Minha Gotinha de Amor escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 10
Me deixe te consertar


Notas iniciais do capítulo

Ois! :3

Então, eu coloco metade da culpa pelo atraso no site que esteve em manutenção esses dias. E a outra metade fica pra mim, obviamente :P

Mas também esse é o maior capítulo até agora. Espero que compense :)



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Aria folheava uma revista no modo automático, tentando achar uma posição confortável naquela cadeira de assento de plástico dura. Se bem que, estando onde estava, Aria não conseguiria fazer-se sentir confortável nem estando sentada em um divã cor-de-rosa.

Apesar de ser um daqueles quartos compartilhados, destinados apenas à pacientes em observação, ou seja, relativamente saudáveis, a quietude no local era grande, como se as pessoas ali estivessem em estado vegetativo. Entretanto, nenhuma delas estava conectada àqueles monitores de frequência cardíaca, então não havia nenhum bip para preencher o silêncio e Aria já estava cansada de ouvir apenas a própria respiração. Compridas cortinas azuis separavam um leito do outro, o que dava certa sensação de privacidade.

— Aria? – um murmúrio rouco a fez instantaneamente virar a cabeça, levantar-se e largar a revista no assento da cadeira.

— Oi, meu bem – Aria sentou-se parcialmente à cama onde Spencer estava – Graças a Deus você acordou.

Os olhinhos de Spencer vagaram pelo ambiente por um segundo, assustados.

— Nós estamos em um hospital? – ela perguntou e Aria simplesmente assentiu – Por quê?

— Você desmaiou, não lembra? Tudo por não querer comer.

A garota levou uma mão à testa e fechou os olhos com força.

— Há quanto tempo?

Aria tirou seu celular do bolso de sua jaqueta estilo colegial e checou o horário no visor.

— Mais ou menos há uma hora e meia.

Spencer apoiou-se nas mãos para poder sentar melhor.

— Já são cinco?

— Quatro e meia. Mas você está completamente maluca se acha que vai sair daqui para ir assistir suas aulas de francês – disse Aria, num tom calmamente autoritário que fez Spencer rir.

— Você vai ralhar comigo pelo resto do dia por causa disso, não vai?

— Tente a semana inteira.

Spencer deu outra leve risada.

— E eu não vou ser seu maior problema – Aria continuou – Sua mãe está ali fora falando com o médico.

A garota franziu a testa em desconforto outra vez.

— Merda – disse baixinho.

— É, merda. Tem razão. Spence, no que diabos você estava pensando?

— Eu não estava pensando – alegou, num tom mais próximo de sua voz habitual – Juro que nem percebia que não estava comendo direito.

Aria suspirou mas não respondeu. Virou a cabeça na direção da porta assim que Veronica Hastings adentrou o quarto. Sua expressão não era das mais convidativas mas ela trocou um olhar amigavelmente cúmplice com Aria antes de voltar-se para a filha.

— Mãe... – Spencer começou mas Veronica levantou um indicador para calá-la.

— Eu vou pensar no que fazer com você depois que nós sairmos daqui. Por enquanto – sua voz suavizou e ela fez um carinho na testa da filha –, estou feliz que esteja bem e acho que devemos agradecer à Aria por isso.

Aria enrusbeceu com aqueles dois pares de olhos sobre si.

— O que você fez? – Spencer virou-se para ela com um sorrisinho adorável nos lábios.

— Quer dizer além de te colocar dentro de uma ambulância? – Veronica cruzou os braços – Bem, ela pegou o seu carro e atravessou a cidade até o meu escritório para me avisar sobre o que tinha acontecido.

As bochechas de Aria não paravam de esquentar. A sra. Hastings falava “atravessar a cidade” como se aquilo tivesse sido um ato tremendamente heroico. Mas não havia sido, na verdade. Rosewood era do tamanho de uma ervilha e Aria fora burra o suficiente para não procurar pelo número da mãe de Spencer no próprio celular da garota. Droga, quanto tempo isso não teria economizado? Afinal, Aria poderia ter ido com Spencer até o hospital, naquela ambulância, segurando a mão dela.

