Lorena escrita por slytherina


Capítulo 3
Jogos


Notas iniciais do capítulo

"A coisa principal que nós aprendemos
Tanto quanto as crianças
É nunca, nunca, NUNCA permitir
Só ver televisão
Ou melhor, nem instale
Esse objeto idiota na sua casa"
Charlie e a fábrica de chocolate por Roald Dahl



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Leon Scott Kennedy recarregou sua beretta 9mm e segurou-a em posição de assalto. Ele se aproximou da porta de madeira rústica e já ia atravessá-la, quando a mesma foi arrebentada por dois zumbis.


"Oh, forastero!". "Matem-lo." Os zumbis gritaram para ele. Na mesma hora, Leon postou-se em guarda para atirar. Dois tiros certeiros derrubaram o primeiro zumbi. Já no segundo ele teve que descarregar um pente, pois o zumbi em questão desenvolveu uma cabeça monstruosa, com tentáculos que poderiam alcançá-lo. Isso estava mal. As balas eram bens escassos naquela ocasião.


– Lorena! Pare de jogar por um momento e faça sua refeição. - Disse a governanta carregando a bandeja de comida, ao entrar no quarto da adolescente.


Lorena jogou o joystick do videogame e levantou-se. Não cumprimentou e nem agradeceu a mulher que lhe trouxera comida. Fora ensinada a sempre ser polida e educada, mas ao perceber que não havia punições, caso não seguisse essa regra, deixou de fazê-lo.


Lorena sentou-se na pequena mesinha em seu quarto. Alimentou-se de lasanha, frutas e água. Sabia que poderia reclamar da comida e pedir qualquer coisa em troca, mas por que faria isso? Se era para desafiar o sistema vigente e revoltar-se contra as pessoas, que pelo menos fosse por um bom motivo, e não porque queria comer algo diferente. Além disso a comida era excelente, e ela não era tão amante assim de ficar se estufando de tanto comer.


Na verdade estava engordando. Deveria praticar esportes, até já falara isso com a governanta, mas ainda não obtivera permissão. Deveria ser algo proibido pelo tutor. Se no final não lhe satisfizessem o desejo, ela sempre poderia pedir coisas, como uma cama elástica, uma piscina, ou uma plataforma de dança. Tinha certeza que lhe dariam sem pestanejar.


Lorena pegou o iPhone e abriu o Whatsapp.


Lorena: "Oi!"
Anelise: "Sumida, né?"
Lorena: "Sumida, não. Apenas cuidando da minha vida."
Anelise: "Ai! Você morde."
Lorena: "O que tá rolando?"
Anelise: "Rolando nada"
Fábio: "Faremos um rolê no morro hoje."
Juan: "Eu e Carminha iremos ao cinema."
Jenifer: "Tem uma rave hoje lá na Qinta da BoaVista."


Mais oito pessoas digitaram sobre opções para se divertir à noite. Lorena nem se dignou a responder ou se despedir. Simplesmente desligou o celular e o atirou sobre a cama. Estava entediada. Pensou em tirar fotos toscas e enviar para o Instagram, ou até mesmo fazer um video falando nonsense para postar no You tube. Mas lhe faltava ânimo.


Há seis meses passara por situação semelhante. Não tivera vontade de ir para a aula, e recusara-se terminantemente inclusive a banhar-se, obrigando a governanta e duas babás a encharcarem-se tentando levá-la para a banheira.


Dois meses tomando antidepressivos foi o que conseguira com sua teimosia. O médico e o tutor ficaram aliviados quando ela retomou sua rotina diária, limpa e perfumada, toda correta como deveria ser. As longas sessões entediantes em que não falava absolutamente nada foram o estímulo necessário, para não mais desafiar o sistema.


Ligou novamente o videogame. Trocou de jogo. Pegou seu joystick em forma de guitarra e assumiu uma posição de pé. Dedilhou a canção conforme era disposto no monitor. Atingiu boa pontuação, mas seu ânimo de continuar se esvaneceu. Dirigiu-se à janela envidraçada de seu quarto e passou a admirar a paisagem lá fora.


Estava ensolarado, e havia muitos vendedores de flores nas ruas, tornando tudo muito colorido e agradável, mas isso apenas tinha o efeito de irritá-la. Não sabia o que havia consigo. Talvez fosse TPM, os malditos hormônios, ou talvez apenas mais um sintoma da sua doença. Depressão, eles disseram. O certo seria Irritação e Desânimo.


Talvez, se ela tivesse uma família normal, se ela não vivesse sendo pajeada por governantas, babás, tutores, que estavam ali apenas para lhe satisfazerem a vontade, ela poderia ser normal como todo mundo, e talvez, feliz. Seus pais haviam morrido em um desastre de avião, quando ela era pequena demais para sequer lembrar-se deles. Talvez, se ela fosse um pouco mais velha naquela época, reconhecesse os estranhos no álbum de fotos, que sorriam com um bebê no colo.


Nenhum parente vivo, somente uma enorme fortuna, e um administrador de seus bens que fora nomeado seu tutor. Havia colegas na escola e companheiros de farra e diversão, mas eles não eram família, além disso, havia tanto rigor na seleção das pessoas que poderiam privar do seu círculo de amizades, que a maioria simplesmente se afastava. Não valia a pena.


Por vezes, Lorena pensava que teria sido mais feliz se tivesse tomado aquele avião com seus pais. Se fosse permitido a ela voltar no tempo, ela com o raciocínio que tem hoje, teria dito aos pais: "Não subam nesse avião" ou "Levem o bebê com vocês". Mas viagens no tempo eram pura fantasia.


Mirou a paisagem lá longe e calculou a altura do prédio onde morava. A janela não se abria, mas talvez existisse em seu quarto um objeto pesado o bastante para quebrá-la. Ela só não sabia qual seria. Decidiu voltar ao jogo.


Trocou de console e de joystick. Sentou-se no chão. Pouco se importava que ainda estava de pijamas e meias, ou que seus longos cabelos cacheados estavam agora embaraçados. Sua atenção agora estava inteiramente voltada ao jogo.


Leon fora confrontado pelo Barão malvado que se revelou como mais uma criatura monstruosa e horripilante. Leon rolou no momento do bote. Trocou de arma e empunhou a metralhadora automática. Descarregou todas as balas na aberração que se aproximava lentamente.Seus braços foram estraçalhados, mas as cabeças de hidra ainda lhe dariam trabalho.


Os grandes olhos castanho-esverdeados de Lorena refletiam o brilho do monitor. Suas mãos pareciam ter vontade própria, martelando as teclas no joystick, enquanto seu belo rosto permanecia inexpressivo e inalterado.


Leon calculou mal sua estratégia, e a explosão que ele causou para matar o monstro, acabou por feri-lo gravemente. Ele caiu de lado, enquanto o sangue inundava o chão em volta de seu corpo.


Grandes letras cobriram a imagem do corpo sem vida de Leon. "Você está morto".


– Eu também, Leon. Eu também. - Sussurrou Lorena.


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