interessante, mas infelizmente neste dia meu foco era em outra coisa. As aulas passaram.. E passaram.. Até que batesse o sinal do recreio e o zoológico tivesse sido aberto. Folia para todo lado, pessoas correndo em várias direções, atropelamentos, coisas assim, decidi não sair para o intervalo e fiquei dentro da sala com algumas meninas que costumavam ficar lá.

Não lanchei, não estava com vontade. Só desenhei uma cena de um anjo levando uma flechada e morrendo. Agressivo? Talvez. Mas não me falha a ideia do quanto anjos são.. Interessantes. Levantei do meu lugar e fiquei conversando com as meninas sobre pulseiras, olhei para o meu pulso e percebi que havia esquecido a pulseira da amizade de Sophie em casa. Me sinto nua sem ela, já uso faz um ano direto, então é como se ela fizesse parte de mim. O sinal bateu avisando que o intervalo havia acabado, agora era hora. Encarar Dan depois daquela cena constrangedora de sexta, um grande desafio. Seria eu capaz?

As pessoas voltaram para a sala aos poucos e sentando em seus lugares. Minutos depois Dan chega. Coloca seus materiais em cima da mesa, cumprimenta a turma e escreve no quadro sobre as ondas sonoras. Como experimento, ele pediu para que o representante pegasse algumas garrafas no laboratório e que algum voluntário pedisse um violão emprestado. Minutos depois voltam com os tais objetos requisitados.

E após fazer um "xelofone" com garrafas de produtos químicos semi-vazias para mostrar as diferentes frequências sonoras, ele começou a tocar violão, no inicio apenas dedilhava as cordas e explicava sobre a física por trás delas. Mas depois, nos minutos finais de sua aula, chamou uma amiga minha para tocar, ela era a artista da classe. Tocava e cantava muito bem, na verdade, á grosso modo, digo que a voz dela me mata. É tão linda que toca minha alma, me dá uma facada e eu fico com vontade de chorar. Então ela parou de cantar, ele pegou o violão e começou a tocar, eu fiquei encantada, seus olhos focados naquele instrumento, e o modo em que seus dedos deslizavam apertando as cordas daquele violão. Era resumidamente.. Hm.. Sexy. Meu coração acelerou e meu corpo estava quente, e eu sentia como se fosse ter sangramentos nasais a qualquer segundo, mas a sensação era estranhamente boa. Trocamos alguns olhares durante a música, mas eu desviei todas as vezes, era muita vergonha que eu estava sentindo.

O sinal bateu e ele teve de ir para outra sala transmitir conhecimentos. Os voluntários o ajudou a levar os objetos para o laboratório enquanto sorria igual a uma trouxa e pensava no momento que acabara de acontecer. Nem reparei quando a professora de Religião entrou na sala, só reparei ao recitar as palavras:

– Bom dia Nicky.

– Bom dia - Respondi no automático.

A professora colocou seus materiais sob a mesa e sentou na cadeira pedindo que fizéssemos uma pequena redação do que nos define. Escrevi sobre arte. Arte no geral, arte pela arte. Eu me interesso muito pela questão do simbólico, expressões corporais, valorização das curvas, enfim. Acabei meu pequeno texto e entreguei assinado, fui liberada mais cedo por conta disso e fui para casa andando dessa vez. Neste dia eu estava com vontade de caminhar, não sei ainda o porquê. Cheguei me casa antes do anoitecer e fiquei jogando vídeo-game até dar a hora de descansar, acabei ficando sem tomar banho.

Tomei banho logo cedo para compensar a ausência dele no dia anterior e me arrumei. Eu e Adam, meu irmão ficamos na varanda esperando a carona chegar, o que demorou certa de 25 minutos, então fomos fadados a estabelecer uma conversação. E após a espera , entramos no carro e fomos para a escola.

Chegando lá, entrei na sala e coloquei meus materiais para marcar meu lugar. Saí da sala e fiquei no corredor conversando com alguns amigos do 2º, sobre estar com sono de manhã. Voltei para a sala quando o sinal bateu e assisti a aula até que eu fosse solicitada na sala da psicóloga da escola. Ela queria conversar sobre a rosa que eu havia entregue a um professor. Fiquei um pouco nervosa mas depois expliquei a situação e ela disse apenas para eu tomar cuidado com os sentimentos. Voltei para a sala com um pilot preto que o professor tinha pedido na hora que eu saí dela em mãos e entreguei para ele, sentei em meu lugar e fiquei pensando na conversa que tive com a psicologa da escola.

Depois de entregar aquela bem-dita flor, e ser chamada para conversar com a psicóloga da escola eu me senti estranha. Eu não conseguia mais ser a primeira a dizer "Bom dia" toda vez que ele entrasse na sala, nem conseguia olhar pra ele por muito tempo. Eu só queria ficar sozinha. Totalmente sozinha. Mas sempre que o fazia, os pensamentos sobre ele vinham á tona e isso me matava mais e mais. Queria me desfazer desse sentimento, mas era tão prazeroso que eu não conseguia simplesmente deixá-lo para lá.

Era como naquela música : "E eu amo o jeito que você me machuca"

Vá, me chame de masoquista.

Acho que a pior parte é que ele não fazia nada sobre o fato de eu gostar dele. Tudo que tinha feito era agradecer e sorrir. Eu esperava algo como uma lição de moral sobre pedofilia, mas isso não aconteceu. Me pergunto o que ele REALMENTE pensava disso.