Pensar no fenomenal deslize fazia os olhos de Aria se encherem de lágrimas, mas Spencer alcançou uma de suas mãos, lembrando-a instantaneamente de que isso não importava mais.

— Obrigada – disse a garota baixinho.

Aria derreteu por dentro e por um momento pareceu que elas estavam sozinhas novamente.

— Você teria feito o mesmo por mim – Aria acariciou a mão de Spencer com um polegar. Ela tinha a mais absoluta certeza de que Spencer teria feito exatamente o mesmo por ela. Quer dizer, obviamente que Spencer teria sido mais inteligente, procurando pelo número de Ella no celular de Aria e assim podendo acompanhá-la até o hospital segurando sua mão como estava fazendo naquele momento.

Veronica pigarreou levemente.

— Sua irmã talvez chegue depois que nós já estivermos em casa – ela avisou.

O rosto de Spencer empalideceu novamente, mas desta vez de um certo espanto.

— Melissa? – perguntou ela com os olhos sutilmente arregalados – Você ligou para ela?

A mãe de Spencer se mantinha com a calma de uma mulher de negócios.

— Ela ligou por puro acaso agora há pouco para saber como estavam as coisas em casa e eu tive que contar a ela.

— Mas... e as aulas dela?

— Relaxe, querida, ela já havia sido dispensada por hoje.

O lábio inferior de Spencer tremeu. Ela queria contra-argumentar mas Veronica continuou.

— São quarenta e cinco minutos de metrô da Filadélfia até aqui. Não há problema algum, Spence. Ela quer apenas se certificar de que você está bem. Ainda mais depois que eu disse que eles vão fazer um exame de sangue em você.

Spencer direcionou um olhar praticamente incrédulo para Aria, que apenas escutava de cabeça baixa. A expressão da garota parecia dizer “o que isso significa?”.

— Exame de sangue? – Spencer gaguejou.

— Para saber se há algum tipo de droga no seu organismo.

A garota pareceu achar a conclusão engraçada.

— Como é?

— Ora, não se faça de burra comigo, Spencer – Veronica finalmente perdeu um pouquinho da compostura de advogada – Você sabe muito bem do que eu estou falando.

Spencer fixou o olhar em Aria novamente e afastou seus dedos dos dela, o que doeu como uma facada no peito da moreninha.

— O que você contou a eles? – a expressão dela era como se ela se sentisse fortemente traída.

Aria suspirou. Seria mais difícil do que ela havia imaginado que seria.

— Eu contei simplesmente o que andava vendo em você nos últimos tempos.

— Ela falou sobre sua falta de sono, sua despreocupação com sua alimentação, sua compulsividade anormal a respeito dos estudos. E o que nós temos ao final disso tudo? Um desmaio causado por inanição e estresse. Exatamente como das duas outras vezes.

Veronica murmurou a última frase, como se tal não devesse ser ouvida por mais ninguém além de por mãe e filha. Aria cruzou os braços, curiosa.

— Duas outras vezes?

Até onde Aria sabia, Spencer havia se mantido sob o efeito de anfetaminas por causa de o que acontecera com seu primeiro namorado, Alex. A garota enterrara-se em meio aos livros, por dias e noites direto, para que em sua cabeça não sobrasse espaço para pensar em tal situação traumática, pois, se Spencer dormisse, era mais do que certo que teria pesadelos a respeito daquilo.

— Você não sabia? – a mulher virou-se para Aria, falando num tom mais brando.

— Mãe, por favor – Spencer murmurou entredentes.

— Meu bem, eu entendo que seja difícil para você falar sobre isso – Veronica pegou a mão esquerda de Spencer.

— Se você me ama, por favor, não faça isso – Spencer voltou a murmurar, quase que inaudivelmente.

