Interlúdio escrita por Lab Girl


Capítulo 8
Infinito Particular


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo pra vocês. Leiam, curtam, comentem. E não se desesperem. Dito isto, boa leitura!



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Retomar o trabalho voluntário na Plugar duas vezes por semana depois do expediente na Brazuca tinha sido uma das melhores decisões de Megan. Ocupar o tempo e a cabeça e voltar a ensinar inglês para as crianças a fazia sentir-se não só útil, mas aliviava sua cabeça de tantos pensamentos confusos. Já fazia uma semana que tinha reassumido mais esse posto e isso a tinha ajudado bastante a acalmar a ansiedade e a aflição. Os últimos sete dias tinham produzido um efeito calmante muito eficiente sobre ela.

Enquanto pensava nisso e guardava seu material depois de mais uma aula em sua pasta, a atenção de Megan foi desviada para a porta da Plugar, por onde uma figura sorridente acabava de entrar. Davi. O coração dela saltou involuntariamente. Ele estava lindo trajando uma camiseta branca por baixo de uma camisa jeans de botões abertos, as mangas arregaçadas até o cotovelo, fazendo par com a calça jeans de lavagem escura. E, para completar o quadro perfeito, ele tinha um sorriso lindo no rosto.

Hi” ela disse, sorrindo de volta para ele.

“E como foi a aula hoje, teacher?”

Megan continuou sorrindo enquanto pendurava a alça da pasta num ombro.

Excellent. Os meus alunos não podiam ser melhores, aprendem cada dia mais rápido.”

“Mas também, com uma professora dessas, até eu ia aprender rapidinho. Ou, pensando bem, talvez não” Davi parou diante dela com uma sombra de sorriso nos lábios, enfiando as mãos nos bolsos de trás da calça jeans.

“Não? E por que não?” ela franziu a testa, curiosa.

Ele a encarava de perto, tão próximo que ela podia sentir o calor que emanava do corpo dele, deixando-a ainda mais consciente de como seu coração batia acelerado dentro do peito.

“Talvez eu deixasse pra aprender bem devagar… assim eu teria mais tempo com a professora bonita.”

Megan corou. Sentiu o rosto queimar como não sentia desde que era uma menina. E o fato não passou despercebido a Davi, que sorriu, triunfante por constatar que era capaz de arrancar tal reação dela. Uma garota que, à primeira impressão, não teria motivos para corar, pelo contrário, mas para fazer os outros corarem. Porém, aquela era a verdadeira Megan. A Lily. A flor delicada que se escondia por baixo da capa de bad girl e só de vez em quando e para poucas pessoas deixava transparecer esse lado doce e puro. E ele se sentia um baita privilegiado por ser uma dessas pessoas.

Então, Davi percebeu a pasta no ombro dela. “Já tá indo embora?”

Yeah, eu já vou pra casa.”

Ele sentiu uma pontada de decepção. Não queria que ela fosse embora ainda. Precisava ficar mais algum tempo perto dela. Na companhia dela.

“Ah, mas vai recusar meu convite pra tomar um açaí ali na esquina?”

Açai?” Megan piscou, surpresa. “I mean, açaÍ, right?”

Davi riu, balançando a cabeça. “Isso mesmo. Eu sei que você gosta. Então não vou aceitar recusa. Que tal? Vamos lá?”

Ele estendeu o braço para ela e, com um sorriso, Megan aceitou. Os dois saíram de braços dados da Plugar, se separando apenas quando Davi teve que fechar a porta da ONG. Eles andaram com calma, lado a lado, até o trailer que vendia sucos, sanduíches e açaí. O mesmo onde tinham estado logo que se conheceram, onde ele a tinha feito experimentar a iguaria pela primeira vez, recebendo um sorriso de língua roxa em agradecimento num daqueles raros momentos em que ela mostrava a Lily por trás da Megan.

Lembrando daquele tempo, um sorriso bobo tomou conta do rosto de Davi. E ela notou.

“Que foi? Por que tá sorrindo assim?”

Davi piscou, voltando ao presente e olhando para ela, o sorriso ainda no rosto. “Tava me lembrando da primeira vez que a gente veio aqui.”

Megan sorriu também, sentando-se numa das mesas coloridas espalhadas pelo lugar.

I remember. Eu nunca vou esquecer.”

