O que Blair Waldorf faria? escrita por Rafaela


Capítulo 2
Ford Cortina? - Capítulo II




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Meus pais e eu fizemos uma chamada de vídeo durante toda a minha bela noite de sono, fizeram um interrogatório sobre o meu primeiro dia. Mas foi merecido, eu contei sobre tudo.

Depois que as aulas acabaram, eu, Sarah e Florence seguimos em direção ao Central Park – fiquei morta de dor no pé. Tomamos café sentadas num banco, conversando sobre nós mesmas. Quando eu cheguei em ‘casa’, menti para minha host–mom que passei todo resto da tarde estudando biologia na biblioteca da escola. Durante o jantar, passamos conversando sobre os nossos dias e aumentando meu vocabulário demasiadamente pequeno.

Na manhã do dia seguinte, Emma decidiu ir comigo até minha escola e pegar um táxi para sua. Provavelmente estava matando aula, mas ignorei o fato. No caminho, ela começou a dizer o nome dos moradores de cada casa e coisas que podia encontrar em cada loja, estava sendo surpreendida cada vez mais pela minha nova cidade.

– Acho que eu fico aqui – disse para Emma, segurando minhas mochilas de camurça a minha frente.

– Espere! – berrou, enquanto, eu caminhava. – Aqueles são Brooklyn e Florence Stark? O que ela está fazendo aqui?

– Não sei – Ela agarrou meu braço e me carregou até os portões. Florence estava estonteante, era um vestido liso branco, maquiagem leve e seu sorriso amável, Brooklyn usava uma calça cáqui bege e uma blusa branca lisa, adorável.

– Não sabia que você conhecia Emma Loveless – brincou Florence toda sorridente depois de nos cumprimentar.

– Pois é.

Pelo visto, o irmão gatão não deu muita bola para ela. Até eu daria – se fosse lésbica, claro –, ela era tão elegante e tinha olhos castanhos claros lindos. Ele apenas nos abraçou e só observou as duas garotas conversando, naquele momento, eu já havia me desligado do inglês havia muito tempo.

– Alguém me ajude!

– Como posso te ajudar, moça?

– Estou perdida – respondi.

– Que eu saiba você não está.

– Estou perdida no céu.

– No céu só se perdem aviões.

–Também se perdem garotas nos olhos daquele rapaz.

Minha imaginação fluía que era uma beleza quando olhava para Brooklyn. Não vou dizer que passei a noite toda pensando nele, pois é um pecado imoral se apaixonar por um desconhecido, mas se constar mexer no Facebook inteiro dele, estava tudo bem. Também, não estava me apaixonando, só desejando que ele falasse mais vezes comigo, e passasse mais tempo, e a gente se beijasse e saísse por aí de mãos dadas. Que nojo, Clarice, parece uma criança de dez anos!

Voltando para a realidade, eu já estava na classe e assistindo aulas de cálculo ao lado de minha nova amiga Florence. Ela era boa com triângulos, ângulos, mas era boa mesmo em conquistar olhares de rapazes. Quando estava ao lado dela, começava a me sentir como uma patinha feia que usava Uggs e vinha descabelada para a escola. Acho que a culpa era dos olhos azuis e cabelos ruivo, ou por que beleza era de família.

– Alguém pode me ajudar a resolver esse problema? – Não me julgue, mas foi isso que entendi. A professora disse mais milhares de coisas, mas eu não entendi nada. Então, essa era eu na aula de biologia no Brasil, o problema é que eu não entendo nada vezes dois.

– Você fatora, depois, eleva a quarta e faz o sistema – Florence respondeu.

– Muito bem, Florence!

Eu sorri, o sinal já havia batido. Joguei todo o meu material na bolsa e coloquei nas costas.

– Você pode ir para a minha casa hoje? – ela me convidou.

– Espere, vou pedir a minha host–mom.

Tiaaaaa! Posso ir na casa da Florence Stark?

4:05 PM

claaaricedlbna

Tudo bem! Te quero em casa às sete para o jantar.

4:06 PM

Lici_lovlss

– Tudo bem, ela deixou – respondi sorridente. – Agora, só precisamos pegar um táxi.

– Normalmente, eu vou embora de carro com o meu irmão.

Ele tinha um carro? Ai. Meu. Deus! Eu tentei não fazer cara nenhuma quando ela disse isso, fingi não estar nem aí para o carro dele. Estava imaginando uma Mercedes conversível, ou qualquer carro conversível. O problema era que eu estava me imaginando em um filme e ele não era nenhum ator que faria o papel de bom moço, ele nem iria fazer nenhuma questão de eu estar lá ou não.

Quando chegamos ao estacionamento do colégio, eu dei de cara com um Ford Cortina. Meu coração não sentia nenhuma palpitação forte, nem borboletas. Ele era um rapaz normal, estava imaginando coisas demais. Nunca fui assim, queria entender porque estava agindo assim – internamente. Os ares de NY estavam me fazendo mal, sempre fui apaixonada por me apaixonar, aqui parecia errado.

– Let me be your Ford Cortina, and I’ll never rust[1] – cantarolamos juntos.

– Ei, Clarice, você pode nos ensinar alguma coisa de português? – implorava Florence, olhando para mim.

– O que você quiser saber.

– I’ve been listening ‘bout ‘saudades’, I like this word so much. But I don’t know what it means[2] – a voz dela saiu tão dócil, quando disse ‘saudades’ parecia uma criança aprendendo a falar.

Estava formulando minha resposta àqueles quatro olhos azuis pidões.

– It’s like “I miss you” or “I missed you”, but it sounds strongest. When I’ll come back to Brazil, I’ll have ‘saudades’ of New York.[3]

– When you’ll come back to Brazil, we’ll have ‘saudades’ of you – Sorri de leve. Florence estava sendo uma amiga tão fofa nesse um dia, já pareciam ter sido séculos de amizade.

– I’m gonna have ‘saudades’ of you too – falei, olhava meu reflexo no espelho. B sorria. – Por que está rindo? – perguntei brava, meu rosto estava corado.

– Você daria uma ótima professora de português – Florence dizia – não ligue para esse idiota.

– Exatamente, acho que você deveria dar aulas para mim.

– Você está me zoando, ou falando sério? – Curvei uma de minhas sobrancelhas.

– Sério – ele murmurou.

Comecei a olhar pela janela, enxergando a cidade dos filmes e de onde eu sabia que muitas coisas iriam acontecer. Estava apaixonada pela Quinta Avenida, apesar de não conter neve, estava me apaixonando por essa cidade como jamais havia me apaixonado por ninguém. Eu não iria comprar aquelas camisetas ridículas escritas “I Love NY”, mas eu sentia uma imensa vontade de sair com uma desfilando com uma por aí.

– Você me surpreende cada dia mais – disse em português.

– Olha lá, B, ela está dizendo que está apaixonada por você.

– Eu não disse nada disso – bufei.

– Pode admitir logo, Claire – B falou.

– Não! – disse rindo. Toda vez que eu dava risada, parecia uma porca com pneumonia, as pessoas costumavam rir mais de mim as minhas piadas. E foi isso que aconteceu.

– Aquilo é Emma? – perguntou B.

– Sim, ela mesmo – respondi.

–Pelo visto está indo para West Side – F disse.

Eles começaram a falar sobre as festas que aconteciam lá, dos gatões dando sopa e os jogos da garrafa. A princípio me pareceu tentador, mas eu preferia estar em casa vendo filmes clássicos e comendo chocolate. Queria ir para casa de F, não parar em um pub e chegar três horas da manhã em casa. Às vezes, parecia errado estar com eles, eu tinha dinheiro para o táxi, descer e não seguir para onde eles estavam indo, mas acho que deveria ficar e conquistar meu lugar ao sol, eles eram tão legais. O tal dilema de sempre. O que Blair Waldorf faria? O que Blair Waldorf faria? O que Blair Waldorf faria?

Pensando como ela, eu diria:

– Ei, estou descendo desse carro por que vocês mentiram para mim.

Mas haveria a exceção do rapaz ser Nate Archibald, então, ela diria:

– Ei, posso ficar, mas até às seis.

E se S estivesse com ela, nos melhores dias, é claro:

– Podemos estudar e deixar essa festa para outro dia.

Fiquei com a alternativa três e modificações.

– Não pode ser outro dia?

– Claro que sim! – F se entusiasmou. – Acredito que hoje não vai ter nada de mais.

– Então, o que vamos estudar? – perguntei.

– Olha, acho que não vamos estudar nada –guinchou – Você quer estudar alguma coisa, Brooklyn?

– Sim – Acenou com a cabeça, enquanto estacionava. – Português.

– Ok.

Saímos do carro, tinham garotas na escadaria do MET e apontavam para Brooklyn. Talvez não fosse a única, afinal, ele era adoravelmente chato e legal ao mesmo tempo. Elas pareciam tão bobinhas com aquelas risadinhas acanhadas, logo, viriam pedir autógrafos e pedir fotos. F segurou o braço de seu irmão como se ela fosse o seu namorado. Ainda estava concentrada nas minhas Uggs, estava tão mal vestida e esses sapatos já saíram de moda faz tempo – desde que se torna mainstream [4], está fora de moda para mim.

O prédio tinha detalhes de bronze nas escadas, a decoração era recheada de tons clássicos. Azul caía tão bem com o mogno no chão, dourado fazia a função charmosa. Quando entramos no elevador, continuava olhando para cada detalhe, os irmãos Stark estavam cantarolando alguma música qualquer que não ficava bem na voz de nenhum deles. