Ovelhas Negras escrita por Bianca Vivas


Capítulo 12
Um diamante bruto




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Maria de Lourdes


Luan merecia algum prêmio especial por sua incrível capacidade de ser insuportavelmente chato. Não bastavam os desgastes dos últimos dias, Maria de Lourdes não podia descansar nem mesmo na sala de aula. Foram dois horários inteiros recebendo bilhetinhos do novo amigo. Aliás, colega. Ela se recusava a ser amiga dele.


Nos bilhetes, estavam piadas cuja graça apenas o próprio Luan enxergava. Além de serem irritantes até demais.


A menina já não aguentava mais. Estava prestes a levantar da carteira e enfiar o último bilhete dentro da boca de Luan e fazê-lo engolir o pedaço de papel. A raiva era tanta que os nós de seus dedos estavam vermelhos e as sobrancelhas, elas se uniam no meio da testa. Lola começou a inspirar pelo nariz e expirar pela boca, como as grávidas faziam, numa tentativa frustrada de se acalmar. Pensando em retrospecto, não sabia o motivo de ter contado para Luan sobre Felipe. Maldito erro. Já deveria saber que nada que fizesse iria, de fato, irritar o menino.


Lá para o meio da aula, Luan trocou de lugar com o aluno que estava sentado ao lado de Lola. Maria revirou os olhos e suspirou, rezando para ter paciência. Contudo, suas preces não foram atendidas. Mal Luan sentou e ela já lhe lançou um olhar mortífero, de puro ódio. O garoto riu e contou alguma piada em seu ouvido. Ela não gostou nenhum pouco do que ouviu e bateu, com bastante força, no braço de Luan.


— Ai! - Ele gritou, chamando a atenção de alguns colegas para si. - Não tenho culpa se você tá saindo com um cara nada a ver!


— Achei que você gostasse dele... - Lola respondeu irônica e voltou sua atenção para o professor.


— E eu gosto, mas... francamente! - Luan começou a rir. - Você e Felipe formam o pior casal da face da Terra!


Ao escutar a frase, Maria de Lourdes teve vontade de socar Luan até que ele estivesse desfigurado. E faria isso, caso o que ele estivesse falando não fosse a mais pura verdade. Os dois não tinham nada a ver. Completamente opostos. O único assunto deles era o maldito namoro falso.


Quem tinha mesmo a ver com ela era Eric. Ele sim era o encaixe perfeito da menina, com seus olhos azuis que sempre a faziam suspirar. Mas ela própria sabia que, se ficassem juntos, estaria assinando o contrato com a ruína dele. Sempre fora assim. E ela simplesmente estava cansada de arruinar a vida de alguém que amava tanto.


Sim. Lola amava Eric. Mais do que já amara qualquer pessoa e quase tanto quanto amava a si própria. Por isso mesmo, fazia o possível para ficar longe dele, mesmo que seus pensamentos sempre se voltassem para o menino de olhos claros, de alguma maneira.


Junto com a raiva que a assolava, ela começou a sentir lágrimas brotarem no canto de seus olhos. Então, Lola respirou fundo, levantou da cadeira e saiu da sala. Deixou a porta bater atrás de si com um estrondo e pôde imaginar o rosto espantado do professor e dos colegas. Entretanto, não se importava. Precisava de ar.


Desceu as escadas correndo. Sentia a raiva, a tristeza e a saudade preenchendo seus poros, o sangue correndo mais rápido por suas veias e esquentando o corpo. A cabeça começou a latejar de dor, devido ao estresse. Lola estava no último degrau da escada quando começou a ofegar. Segurou na ponta do corrimão, para se equilibrar. Porém, logo ela se abaixou e sentou na escada. Colocou a cabeça entre as pernas, esperando a respiração normalizar e a dor de cabeça passar.


Após alguns segundos, sentiu uma mão em seu ombro. O toque era macio e quente e a mão, pequena como a de uma mulher. Levantou a cabeça devagar, esperando encontrar a coordenadora ou alguma professora, entretanto foi decepcionada. O que ela viu foram olhos azuis, emoldurados por uma sobrancelha muito bem-feita.


— Você está bem? - Perguntou Juno, sentando-se ao lado dela na escada.


— Sim - Lola respondeu, suspirando. - Só com um pouco de dor de cabeça. Logo passa.


— Bom saber... - Um silêncio se instaurou entre as duas e Juno abraçou os próprios joelhos. Aparentava certa insegurança.


— O que você feio fazer aqui? - Lola perguntou, meio na defensiva, porque estava desacostumada com gentilezas como essas vindas da parte da amiga nos últimos tempos.


— Bem... você saiu da sala daquele jeito e eu fiquei...


— Mentira! - Ela apontou, categoricamente. - Eu ainda te conheço, Juno. O que você quer?


Juno cerrou os olhos antes de começar a falar.


— Eu ouvi sua briga com Luan...


— E? - Lola arqueou a sobrancelha, já sabendo onde aquilo daria.


Juno fora contra qualquer tipo de contato entre ela e Felipe, e vinha agindo feito uma mãe rabugenta nos últimos tempos. Fazia de tudo para afastar os dois e achava que mandava em Maria de Lourdes, que poderia controlá-la. A própria Lola não entendia realmente o que estava por trás de tudo aquilo. Que Juno não achava que Lola fosse uma boa influência para Felipe - o sempre tão certinho Felipe - até aí, tudo bem. Agora, querer mandar na vida dos dois? Era um pouco demais!


— Não se faça de desentendida, Maria de Lourdes. - Juno disse, como a perfeita adulta que tentava ser. - Vocês estão namorando...


— Sim. - Era mais uma afirmação que uma pergunta. Mesmo assim, Lola se sentiu na obrigação de confirmar a mentira, nem que fosse para irritar Juno.


— Eu pedi que você se afastasse dele e você começa a sair com o garoto! - Juno passou a mão pelos fios louros, indignada.


— Algum problema? - Lola perguntou, tomando impulso para se levantar. Colocou as duas mãos na cintura e, do alto de seu 1,65 metro, olhou para o rosto delicado de Juno.


— Sim. Todos. - Foi a vez de Juno se levantar. As duas eram quase do mesmo tamanho e olhavam-se nos olhos. - Você é uma péssima influência para ele! Já te disse isso milhares de vezes! Você não é uma pessoa decente. Vai destruir a vida desse menino e ele tem um futuro brilhante pela frente. Não precisa que você estrague isso, como fez com Eric!


Juno estava gritando, atirando aquelas palavras contra Lola. A menina recebeu cada frase como um tapa na cara. Não importava quantas vezes Juno repetisse aquele discurso, ele ainda era capaz de desestabilizá-la, mesmo que ela jamais demonstrasse. Citar Eric não tornava nada melhor. Juno estava jogando um jogo muito baixo.


— Não me importa o que você acha, Juno! - Lola gritou de volta, com a raiva fervilhando dentro de si. Ao citar Eric, Juno atingira o ponto mais fraco de Lola, e ela sabia disso. - Você não pode controlar a vida de todo mundo, muito menos a minha e a de Felipe. Grite o quanto quiser, infernize o quanto quiser. Eu não vou me afastar dele. Nós vamos continuar namorando, quer você goste ou não.


Ela cuspiu as palavras com uma frieza e uma rigidez incomparáveis. Era possível sentir a insubmissão e a autoridade mesmo através de seus gritos. Não deixaria que Juno a tratasse daquele jeito por conta de um único episódio que acontecera no passado, e que nunca a afetara.


— Você apenas vai ter que aceitar isso - completou, prestes a dar as costas à Juno quando uma voz fina atrás dela lhe chamou a atenção:


— Ela pode até ter que aceitar, mas eu não.


Lola virou o corpo para trás, procurando a voz. Encontrou, parada, apenas alguns degraus acima delas, uma menina de cabelos longos e negros. As famosas madeixas de Lara não a deixavam ser confundida com ninguém, todavia, caso isso acontece, era só prestar atenção ao sorriso cínico que ela carregava nos lábios. Ao observá-la Lola revirou os olhos.


— Oh, e você vai fazer o quê? Me bater? - Lola debochou. - Estou morrendo de medo.


— Eu vou - Lara respondeu de um jeito determinado e começou a descer as escadas, furiosa.


Juno ficou aturdida com a cena. Não conseguiu nem se mexer. Não pedira que Lara a seguisse, nem nada. A garota o fizera por conta própria e agora iria transformar uma conversa mais ou menos pacífica em uma briga sem motivos reais. Maria de Lourdes, por sua vez, revirou os olhos e caiu na gargalhada. Duvidava muito que a certinha Lara fosse capaz de quebrar qualquer regra que fosse. Aliás, duvidava até que ela soubesse dar um tapa em alguém.


Seu sorriso continuou estampado no rosto, mesmo quando a menina voou para cima dela, usando as unhas como garra para arranhá-la. Lola apenas segurou os braços de Lara e a empurrou para longe. Lara, entretanto, não desistiu. Correu de volta até Lola, puxando o cabelo da rival com força. Maria de Lourdes sentiu uma dor imensa no local onde suas tranças eram puxadas para baixo e mal conseguia ouvir os gritos de Juno, implorando para que elas parassem.


— Ah, agora você me provocou! - Disse Lola, quando conseguiu tirar as mãos de Lara de seu cabelo.


Ela se jogou contra a colega. Lara tentou arranhá-la e puxar suas tranças novamente, contudo, Lola era esperta e segurou com força os punhos da rival. Ela começou a se debater entre as mãos de Lola, tentando se soltar. Começou a chutar as pernas de Lola, na tentativa de libertar-se. Maria de Lourdes era mais forte e a derrubou no chão. Sentou sobre o corpo dela e segurou seus braços com uma das mãos. Com a outra, deu um tapa forte na face de Lara.


A pele clara e alva da menina ficou marcada de vermelho, no formato de uma mão. Vendo aquela cor, Lola sentiu que sua raiva estava esvaindo-se. A sensação, porém, durou apenas alguns minutos. Até que ouviu a voz de Lara novamente.


— Me solta! - Lara gritou a plenos pulmões. - Me solta, sua louca! Me solta!


— Solta ela! - Juno fez coro à nova melhor amiga.


— Socorro! - Lara continuou a gritar, repetidas vezes, mesmo que Lola não tivesse dado mais nenhum tapa nela.


— Calem a boca!


O grito rouco e grosso veio de maneira inesperada e não fora produzido por Lola. Era uma voz conhecida, ainda assim nenhum pouco fácil de identificar naquele timbre. Impunha respeito e autoridade, e fez com que as três meninas ficassem paralisadas. Juno e Lara pararam de gritar imediatamente.


— Muito bem. Agora solte ela.


Mesmo sem olhar para ver quem falava, Lola soltou, bem devagar, os braços de Lara. Em seguida, saiu de cima da garota. Limpou os joelhos da calça jeans e olhou para cima. Encontrou, com uma expressão nada amigável, o professor de Literatura.


— Você. - Ele apontou para Juno. - Já pra sala.


Juno assentiu sem dizer palavra alguma e subiu os degraus da escada correndo.


— Você e você. - Apontou para Lara e Lola. - Venham comigo.


Lara, que ainda estava deitada no chão, tratou de levantar-se o mais rápido que pôde. Em silêncio, as duas seguiram o professor pelo corredor que, sabiam, levaria à sala da diretora do colégio. Maria de Lourdes já estivera lá algumas vezes, por quebrar algumas regras, mas nada tão grave quanto agredir fisicamente uma colega. Já Lara, nunca havia entrado naquela sala. Era a aluna exemplar, sem uma única queixa de nenhum professor ou funcionário do colégio contra ela.


A experiência das duas, naquele momento, não importava. Apesar de aparentar certa confiança no andar, Lola estava tão apavorada por dentro quanto Lara. Contudo, enquanto o medo de Lara era manchar o histórico escolar com alguma advertência ou suspensão, Lola temia era ser expulsa.


— Não podemos resolver isso apenas entre nós, professor? - Lara perguntou, com um fiapo de voz.


O professor parou no meio do caminho. Olhou para as duas e recomeçou a andar, ainda com a expressão fechada.


— Acho que isso foi um não - Lola sussurrou para Lara, em tom cantarolado


— Pelo menos eu tentei - Lara respondeu, o mais baixo que conseguiu.


O silêncio voltou a reinar no trio, até que o professor estacou pela segunda vez. Parou diante de uma porta, na qual uma placa escrita "Diretoria" estava pregada. O professor Marcos pediu às duas meninas que ficassem ali e entrou por uma porta de vidro. Ele voltou segundos depois e mal apontou na frente das meninas, a porta da sala da diretora se abriu.


— Posso conversar com a senhora por um momento? - Marcos perguntou à diretora e nem esperou a mulher dar uma resposta para contar que pegara as duas brigando aos pés da escada.


A diretora apenas arqueou a sobrancelha e pediu às duas que entrassem em sua sala. Agradeceu ao professor e fechou a porta de madeira. Apontou duas cadeiras de couro, para que as meninas sentassem. Em seguida, ela própria sentou em sua poltrona. Aproximou-se da mesa, pôs os dois cotovelos ali em cima e entrelaçou as mãos. Olhou para o rosto de cada uma das duas antes de se pronunciar.


— Então... - começou. - Quem vai começar a me contar o que aconteceu lá fora?


As duas entreolharam-se. Existia um pacto silencioso entre todos os estudantes do colégio. Se algum dia algum deles fosse parar na diretoria por algo que tinham aprontado, negariam o delito até a morte e jamais dedurariam um ao outro. Foi por lembrar-se disso que Lola olhou de canto para Lara. A menina a olhou de volta, com uma piscadela, e Lola começou a respirar aliviada. Todavia, sua comemoração foi rápida demais.


— A Maria de Lourdes começou a me bater! - Lara não pensou duas vezes em quebrar o acordo de lealdade, atirando a acusação contra Lola.


— Epa! - Lola gritou, preparada para se defender. Já que Lara havia começado, ela iria terminar. - Não foi bem assim que aconteceu. Você que puxou meu cabelo e me chutou! Eu só estava me defendendo.


— Mentira! Olha a marca que ela deixou no meu rosto - Lara retrucou, virando o rosto para que a diretora visse a marca dos cinco dedos de Lola.


A diretora assentiu e fechou os olhos, prevendo que aquela seria uma longa conversa.


— Tudo bem. Uma de cada vez - ela disse. - Começando por Lara. Quero a história inteira.


— Essa louca, diretora, ela avançou em cima de mim. Sem mais, nem menos. Só porque eu disse que não aprovava o namoro dela com o Felipe, um colega nosso. Ela segurou meus pulsos, se quiser, mostro até as marcas, e depois ela me jogou no chão e me deu esse tapa. Ela é louca, merece ser expulsa da escola - Lara disse tudo de uma só vez, com uma voz frágil. Só faltou fingir chorar para parecer ainda mais uma vítima. A diretora apenas assentiu e apontou a cabeça para Lola:


— Maria de Lourdes, sua vez.


— Não foi nada disso, diretora. Ela distorceu a história toda... - Lara fez uma expressão ofendida e Lola continuou: - Eu estava conversando com Juno quando Lara chegou dizendo que ia me bater porque não queria que eu namorasse Felipe. Eu só me defendi, porque nunca que eu ia aceitar alguém querendo mandar na minha vida. Ela veio me arranhando e eu segurei os braços dela, depois ela puxou meu cabelo e começou a me chutar e eu tive que imobilizá-la.


— Tudo mentira, diretora! - Lara gritou.


— Calada! - A diretora a olhou com severidade e voltou a atenção para Lola. - E você bateu nela, Maria de Lourdes?


Lola mordeu os lábios. Não sabia se mentia ou dizia a verdade. Escolheu a segunda opção.


— Sim.


— Muito bem. - Disse a diretora, batendo as mãos uma na outra.


— Não está acreditando no que ela disse, está? - Perguntou Lara, alarmada.


— Olha, Lara - começou a diretora -, você é uma das melhores alunas do colégio. Não tem sequer uma anotação no seu histórico escolar. Não tenho motivos para duvidar de nada do que você venha a dizer e estou surpresa que esteja metida nisso. Já você, Maria de Lourdes, passou os últimos anos fazendo visitas constantes à minha sala e já possui advertências e suspensões suficientes para ser expulsa. Apesar de tudo, você nunca mentiu para mim quanto ao que fazia. - A mulher suspirou e colocou os braços no colo. - Infelizmente, eu não sei em quem acreditar. O que eu sei é que houve uma briga e que o professor Marcos Álvarez presenciou o fim dela. E brigas, em meu colégio, são passíveis de punição, ainda mais quando as histórias dos envolvidos são muito diferentes.


— Punição? - A voz de Lara ficou uma oitava mais alta.


— Sim.


— Que tipo de punição? - Lola perguntou, já imaginando o que viria.


— Suspensão - a diretora falou. - Apenas um dia, porque danos maiores não foram causados. De qualquer forma, eu terei de ligar para os pais das duas e avisar do ocorrido.


— Sem problemas. - Maria de Lourdes já estava acostumada com suspensões, e um dia era um tempo curto demais para prejudicá-la. - Estamos dispensadas?


A diretora assentiu e ela levantou-se. Lara olhou com ódio para a colega e a seguiu. Lola pensou em pedir desculpas pelo tapa, porém a garota acelerou o passo para buscar o material na sala de aula e não a deixou se pronunciar. Lola deu de ombros e continuou andando calmamente em direção a classe.


Pediu licença ao professor, entrou e arrumou a mochila. Viu os olhares dos outros colegas sobre ela e ouviu a pergunta de Luan sobre o que havia acontecido. Desenhou com os lábios a palavra "suspensão" e saiu da sala. Não deu explicações a mais ninguém. Apostava que logo deduziriam o que acontecera, ou especulariam até alguém chegar a essa hipótese. Só sabia que não iria ficar ali para ver.


Ela desceu as escadas num ritmo acelerado. Como a diretora havia ligado para sua mãe, teria que esperar ela chegar à escola para ir embora. Era sempre assim quando levava uma suspensão. A mãe tinha que ir lá, a diretora ia conversar com ela e só aí o aluno era liberado. Não sabia o motivo daquilo. Em escolas normais, quando os pais eram chamados, o horário era agendado. Infelizmente, sua escola não era normal, não mesmo.


Lola caminhou até o pátio e sentou na arquibancada da quadra, com a mochila no colo. Sua mãe que a procurasse quando chegasse. Ela ficou sentada pensando na vida. Até que o toque de seu celular a tirou de seus devaneios. Na tela: número privado. Ela nem hesitou. Apenas atendeu. Deveria ser a mesma pessoa de antes.


— Alô? - Ela disse, mas só ouviu silêncio. - Alô? Quem é? Alô?


— Lou? - Ela ouviu uma voz masculina, estranhamente conhecida, e, em seguida, o silêncio novamente.


Lola olhou para a tela do celular. A pessoa havia desligado. No entanto, Lola sabia de quem era aquela voz. Desde que se conhecia por gente, havia apenas uma pessoa que a chamava por aquele apelido. Apenas uma. Porém, não havia absolutamente nenhuma razão para Eric ligar para ela de um número privado.


Lola começou a pensar no que o estava levando a ter aquela atitude. Ficou tão perdida em seus pensamentos que nem viu que alguém havia se aproximado e sentado ao seu lado.


O homem precisou pigarrear duas vezes para que a estudante notasse sua presença ali.


— Ah, oi, professor Marcos - ela cumprimentou-o, distraída, e bloqueou o celular.


— Posso conversar um pouco com você? - O professor perguntou, gentilmente.


— Claro - Lola respondeu sem graça. Nunca havia conversado com um professor antes, pelo menos não de verdade, como fazia com seus amigos.


— Eu tomei a liberdade de perguntar a diretora o que havia acontecido entre você e Lara - ele começou e, quando viu o suspiro de Lola, procurou não se estender. - Ela não falou muita coisa. Apenas disse que foi por causa do colega de vocês, o Felipe.


— Basicamente, foi por causa dele - ela despejou logo.


Marcos assentiu e então inclinou-se para frente, exatamente como a diretora fizera em sua sala.


— Não é por nada não, só que você não faz muito o estilo de quem briga por causa de garotos.


— E eu não brigo - ela falou rapidamente, sem muita confiança. - É a coisa mais idiota que tem para se fazer. Quer dizer, garotas são levadas a acreditar que são inimigas a vida inteira, esse tipo de atitude só reforça isso.


— Então, Lola - Marcos olhou para a aluna, sem nenhum sinal de julgamento em seu rosto -, o que realmente aconteceu?


Lola abaixou a cabeça, pensando se contava ou não. Decidiu que não importava. Não era nada demais.


— Juno acha que sou uma péssima influência para Felipe e pediu que eu me afastasse dele. Acontece que eu não me afasto dos meus amigos e nós discutimos mais uma vez por causa disso, hoje. Lara entrou de gaiata na história e deu no que deu - ela explicou, mentindo sobre a verdadeira relação que tinha com Felipe, como estava fazendo há algum tempo. - Basicamente, foi isso o que aconteceu.


— Basicamente - o professor repetiu.


A quadra ficou em profundo silêncio. Marcos parecia pensar sobre a situação e Lola esperava que ele dissesse alguma coisa. Como o professor não fez menção de continuar a conversa, ela decidiu perguntar algo que a estava incomodando. Algo que não poderia perguntar a ninguém, porque Luan negaria e seus outros colegas confirmariam. Recorrer a um adulto não era uma boa opção, porque ela não confiava em nenhum adulto. Contudo, Marcos estava sendo um cara legal, mesmo que intrometido, então ela decidiu dar a ele um voto de confiança.


— Professor... - Ela o chamou e quando ele respondeu, continuou: - O senhor acha... O senhor acha que eu sou uma má influência?


Marcos levou um tempo para responder e, quando o fez, estava com um sorriso no rosto.


— Lola, você é a pior aluna desse colégio. Tem um histórico gigante de advertências e suspensões e me admira que ainda não tenha sido expulsa. Você já aprontou tanto que a escola teve de criar novas regras por sua causa e não há um único professor que não tenha tido vontade de te reprovar, mas eles nunca puderam nem te colocar na recuperação porque suas notas são ótimas. Rolam boatos horríveis e cruéis sobre você, e eu desconfio seriamente de que todos eles sejam verdadeiros. Você sempre chega atrasada na segunda-feira, com uma expressão cansada, de quem passou o final de semana numa festa boa demais para professores. Sua mãe nunca aparece nas reuniões de pais e ninguém nunca ouviu falar de seu pai. - Quando ele terminou de falar, Lola estava com a cabeça abaixada. Marcos continuava com o mesmo sorriso. - Olhando por um lado, você não apenas é uma má influência. Você é a pior das influências que existe. Porém, se existe uma coisa sobre você que ninguém, apesar de tudo, nunca ousou discordar é sobre seu caráter. Todos os professores sabem que suas notas altas se devem ao seu esforço, porque sabemos que você é honesta demais para colar. Ninguém nunca lhe acusa de nada, porque quando você é a responsável, você mesma admite - exceto quando alguém mais está envolvido, porque aí você nega tudo. Aliás, você tem um senso de lealdade incrível. E eu acho que lealdade e honestidade não são coisas que se acham em qualquer lugar.


— Então eu sou uma boa influência? - Ela perguntou, um pouco esperançosa.


— Eu não disse isso. - Marcos acabou com as esperanças falsas dela. - Na verdade, Maria de Lourdes - era a primeira vez que ele usava o nome dela, e não seu apelido, durante a conversa -, eu acho que você é como um diamante bruto. Bonito e encantador, mas não vale muita coisa até que seja lapidado. Você é assim, precisa ser lapidada. Como todo jovem precisa ser. A diferença é que você exige mais trabalho do joalheiro.


Lola assentiu, mas achou que o professor Marcos só queria dar mais uma lição de moral nela. Levantou da arquibancada dizendo que iria procurar a mãe e saiu da quadra correndo. Não queria ser lapidada. Muito menos pelo professor de literatura metido a filósofo.


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