Davi sentou a frente dela e a encarou, os olhos brilhando. Eles se encaravam sem hesitação, sem que nenhum dos dois fugisse do contato. E, por um instante, ele teve a certeza de estar vendo refletido nos olhos dela o mesmo carinho com que ela costumava olhar para ele antes, meses atrás…

“O que vão pedir?” uma garota se aproximou da mesa deles.

Davi pigarreou, endireitando a postura. “Dois açaís, por favor. No capricho.”

“É pra já” a moça sorriu e se afastou para o trailer.

Megan pendurou a alça da pasta no recosto da cadeira. “Eu adoro este lugar. E adoro açaí também.”

“E eu adoro a sua companhia” ele disse antes mesmo que percebesse o que estava dizendo.

Os olhos grandes e castanhos de Megan pousaram sobre ele novamente e Davi percebeu a surpresa dela com suas palavras. Rindo, meio sem jeito, ela ajeitou o cabelo para trás da orelha.

“Que bom saber que agora eu sou uma boa companhia.”

“Quê isso, Megan? Você sempre foi.” Ele a corrigiu.

“Não” ela falou, séria. “Antes você não gostava muito da minha companhia.”

“Não era nada disso. Era só que…”

It´s all right, Davi” ela tocou a mão dele sobre a mesa, impedindo-o de prosseguir. “Tudo bem. Não precisa ficar se explicando. O que passou já passou também, e eu gosto como as coisas estão entre nós agora. Por isso é muito bom saber que você gosta de sair e de conversar comigo. Eu também gosto de passar o tempo na sua companhia.”

Davi deu um pequeno sorriso. Ele não sabia o que dizer quanto isso. Não conseguia se lembrar por que antes ele não queria a companhia dela, quer dizer, queria mas, ao mesmo tempo, não. Bem, na verdade, ele sabia bem o porquê. Sua maldita ilusão com Manuela. Ela tinha nublado sua visão, feito ele se sentir e agir feito um idiota. Quando Megan, pelo contrário, sempre tentou despertar o Davi alerta e assertivo que existia nele.

“Que foi agora, Davi?”

A pergunta dela o trouxe de volta ao presente mais uma vez, ao mesmo tempo em que a garota do açaí deixava seus pedidos sobre a mesa com um sorriso gentil.

Davi pegou sua colher e começou a remexer no conteúdo de sua tigela, sem encarar Megan. “Nada, eu só me perdi em pensamento de novo.”

“Pensando nela?” a pergunta escapou de forma cuidadosa, mas sem que Megan pudesse evitar. Ela segurou a própria colher por alguns segundos em expectativa, sem saber qual seria a resposta dele e temendo por isso.

Mas Davi levantou os olhos para ela e negou com a cabeça, arrancando um suspiro de alívio quase indetectável de Megan.

“Não. Pra dizer a verdade, eu ultimamente só penso na Manuela pra me lembrar de como eu fui idiota e de como eu me deixei levar e iludir por ela.”

Sorry… sinto muito, Davi” Megan murmurou, a colher se arrastando sobre o açaí.

“Você não precisa. Na verdade, você é uma das pessoas que me fazem bem, Megan. Que tem sido uma fonte de forças e de coisa boa na minha vida ultimamente.”

Really?” os olhos dela brilharam.

Really” ele sorriu em confirmação, levando uma colherada de açaí à boca.

Megan também sorriu, erguendo uma colher cheia como se fizesse um brinde e saboreando a iguaria brasileira de que tanto gostava.

Os minutos seguintes passaram entre risadas e conversas amenas, ambos dividindo alguma piada ou simplesmente falando besteira só pelo gosto de ver o outro rir. No final, tinham terminado com línguas roxas e sorrisos contentes no rosto.

Quando Davi se levantou para acompanhá-la até o carro, os dois foram andando com calma, a rua já estava com movimento mais fraco pelo avançado da hora.

“Sua tia Rita vai ficar chateada por você ter se enchido de açaí bem na hora do jantar.”

“Ela vai entender. Eu vou explicar que não consegui dizer não à influência de uma certa gringa vida loca” ele brincou, só para provocá-la.

“Ah, é assim? Jogando a culpa na bad girl, não é?” ela fingiu-se indignada e, disfarçando um sorriso, fingiu que daria um tapa no braço dele.

Mas Davi fez o inesperado - ele segurou a mão dela no ar, e, com um leve puxão, a trouxe para mais perto. Os dois ficaram cara a cara, a poucos centímetros de distância. O sorriso no rosto de Megan se desfez ao perceber a proximidade e a respiração dele tocando de leve seu rosto. Ela sentiu um frio gostoso na barriga. E o pulso queimar bem onde a mão dele a segurava.