As duas pareciam ter esquecido de que Aria estava ainda bem ali, presenciando aquela pequena discussão de família.

— Fazer o quê? – o coração da moreninha martelava contra o peito – Falar sobre o quê?

Nem mãe e nem filha responderam. Veronica fitou Aria, incerta, e Spencer fechou os olhos, em rendição.

— Certo – disse ela ainda baixinho para a mãe, quase como se por obrigação –, mas apenas saia daqui, está bem? Eu conto a ela.

— Tem certeza?

Spencer enrijeceu.

— Por favor.

A mulher assentiu e beijou a testa de Spencer fracamente.

— Estarei ali fora caso precisem de alguma coisa.

Aria não entendia mais nada e apenas sentia seu sangue gelar. Calafrios cruzavam-lhe a espinha enquanto Veronica saía lentamente daquele grande quarto ainda silencioso, com seus saltos curtos fazendo um familiar barulho contra o piso.

Spencer permaneceu calada por longos segundos. Apenas olhava para os próprios dedos. Aria não sabia se iria querer ouvir aquilo. Temia que a garota tivesse algo terrivelmente ruim para contar. Algo... com relação à sua saúde, como uma doença terminal ou algo parecido.

— Spence, você está me assustando – confessou Aria com a voz já embargada.

A morena soltou o ar pela boca de forma entrecortada, como se estivesse contendo as lágrimas bravamente.

— Às vezes eu também me assusto.

Aria voltou a agarrar uma das mãos de Spencer.

— Do que você está falando?

Spencer respirou fundo.

— Eu experimentei anfetaminas pela primeira vez no oitavo ano.

— No oitavo ano? – a moreninha repetiu, pensando em qual seria o porquê de uma garota de apenas catorze anos precisar daquele tipo de coisa.

Spencer assentiu.

— Melissa havia acabado de ir embora para a faculdade. Eu me lembro de, na época, ter ficado me gabando para Ali a respeito de poder flertar com Ian o quanto eu quisesse, pois ele ia ficar na cidade durante mais algum tempo. Em outras palavras, ele ainda ia continuar morando durante mais algum tempo no meu quintal.

Aria estranhou ao ouvir o nome do ex-noivo da irmã de Spencer no meio daquela conversa. Era como se Spencer estivesse adivinhando que Aria havia pensado nele há horas atrás.

— Era bom vê-lo sem Melissa por perto, sabe? – a morena continuou – Ele olhava para mim de um jeito que fazia eu me sentir desejada. E para a garota tonta de catorze anos que eu era, ter um cara de vinte e um na minha cola era... lisonjeiro. Ali dava em cima dele também, como você deve lembrar, mas eu sentia que comigo era diferente. Ian me deu meu primeiro beijo.

Aria sentiu seu estômago pesar depois daquela última frase. Não por causa de algo próximo a ciúme; apenas... algo obscuro pareceu cruzar o rosto de Spencer enquanto ela dizia aquilo, como se ela se lembrasse perfeitamente do momento, com nostalgia ou talvez arrependimento.

Nunca havia passado pela mente de Aria que Spencer pudesse ter se sentido assim em relação a Ian. Ela realmente sempre achara que tudo não passara das competições estúpidas que Spencer e Ali mantinham. Mas apenas a simples ideia de Spencer se sentindo lisonjeada enquanto Ian a beijava era... perturbadora. Não apenas por ele ser sete anos mais velho, mas por ele ter estado comprometido com Melissa naquela mesma época.

O estômago de Aria doía ainda mais enquanto ela tirava uma conclusão precipitada. Ian traíra Melissa, e de certa forma Spencer também. E por isso aquele noivado terminara tão de repente e sem que nenhuma das meninas soubesse nada a respeito.

— Uau... – Aria suspirou, sentindo-se subitamente incomodada. O conceito de traição era talvez a única coisa que ela nunca teria capacidade para conceber. Nada mais era, para Aria, do que uma opção mútua de errar e tudo o que ela tinha em mente era Melissa e como a garota devia ter se sentido ao descobrir. – por que você nunca... nos contou?

— Eu contei à Ali – a voz de Spencer era praticamente um sussurro –, no mesmo dia em que aconteceu. Não sei por que fiz isso. Eu estava tão nas nuvens que meu objetivo nem era me gabar para ela. Eu só queria dizer para alguém o quanto eu havia gostado e o quanto eu me sentia... querida. Mas Ali... me julgou, como ela sempre costumava fazer. Me chamou de certos nomes, o mais leve deles sendo “suja”. Ela me infernizou durante aquela primeira semana. Dizia que eu devia contar a Melissa, que era a coisa certa a fazer, mas eu sabia que a única coisa que ela queria era me envergonhar. Me ameaçou dizendo que, se eu não contasse quando Melissa voltasse, no fim de semana, ela mesmo ia contar.

Aria baixou o olhar, começando a entender finalmente um pouco do lado de Spencer. Ali havia mesmo sido daquele jeito e fizera com Spencer o mesmo que fizera com Hanna a respeito de ter beijado Mike.

— Mas Alison não ia querer procurar confusão com Melissa – Spencer continuou – Minha irmã nunca se curvou à Ali por Ali ser... quem ela é. Isso a mantinha na linha, ou seja, eu sabia que ela não se atreveria a contar, mas ainda assim eu... estava apavorada. Ali dizia que Melissa nunca me perdoaria. A culpa foi tomando conta de mim e eu comecei a ignorar Ian. Disse a ele que Alison ameaçava contar a verdade mas nem isso o impediu de passar o resto daqueles dias me perseguindo.

Aria sentiu novamente um calafrio percorre-la ao ouvir Spencer pronunciando o verbo “perseguir” e voltou a apertar a mão da garota, que começava a lacrimejar.

— Era tarde da noite e Melissa voltaria para casa no dia seguinte – a morena prosseguiu, enxugando uma lágrima e tentando aparentar ter a força de sempre – Eu me lembro de estar deitada em minha cama, fazendo algum dever de casa, e de pegar no sono ali mesmo, vestida. Eu estava de costas e senti quando ele chegou por trás e se deitou ao meu lado. Mas eu achei que era só mais um daqueles sonhos que eu andava tendo devido à culpa. Sonhos onde... ele me tocava e eu não podia fazer nada para impedir. Só que... naquela noite não estava sendo um sonho. Eu simplesmente sabia que ele estava ali, me acariciando contra a minha vontade, e ainda assim eu não tinha forças para acordar e me afastar. Ele me segurava pela cintura e apenas quando ele sussurrou “Melissa vai descobrir de qualquer jeito, não é?” foi que eu consegui voltar à mim.

Spencer fez um pausa para tomar fôlego e Aria era capaz de sentir seu coração sendo dilacerado. Ela entedia agora do que aquilo se tratava e sabia que já deveria estar abraçando a garota, mas estava simplesmente... em choque.

— Nada do que Melissa já tenha me dito, nada do que Ali já tenha dito para qualquer uma de nós soara tão cruel – Spencer continuou, com o choro preso em sua garganta – Ele nunca se importou com ela. Nunca.

Spencer cerrou os olhos e deixou escapar o primeiro soluço. Aria finalmente sentiu seus músculos obedecendo os comandos de seu cérebro e aproximou-se da garota, passando assim a dividir com ela a estreita cama hospitalar, sobre a qual as duas cabiam juntas perfeitamente, estando abraçadas.

Spencer envolveu-a com força e encaixou a cabeça abaixo do pescoço da moreninha, entregando-se a um choro rouco e parcialmente desesperado. A cama de Spencer ficava na ponta daquela fileira de cinco ou seis leitos separados, e Aria apenas permaneceu de olhos vidrados na parede branca à frente de si, desejando apenas conseguir dizer a Spencer algum tipo de consolo. Acabou por beijar os cabelos da garota e permanecer alguns minutos enganchada a ela.

Estava sendo um momento tão agridoce! Fazia incontáveis dias que Aria desejava secretamente ter Spencer nos braços e finalmente estava acontecendo... mas devido a uma notícia devastadora. Aquilo tinha mesmo acontecido? Spencer havia sido estuprada? Aria fechou os olhos devido ao tamanho desconforto que a palavra lhe causava. Nunca houveram sinais. Spencer sempre fora tão forte. Na verdade, ela sempre fora muito boa em manter o controle. Mas como diabos algo como aquilo conseguira passar despercebido pelas meninas?

— Por que você nunca nos contou? – perguntou Aria numa voz macia, tocando as pontas cacheadas dos cabelos de Spencer, uma vez que esta se acalmara.

— Eu tive medo – Spencer choramingou, ainda sem soltar a amiga.

As pernas das duas iam inocentemente entrelaçando-se. Aria sentia os joelhos descobertos de Spencer roçando delicadamente contra o tecido de suas leggins e pensava que infelizmente não parecia haver um abraço forte o bastante para confortar a garota a respeito daquilo.

— Ali sabe?

— Ninguém sabe – respondeu Spencer, e Aria pôde sentir em seu pescoço o ar escapando dos lábios da morena junto com as palavras –, exceto minha mãe e Melissa.

— Foi por isso que vocês duas fizeram as pazes? – Aria ouviu-se perguntar – Porque Ian abusou de você?

Ela sentiu os próprios olhos marejados ao finalizar a frase. Era uma razão muito boa para duas irmãs que passaram a vida inteira estranhando-se começassem a agir como irmãs de verdade.

— Ele não foi até o fim. Na verdade, eu consegui me afastar e dizer que nunca mais queria vê-lo de novo, entre outras coisas, antes que ele conseguisse avançar ainda mais. Ele não passou aquela noite no celeiro, o que me deixou... incrivelmente aliviada.

— Uau... – Aria suspirou, não parando com as carícias nos ombros de Spencer – ainda bem. Mas de qualquer forma foi um abuso.

— Eu sei - Spencer finalmente se afastou um pouco da moreninha para olhá-la nos olhos – Foi o que me motivou a contar a verdade logo na manhã seguinte. Melissa chegou um pouco antes do almoço. Ela parecia muito feliz e minha mãe também. A única que não estava feliz era eu. Meu estômago estava virado do avesso e eu tive que ficar esfregando as palmas nos joelhos para que elas parassem de suar. O ápice foi quando Melissa avisou que ia ligar para Ian e convidá-lo para almoçar. Apenas a ideia de vê-lo sentado àquela mesa me fazia querer vomitar. Graças a Deus meu pai não estava lá. Eu... simplesmente perdi a cabeça. E arruinei o que era para ser um sábado perfeito.

Spencer tinha os olhos fixos na cortina azul atrás de Aria. Seu olhar estava perdido, assustado, como se a memória daquela briga familiar fosse seu pior pesadelo.

— Ei – Aria voltou a segurar as mãos de Spencer. Estavam geladas. –, você não arruinou coisa alguma. Nós sabemos quem foi o infeliz que realmente arruinou tudo. Deus, Ian devia ter sido jogado na cadeia.

— Eu sei – Spencer repetiu, apertando as mãos de Aria firmemente – Sei que deveria querer isso, mas me dei por satisfeita quando Melissa o dispensou de vez, ainda naquela tarde. Quer dizer, eu sei que é egoísmo, mas eu fiquei tão feliz quando Melissa voltou para casa no final daquele dia, depois de ter falado com Ian sobre o que eu havia contado. Ela queria confirmar, ou simplesmente ouvir dos lábios dele que não era verdade, porque no início ela não acreditou em mim. E nós brigamos. Acho que ela acabou ouvindo o contrário de Ian, porque, Deus, ela voltou destruída! De um jeito que eu nunca a tinha visto antes. Mas ela olhou para mim, ainda com o rosto molhado, disse “Você estava certa, Spence. Acabou.” e me abraçou. Um abraço de verdade. Acho que nunca tínhamos experimentado um antes. E foi como se tudo tivesse valido a pena, sabe?

Aria observou Spencer baixar o olhar outra vez. Sua voz trepidara na última frase. Ela queria dizer a Spencer que nem de longe aquilo tinha algo a ver com egoísmo. Queria dizer também que se envergonhava amargamente por ter pensado que Spencer havia sido capaz de trair Melissa. Spencer teria sentido por qualquer outro rapaz o que sentira por Ian, desde que tal rapaz a notasse, a fizesse acreditar que tinha qualidades e que era linda. Isso porque, quando Aria pensava na família Hastings, demonstrações de carinho não eram a primeira coisa que vinha à mente dela.

— Melissa disse que me amava naquela noite, antes de eu subir para o meu quarto – Spencer continuou, baixinho – Eu... acho que nunca havia ouvido aquelas três palavras saindo da boca dela para se aplicarem à mim.

Spencer tinha agora um sorriso trêmulo nos lábios e Aria sorriu também. Melissa atualmente tinha vinte e quatro anos e era uma mulher feita – e obviamente, ainda invejada. Aria, de certa forma, sempre venerara Melissa pelo jeito de a jovem se vestir. Ela sempre parecia saber o equilíbrio perfeito entre o sóbrio e o chic. Melissa também sabia desfilar em saltos altos como ninguém, sem nunca deixar a postura ereta relaxar. Ali não admitia, mas com certeza copiara muito do estilo da garota mais velha. Mas, nos últimos tempos, quando Melissa tinha Spencer nos braços, ela não parecia nada mais além de uma guardiã, e talvez a irmã mais velha que Spencer pedira aos céus.

— Ela começou a dizer que me amava – Spencer prosseguiu –, mas eu sabia que ela continuava se sentindo destruída por dentro. Ela faltou alguns dias às aulas depois daquele fim de semana para ficar no sofá, tomando sopa de legumes e forçando um sorriso cada vez que me via.

Aria sabia aonde Spencer queria chegar dizendo aquilo tudo, mas seu coração estava tão apertado que tudo o que ela pôde fazer foi esperar pelas fatídicas palavras.

— Aria, eu me senti tão culpada! – as lágrimas voltaram a rolar pelo rosto da garota – Eu sabia que aquele futuro casamento estava acabado e era por minha culpa. Eu o incitava com todos aqueles flertes. Pensei por tantas vezes que se eu não tivesse o provocado, nada disso teria acontecido. As anfetaminas, os pesadelos, o medo de ficar sozinha com meus próprios pensamentos.

Aria comprimiu os lábios na tentativa de não entregar-se às lágrimas também. Pelo menos naquele momento ela precisava ser mais forte. Puxou a garota para perto de si novamente, colando a orelha direita dela à altura de seu coração.

— Não importa, Spence – ela sussurrou rente ao ouvido da morena – Os flertes, as iniciativas. Nada disso importa. Não há justificativa no mundo para o que ele tinha intenção de forçar você a fazer. Por favor, meu bem, entenda isso.

— Meu cérebro entende – Spencer murmurou, não atrevendo-se a soltar-se de Aria –, mas acho que o resto de mim ainda não. Eu passei tanto tempo escondendo isso, fingindo ser forte.

— Você é forte – Aria cortou-a, sem pensar duas vezes – A pessoa mais destemida que eu já tive o prazer de conhecer. Não acho que houve, há, ou haverá alguém como você no mundo inteiro.

Spencer sorriu, envolvendo-a com mais firmeza. Aria permitiu-se derreter naquele abraço e na sensação de leveza que a invadiu depois de concluir aquele elogio.

— Isso não anula o fato de que eu escondi muita coisa de vocês. – Spencer replicou, numa voz mais sóbria – E eu me arrependo. Só Deus sabe o quanto eu precisei desse abraço no oitavo ano, depois de ter desmaiado antes de subir no palco do ginásio para aquele concurso de soletração idiota.

Aria franziu as sobrancelhas e fitou a garota nos olhos.

— Como é?

— Não lembra? – Spencer perguntou, como se estivesse contando algo corriqueiro – Foi um evento estúpido de final de ano letivo. Eu me forcei a ler dicionários e enciclopédias durante horas. E toda a vez que eu sentia que o sono queria brincar de cabo-de-guerra comigo, aqueles comprimidos me ajudavam. Eles e o estresse que eu mesma criava para manter a mente ocupada. Desmaiei antes que pudessem me chamar para começar a competir e disse à minha mãe que foi apenas por causa do nervosismo de subir naquele palco e soletrar em público.

Assim como a boa ação de seu irmão mais novo em relação à Hanna e a cena quente entre Mila Kunis e Natalie Portman em Cisne Negro, aquela memória era mais uma que havia escorregado despercebidamente para o fundo da mente de Aria.

— Você consegue os comprimidos na escola?

— Andrew – foi a única coisa que Spencer conseguiu murmurar, depois de claramente exitar um pouco.

— Campbell?

Aria sentiu o movimento de confirmação que a cabeça de Spencer fez, ainda colada à seu peito.

— Ele me aconselhava a nunca abusar e a nunca tomá-los com álcool, como se tivesse licença para exercer medicina. Às vezes eu o escutava, às vezes não.

Aria não conseguiu responder. A imagem de Andrew veio à sua mente. Um garoto centrado, responsável, maduro. E traficante? Como pode? Aquilo era tráfico de drogas, afinal, não era?

— Vários outros alunos fazem isso – Spencer prosseguiu, como se de certa forma estivesse lendo a mente de Aria – Distribuem e compram. Eu já conversei com alguns. Eles usam quando na manhã seguinte vão ter algum teste que acham que não vão passar se não virarem a noite estudando, ou seja, não usam pelos mesmos motivos que eu. Eles conseguem controlar. E eu perdi o meu controle quando quebrei a promessa que fiz à minha mãe. A de que seria a última vez, depois de eu ter perdido Alex.

Aria encontrou o olhar de Spencer novamente

— Está dizendo que não consegue parar sozinha?

Spencer parecia não ter coragem para sustentar seus próprios olhos nos da moreninha.

— Não mais – ela voltou a enganchar-se em Aria. – Eu estou voltando a temer o escuro. O silêncio. Ficar sozinha. E fechar os olhos.

Ao escutar a garota concluir, naquela vozinha vacilante, Aria sentiu todos os seus órgãos se contorcerem. Cerrou os olhos, o que não impediu as lágrimas de queimarem sob as pálpebras. O que mais a assustava era não conseguir conceber o tamanho daquele medo. Devia ser descomunal, se por causa dele Spencer temia ficar a sós consigo mesma. E então Aria sentiu uma espécie de raiva aflorando do centro de seu peito. Spencer não merecia estar passando por aquilo. Se pudesse, ela tomaria todas as dores da morena, desde a menor até a mais dilacerante. A matava saber que não podia fazer isso.

— Diga que quer ajuda – Aria sussurrou – e eu farei o impossível para arrancar esse medo de você. Por favor, apenas me deixe te consertar.

— Eu quero. Aliás, eu preciso da sua ajuda. De você.

Deus, a garota nunca havia soado tão desamparada! Aqueles olhinhos castanho-claros tristes, demonstrando uma fragilidade anormal, mas ainda assim ansiosos, esperançosos, tão lindos! Aria secou as lágrimas de Spencer com um polegar e sorriu para ela, finalmente.

— Você me tem – garantiu, num tom de voz suave. – Agora e para toda a vida.


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