Ovelhas Negras escrita por Bianca Vivas


Capítulo 13
É tudo mentira




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Maria de Lourdes

O estômago da menina roncava. Já passava e muito do meio-dia e ela ainda não havia almoçado. Contudo, estava proibida de reclamar, sob pena de sua situação acabar piorando. Por isso, Maria de Lourdes permanecia calada, sentada no sofá duro da sala, ouvindo a voz irritante de sua mãe. Catarina falava gritando e sem parar, como se as palavras fossem mudar algo.

Lola já havia passado por aquela situação milhares de vezes. Sempre que era suspensa, Catarina fazia o mesmo discurso. A filha fingia que estava escutando e que iria melhorar, quando, na verdade, mal via a hora de ficar sozinha com seu fone de ouvido e sua música que ninguém mais ouvia.

No momento em que a mãe calou a boca, Maria de Lourdes agradeceu aos céus. A ausência daqueles gritos estridentes e perguntas retóricas era maravilhosa. Poder ouvir seus pensamentos sem a interferência de uma bronca chata era uma dádiva.

— Posso ir? — Lola perguntou, como se não tivesse prestado atenção em nada do que a mãe falara, o que realmente havia acontecido.

Catarina abanou a mão em um claro gesto de permissão. Maria de Lourdes pulou do sofá e correu à cozinha. Abriu o armário, tirou alguns biscoitos e salgadinhos de lá, colocou-os dentro da mochila do colégio e, em seguida, abriu a geladeira. Tirou duas latinhas de energético e três de Coca-Cola. Quando estava prestes a entrar no quarto, sua mãe a parou com um grito.

— Aonde pensa que vai com essa comida toda? — ela perguntou, com as mãos na cintura, feito uma ditadora.

— Paro o meu quarto?

— Acho bom. — Catarina parecia ter concluído o pensamento, quando voltou atrás e disse algo mais: — Lembre que está de castigo. Uma semana sem sair de casa.

Lola, que já estava com a mão na maçaneta da porta, prestes a abri-la, estacou. Virou o corpo de frente para a mãe. Não podia acreditar no que estava ouvindo. Tentar restringir horários, cobrar o tempo inteiro, tudo bem. Estava acostumada com isso, mas sua mãe nunca — NUNCA — havia lhe colocado de castigo. Pelo menos não desde que se lembrava.

— Como é? — Lola perguntou, ainda sem acreditar.

— Você ouviu muito bem. — Foi tudo o que Catarina disse, antes de dar as costas à filha e rumar para o próprio quarto.

A menina ainda ficou um tempo parada, com a mão na maçaneta. Não estava acreditando naquilo. De castigo! Era tão surreal que ela começou a rir histericamente. Como era possível? Castigo aos dezessete anos. Só podia ser piada! Lola entrou no quarto e deixou a porta bater atrás de si, com força, ainda rindo da atitude da mãe.

Dentro do quarto, a menina abriu um pacote de salgadinho e o refrigerante. Conectou os fones de ouvido no CD player e colocou uma das bandas que mais escutava para tocar. Logo estava ouvindo a voz da Taylor Momsen cantar os primeiros versos de "Make me Wanna Die". Alteou o volume e isolou-se dentro da própria mente, procurando uma forma de fugir da prisão em que acabara de ser colocada.

Estava tão concentrada que quase não viu as mensagens que Luan e Felipe lhe mandavam. Ela respondeu aos dois, explicando da maneira mais breve possível o que ocorrera. Aproveitou para avisar que estava de castigo e não poderia sair de casa durante uma semana. Para Luan, entretanto, ela disse algo a mais. Pediu ajuda. Uma forma de escapar dali. Queria contar a ele, pessoalmente, sobre a ligação estranha de Eric.

O menino, sempre tão eficiente quando se tratava de burlar regras e ser rebelde, logo lhe respondeu com um variado cardápio de ideias. Lola analisou as opções e decidiu o que queria. Tratou então de tomar banho, se arrumar e bater no quarto da mãe. Como ela não respondia, a menina abriu a porta com tudo, o que fez com que Catarina levantasse a cabeça do travesseiro.

— O que você quer? — Ela perguntou, deitando novamente.

— Eu tenho um trabalho da escola para fazer hoje à tarde. Em grupo. — Lola deixou bem claro logo, para que a mãe não a impedisse de sair.

— Você está de castigo — disse Catarina categoricamente. — Sem sair de casa.

— Mas é um trabalho. Vale nota — ela retrucou.

Catarina murmurou algumas palavras inaudíveis. Maria de Lourdes achou que não conseguiria enganar a mãe, até que a mulher finalmente disse:

— Faça o que quiser. Só feche a porta.