Davi estava consciente de que respirava com dificuldade agora. Ela estava tão perto, tão linda… bastava inclinar o rosto dois milímetros e…

Antes que ele pudesse pensar mais um pouco na atitude, seus lábios já estavam pousando sobre os dela, os olhos se fechando e inspirando o perfume suave e adocicado da garota que ultimamente povoava seus pensamentos nas horas mais inesperadas.

Levando a mão aos cabelos dourados, ele a puxou para mais perto e sentiu a reciprocidade quando as mãos dela tocaram seus ombros e os lábios dela se partiram, recebendo sua respiração quente e sua língua ansiosa. Mas Davi foi devagar, fazia tempo e não queria assustá-la. E, mais do que isso, queria saborear o instante. Beijar Megan sempre tinha sido gostoso. Diferente de todas as outras que ela já tinha beijado. Ela tinha algo mais. Um sabor, uma textura incrivelmente únicas. Ele a sentiu inspirar no beijo. E sorriu por dentro, vitorioso, deixando a outra mão contornar a cintura fina.

Megan não soube por quanto tempo ficaram ali, no meio da rua, se beijando. Mas ela soube distinguir perfeitamente cada salto de seu coração dentro do peito, cada giro de sua mente e cada sensaçãozinha de frio na barriga. Pensou no bebê ali dentro e tudo ficou ainda mais intenso. Estava beijando Davi de novo. Melhor do que isso, estava sendo beijada por ele. E ele tinha dado início ao beijo. E ela, claro, jamais conseguiria ficar imune. Resistir a Davi Reis era algo que ela não tinha aprendido ainda. E desconfiava seriamente de que nunca iria aprender.

Então, Megan deixou-se envolver pelo beijo e pelos braços dele, deixou-se levar pelas sensações e pelo sabor. Açaí misturado com um toque de laranja. Doce e levemente cítrico. Refrescante. Delicioso. A língua macia e molhada dele passeando pela sua, reconhecendo os recantos de sua boca. Sua cintura envolvida por ele, seu coração batendo forte no peito contra o dele. Suas respirações se misturando. Suas mãos nos cabelos dele, logo seus braços abarcando as costas dele. Eram velhos conhecidos se reencontrando. Com sabor de primeira vez. Tudo de novo.

Quando finalmente precisaram de ar e suas bocas se afastaram, ela percebeu que estava sorrindo. Mas logo viu que não era a única. Ele também estava. E ao perceberem isso, os sorrisos de ambos aumentaram de tamanho. Logo se transformaram em gostosas risadas.

Era tão bom ter isso de volta. Os sorrisos, as brincadeiras, o contato. Davi não conseguia, simplesmente não conseguia ficar imune a ela e esconder o que sentia. Era bom demais para ser negado. Ou escondido.

“Isso tudo foi efeito do açaí?” Megan brincou, ainda sorrindo.

“Deve ter sido” Davi murmurou, as mãos ainda a mantendo junto a ele pela cintura. “Efeito açaí com morango. É bem forte. Cê devia provar um dia.”

“Eu prefiro açaí e laranja” ela brincou.

Sem resistir, Davi roubou um beijo rápido dos lábios dela. Eles sorriram de novo.

“Valeu pela companhia pro açaí, Megan” ele disse, olhando para ela. “Cê não quer aproveitar agora e ir lá pra casa?”

“Quando você diz sua casa, você quer dizer… o seu quarto-garagem?” ela ergueu uma sobrancelha enquanto a mão direita brincava com o botão da camisa jeans que ele vestia sobre a camiseta branca.

“Se você quiser…” as sobrancelhas dele se levantaram e a voz abaixou.

Megan sentiu um novo frio na barriga. “Talvez seja melhor deixar pra outra noite.”

Davi suspirou, deixando escapar uma breve risada enquanto balançava a cabeça em auto-reprovação. “Desculpa. A gente mal se beijou de novo e eu já fui me empolgando…”

“Não, tudo bem” ela sorri, passando a mão pelo peito dele com carinho, trazendo o olhar dele de volta para seu rosto. “Eu não vou negar que é uma proposta tentadora. Mas a gente pode ir um pouco mais devagar, não vai fazer mal, right?”

Ele pega uma das mãos dela e beija os dedos. “Não, não vai.”

