Lorena escrita por slytherina


Capítulo 15
A tragédia


Notas iniciais do capítulo

"Tudo bem, mas por onde eu começo? A ordem dos eventos é, na melhor das hipóteses, uma ficção conveniente. Visto por outro ponto de vista, as coisas aconteceram muito diferente. Eu posso escutar o universo rindo de mim enquanto eu tento imaginar um começo. Entretanto, mesmo nós que somos criaturas mutantes altamente desenvolvidas da dimensão dezessete, quando você se põe a fazer isso, macacos presos ao tempo que vivem em um eterno Agora. Não importa quantos nós eu amarro em meu tempo de vida, eu ainda sigo a moda antiga, em apenas uma direção, levando um subjetivo segundo por vez. Vista dessa perspectiva, a estória começa assim: ..." Millennium por John Varley.



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No momento em que Lorena ligou o carro Tucker 48, o motor começou a ronronar. Era possível ver seu padrinho no galpão, olhando para ela. Ele ergueu a mão e acenou se despedindo. Ela passou a marcha para frente. Então tudo ao redor do carro ficou amarelado e esmaecido. A paisagem ficou bidimensional e parecia ser sugada para um ponto longínquo, lá atrás. Tudo ficou borrado e envelhecido.


Lorena teve medo. E se ela nunca mais visse seu adorado padrinho? E se ela nunca mais voltasse para casa? E se ela tivesse cometido o maior erro de sua vida? Por que fora tão imprudente? Afinal de contas o que ela iria fazer? Quem era ela para tentar alterar a linha do tempo? Lorena teve vontade de gritar e puxar os cabelos, em uma crise de pânico que ameaçava sufoca-la. Em vez disso, segurou firmemente no guidão.


"Como eu paro essa máquina? Oh, meu Deus! Eu quero sair daqui! Como eu faço para parar isso? Ah, eu me lembro. Tenho que colocar a alavanca em ponto neutro."


Lorena passou a marcha para ponto neutro. A paisagem ao redor do carro foi voltando lentamente ao normal. As casas foram se delineando, as nuvens ficaram nítidas, até os grilos e cigarras ficaram audíveis ao redor. As árvores adquiriram tons fortes, como se suas tintas fossem recentes e frescas. Era dia, e havia flores nos jardins. Lorena resolveu sair do carro.


O carro não mais estava no galpão dos Einsteins, mas na via pública, estacionado próximo a uma calçada. Era um bairro residencial, ela tinha quase certeza disso. Olhou para a casa próxima ao carro. Era bonita. Tinha telhado em mansarda, duas chaminés em lados opostos, três andares, janelas envidraçadas, varanda, escadas de pedra e uma enorme porta da frente, com vitrais na moldura.


Não era uma casa qualquer. Na verdade a sensação de deja-vu era angustiante. Lorena se dirigiu para lá. A porta estava apenas encostada. Ela entrou sem bater. Percorreu um corredor que ia da entrada até o fundo casa, com piso bicolor. Antes de chegar à cozinha, ela dobrou à esquerda. Nunca havia estado ali antes, mas era como se seus pés soubessem aonde ir. Havia uma porta branca a sua frente. Ela a abriu com mãos trêmulas, insegura e temerosa.


O quarto era enorme. Uma sensação de infinitude a envolveu. A perspectiva se modificou, como se tudo a sua frente fosse maior, gigantesco, e ela fosse pequenininha. Um casal a sua frente estava discutindo em câmera lenta. Um homem gritava e uma mulher gritava de volta para ele. Eles pareciam não perceber a presença de Lorena no quarto ao lado deles. A mulher avançou sobre o homem e Lorena sabia que ela iria estapeá-lo. Assim aconteceu. Lorena começou a chorar. Ela sabia que o homem iria revidar empurrando a mulher no chão. Lorena avançou sobre eles e abraçou nas pernas da mulher, gritando. O homem parou e só então percebeu a presença de Lorena. Ele passou a gritar com ela. Lorena apenas chorava. Sua mãe a pegou no colo.


"Minha mãe ... ?" Lorena pensou, enquanto apertava com força o pescoço da mãe. Sua mãe se retirou da sala e tentou se desvencilhar da filha bebê na cozinha, mas a menina não queria largá-la. Ela tanto fez e chorou, que sua mãe teve que sentar-se numa cadeira de balanço para que a criança adormecesse em seus braços. Aos poucos ela parou de chorar e seus soluços diminuíram, até quase um ou outro suspiro profundo.


Lorena fechou os olhos. Não estava realmente dormindo. Sabia disso pois segurava firmemente na blusa de sua mãe. Mesmo assim ela viu o que se sucederia: O homem, que agora supunha ser seu pai, empurraria a mãe no chão. Ela ficaria tão enraivecida que pegaria um vaso de cristal sobre uma mesinha, e o atiraria na cabeça do marido, que sofreria diversos cortes no rosto. Por conta disso, ele abriria uma gaveta de uma escrivaninha e sacaria uma pistola de lá. Antes que qualquer pessoa se desse conta do que estava acontecendo, sua mãe estaria morta no chão, sobre uma poça de sangue. Seu pai não suportaria o choque de ter perdido a cabeça e matado a mulher de sua vida. Então ele atiraria na própria cabeça, caindo duro e sem vida no ângulo oposto ao de sua esposa.


Lorena recomeçou a chorar, apertando com força na blusa de sua mãe. "Como eu posso me lembrar de algo que nunca aconteceu?" Sua mãe começou a cantar uma canção de ninar para acalmá-la. Então ela dormiu de pura exaustão por tantas emoções, ou talvez tenha apenas desmaiado.


Ela acordou bem mais tarde. Já era noite, e ela estava deitada em um sofá. Tudo estava na escuridão, em silêncio sepucral. Quem sabe eles tivessem esquecido de ligar as luzes, ou a cidade estivesse sofrendo um blecaute? Talvez tivessem saído para um evento e a tivessem deixado adormecida? Lorena sentou-se no sofá. Através do brilho da lua que entrava pela janela, ela percebeu que alguns móveis estavam recobertos com lençóis, e teve medo de pensar muito sobre isso. Resolveu sair dali. Ao passar pela porta de vitrais da fachada, notou as teias de aranha, como se ninguém entrasse naquela casa há muito tempo.


Para seu alívio, o Tucker 48 continuava estacionado do lado de fora. Não lhe passou despercebido que voltara a ser adolescente de novo, embora fosse um bebê quando interagiu com seus pais. Talvez seja um dos efeitos colaterais das viagens no tempo. Mesmo assim, não deixava de ser estranho.


Será que ela havia modificado alguma coisa da linha do tempo? Entretanto nunca houve semelhante tragédia em sua família. Com ela poderia lembrar-se de coisas que nunca ocorreram? O mais estranho de tudo é que ela tinha certeza de ter acionado a alavanca para frente, e não para trás. O tempo flui de modo engraçado, tinha que admitir. Talvez ela tivesse ido parar em uma outra linha do tempo. Talvez na segunda hipótese do gato de Schrödinger. Esse pensamento a deixou confusa e insegura.


Ela entrou no carro e ligou-o na chave. Puxou a alavanca firmemente para trás. "Chega de aventuras por hoje." Pensou. A única coisa que ela queria era poder voltar ao seu tempo, voltar a ver o Doutor Einstein e sua família. Ao menos a família de Princeton em 1950, com seus irmãos e seus amigos da escola. Lamentava agora sua índole inquieta e aventureira. Ela era tão feliz naquele tempo! Para que tinha que se aventurar em viagens no tempo?


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