Catarina voltou a dormir. Lola puxou a porta do quarto, deixando o cômodo gelado para trás. Pegou a mochila do colégio — para caso a mãe entrasse em seu quarto — e saiu. Como não tinha exatamente para onde ir, decidiu que seu destino seria a casa de Luan. Apesar de terem algumas brigas e várias divergências, ele era um bom refúgio.

Como sua cidade era relativamente pequena, tudo era relativamente perto. Então ela decidiu que não valia a pena gastar dinheiro com táxi ou pedir a Luan para buscá-la. Podia muito bem ir andando. Já havia ido à casa de Luan antes e, mesmo que não se lembrasse com exatidão, conhecia o caminho, mais ou menos.

Desceu as escadas e trancou o portão. Sabia que Luan morava no fim da extensa Avenida das Palmeiras. Na pior das hipóteses, ela seguiria reto até o fim da avenida, tentando encontrar a casa correta. Porém, nada disso seria necessário. Sua memória, por vezes, a surpreendia e aquela foi uma dessas vezes.

Dentro de pouco menos de meia hora, Maria de Lourdes chegava numa casa — ou talvez a palavra certa fosse "mansão" — toda de pedra, com um grande portão de ferro guardando a entrada. Parecia mais um daqueles casarões antigos abandonados do que a casa de um adolescente tão descolado quanto Luan.

O carro que ele havia usado para buscá-la na casa de Felipe estava na garagem. Havia ainda uma vaga vazia. Lola se perguntou quem mais morava ali, além de Luan e da avó, até se dar conta de que o menino nunca mencionara os pais. Talvez tivessem dois carros na garagem. Ela deu de ombros e procurou pelo interfone. Uma moça atendeu e logo em seguida um homem de meia idade veio, segurando um molho de chaves velhas, abrir o portão para a menina entrar.

Ele a deixou bem à vontade para explorar o lugar. Maria de Lourdes tentou lembrar o percurso que fizera na noite em que estivera ali, entretanto, longe do efeito do álcool, a casa era confusa, para dizer o mínimo. Num golpe de sorte, atravessou a parte externa e entrou num pequeno bar. Deu de cara com uma senhora de cabelos grisalhos bebendo uísque. Pelo porte da mulher, Lola apostava que era a avó de Luan.

— Com licença — Lola pigarreou, para chamar a atenção da velha.

Ela se virou e revelou um rosto que, muito provavelmente, havia sido muito belo algum dia. Todavia, acabado pela velhice, o único sinal de beleza que permanecera havia sido os olhos. Profundos como o mar, fitavam Lola numa intensidade que estava deixando a menina assustada.

— Eu sou...

— Maria de Lourdes — a velha a interrompeu e, repousando o copo de uísque na mesa do bar, completou: — Eu sei. Luan já me falou de você.

— Falou? — Perguntou a menina, surpresa.

— Você é cara da sua mãe, mas o gênio é todinho do seu pai — a velha disse de repente, sem responder à pergunta de Lola.

A menina ia perguntar como ela sabia aquilo. Aliás, ia perguntar de onde aquela velha conhecia seu pai, uma vez que nem ela mesma o conhecia. Contudo, a avó de Luan levantou da cadeira em que estava sentada, deu as costas para Lola e saiu andando.

— Luan está no quarto dele, venha comigo.

Lola prontamente seguiu a mulher, sem dizer palavra. Nem ousou dizer que poderia achar o quarto sozinha, já que estivera ali antes. Tinha certeza de que a mulher não iria gostar de saber que gente desconhecida saiu andando pela sua casa enquanto ela dormia. Melhor não.

As duas passaram por uma sala gigante, em formato redondo, que possuía uma escada levando a um espaço mais alto. Lá em cima, além de uma decoração clássica, encontrava-se um piano de cauda negro. Seguiram, então, por um longo corredor e desembocaram numa outra sala — esta tinha uma grande TV, vídeo games, DVD's... — onde a velha parou.

— Espere aqui — ordenou e sumiu numa esquina da sala.

Segundos depois, voltou. Atrás dela, um rapaz alto e sem camisa. Seus cabelos estavam bagunçados e o rosto estava amassado, com uma grande marca vermelha manchando a face esquerda. Ele ainda coçava, preguiçosamente, um dos olhos quando se deu conta da presença de Lola ali, parada, completamente tímida, esperando por ele.

— Olha ela! E aí, Lolita? — Ele a envolveu num abraço que a tirou do chão. — Espero que a vovó não tenha te assustado.

— Claro que assustei — disse a velha, prontamente. — Quando uma mulher da minha idade não assustar mais jovens meninas, significa que ela não pode mais cuidar de si mesma. — Ela riu sozinha e Maria de Lourdes deu um sorriso fraco para a senhora.

— Vovó — chamou Luan, cortando qualquer conversa que pudesse acontecer —, eu e Lola estaremos no meu quarto, se precisar da gente, é só chamar.

Nem esperou a avó responder e puxou Lola para o próprio quarto. Ela, em silêncio, agradeceu pela atitude do rapaz. A avó dele, cujo nome ainda não descobrira, a assustava. Além do mais, queria conversar coisas com Luan que não sabia se eram ou não apropriadas para uma mulher na casa dos setenta escutar.

Ela entrou apressada. Mal ouviu a porta bater atrás de si, porque estava vidrada, observando a decoração do quarto. Era tudo, menos o que ela esperava. Quando pensava em Luan, imaginava quartos sujos ou luxuosos. Contudo, o quarto do seu novo melhor amigo era a expressão da juventude, criatividade e do que ela chamava de cool. Como não havia notado aquilo da última vez que esteve ali?

O espaço de Luan tinha uma parede dedicada aos Beatles — e ela nem sabia que ele gostava dos Beatles. Outra parede tinha os tijolos expostos, apesar de ela saber que era apenas pintura. Fora isso, havia uma guitarra colorida e um telescópio disputando espaço com o sofá, a televisão e a mesa do computador. Era impossível não ficar impressionada.

— Que foi? — Perguntou Luan, quando percebeu que Lola continuava parada no mesmo lugar, sem dizer uma única palavra.

— Nada... é só que... uau! — Ela disse, ainda admirada.

Luan riu.

— Nunca pensou que eu teria um quarto desses, né? — Ele estendeu os braços, mostrando o lugar.

— Não. — Ela sorriu, sendo sincera. Em seguida, correu para o telescópio. Nunca havia visto um de perto e, mesmo que não tivesse interesse em Astronomia, ele ainda era fascinante.

Luan apenas observava a garota percorrer os dedos pelo comprimento do objeto. Ela tocava nele completamente encantada.

— Aposto que seu namoradinho não tem um desses... — Luan soltou a piada sem nem perceber.

Maria de Lourdes parou a mão exatamente onde estava. Sentiu a coluna ficar ereta subitamente e o sorriso desaparecer de seu rosto. Olhou para Luan e ele percebeu que não deveria ter dito aquilo.

— Sinto muito — ele falou, indo até ela. — Foi apenas uma brincadeira.

— Não. Você não sente. — Ela se afastou dele e começou a falar num tom de voz muito severo e raivoso. — Você nunca sente. Você apenas faz piadas da minha vida e de com quem saio. Sem. Minha. Permissão. — Lola agora já gritava e Luan não entendia a reação exagerada da garota. — Você vive agindo feito um perfeito babaca e isso. Não. É. Legal. Você realmente não consegue respeitar minha vida e minhas escolhas. Que merda! A vida é minha e eu faço o que quiser com ela!

Ela saiu do quarto pisando fundo e batendo a porta. Passou toda apressada pelos cômodos, com a expressão fechada. A avó de Luan ficou sem saber o que fazer quando viu a garota tão agitada e acabou deixando-a ir. Porém, Luan não fez o mesmo. Ele correu atrás de Lola e conseguiu alcançá-la quando ela já estava perto do grande portão.

— Lola, espere! — Ele gritou.

— O que é? — Ela se virou, irritada.

— Me desculpe. Sério. Eu não sabia que você ficaria tão chateada. Então... — Ele segurou a mão dela. Ela continuou olhando para ele, esperando que Luan continuasse a falar, com um misto de raiva e curiosidade. — Então... eu prometo que não vou mais zoar vocês dois, mesmo achando que vocês formam o pior casal do milênio.

— Isso é bom. — Ela sorriu cheia de ironia. — Principalmente porque nós não formamos um casal.

— Vocês terminaram? — Luan perguntou surpreso e se segurou para não rir.

— Nós nunca começamos. O namoro é falso. — Ela esclareceu, rindo. Em seguida, voltou a ficar séria. — Mesmo assim, eu não gosto dessas piadas. Não gosto desse jeito babaca, para dizer o mínimo, com o qual você vem agindo.

— Bem — Luan começou —, eu prometi que vou parar com isso e irei. Mas, antes, tem algo que precisamos fazer.

Com um sorriso misterioso, Luan entrou correndo dentro de casa. Voltou com uma chave de carro numa mão e uma sacola cheia de bebidas na outra.

— Precisamos comemorar.

— Comemorar o quê?

— O fato de você ainda ser a pessoa mais legal que eu conheci desde que cheguei aqui — ele respondeu, já ligando o carro. — Vamos!

Lola entrou no carro, animada com a possibilidade de uma pequena farra no meio da semana. Nem se lembrou de que estava de castigo, nem da suspensão e até a ligação estranha de Eric havia saído de sua mente. Eles saíram da garagem rumo à diversão. 

 


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