Ouvir isso a aliviou. Ainda era preciso contar a ele sobre a gravidez. Ela não queria que eles recomeçassem algo sem ser cem por cento sincera com ele. Mas também não queria fazer isso essa noite. Queria apenas aproveitar o momento. Amanhã. Ela se prometeu em pensamento. Amanhã eu conto tudo.

“Que foi?” Davi perguntou, tocando o cabelo dela. “Cê ficou pensativa de repente.”

“Não é nada” ela sorriu de leve. “Amanhã a gente pode se ver de novo?”

“Claro que a gente vai se ver. Cê vem pra Brazuca, não vem?”

“Esse é o plano” ela meneou a cabeça.

“Então? Por que a pergunta?”

“É que… eu queria saber se a gente pode se ver de novo… mas sem ser a trabalho. Quem sabe a gente pode sair pra jantar no final do expediente e depois ir pra sua casa…”

“Pro meu quarto-garagem?” ele arqueou as sobrancelhas, animado.

“É” ela riu da empolgação dele, correndo o indicador pela linha do maxilar barbado. “E conversar.”

De repente a expressão de Davi ficou séria, uma pequena ruga se formando entre as sobrancelhas. “Cê quer ir pro meu quarto pra conversar?”

“É, Davi” ela tornou a rir, dessa vez batendo no ombro dele de brincadeira. “É, eu quero conversar. Acho que a gente ficou bom nisso ultimamente, right?”

“É, a gente ficou mesmo” ele teve que concordar, rindo e beijando a ponta do nariz dela, fazendo-a rir também.

“Então tá combinado. Amanhã depois do trabalho na Brazuca a gente sai pra jantar e depois vai pro seu quarto. Conversamos e…”

“E…?” ele arqueou as sobrancelhas de novo, fazendo Megan rir outra vez.

Mas logo ela se recompôs, olhando dentro dos olhos dele com uma sinceridade vinda da necessidade. “E depois da conversa que a gente vai ter, se tudo estiver bem pra você, a gente vê o que rola. Tá bem assim?”

“Pra mim tá ótimo. Fechado” ele meneou a cabeça, apertando-a de leve pela cintura e trazendo-a para um novo beijo, só que mais suave e inocente.

Quando se afastaram, ela estava mais aliviada. Esperançosa.

“Então eu já vou indo, Davi. Até amanhã” ela murmurou olhando nos olhos dele.

“Até amanhã” ele também se despediu, mas sem soltá-la.

Nenhum dos dois saiu do lugar por alguns instantes. E, então, o rosto de Davi avançou, fechando novamente a distância e tocando os lábios dela com carinho num beijo prolongado. As mãos de Megan apertaram a camisa dele, ela inspirou e sentiu os pequenos beijos dele, ainda reticente em se afastar. O que a faz rir.

“Davi!” ela exclamou.

“Tá bom. Pode ir” ele disse, só quem sem soltá-la.

Ela tornou a rir. E se pegou dando pequenos beijos nele também. A brincadeira carinhosa durou mais alguns minutos até que o farol de uma moto que fazia a curva na esquina caiu em cima deles, fazendo os dois apertarem os olhos diante da luz forte.

“Acho que essa é a minha deixa” Megan brincou, ajeitando melhor a pasta que a essas alturas tinha caído no chão ao lado dela. “Boa noite. Sweet dreams” ela murmurou, soprando um beijo para ele enquanto se afastava.

“Vou sonhar com você” Davi respondeu, olhando ela descer da calçada para ganhar a rua.

Enfiando as mãos nos bolsos da calça, Davi a viu atravessar, a cascata loira dançando nas costas dela ao sabor do balançar suave das cadeiras a cada passo que ela dava. E ele não conseguiu ignorar o calor dentro do peito. Um suspiro de contentamento escapou-lhe da garganta. Ela ainda se virou para um último aceno, fazendo-o sorrir.

Os dois estavam tão distraídos em si mesmos que ambos foram surpreendidos em seguida quando, saído não se sabe de onde, um carro perdeu o controle e, antes que Megan pudesse desviar ou Davi pudesse gritá-la, o veículo se chocou contra ela, fazendo-a cair desmaiada no chão.

O desespero varreu todo o corpo de Davi, e foi por milagre que ele conseguiu correr até o meio da rua, onde uma comoção de gente já começava a se formar, tentando impedir que o motorista fugisse. Mas ele não estava preocupado com isso, no momento toda a sua preocupação era o corpo caído de Megan, sem vida no chão, e suas lágrimas turvaram todo o resto.

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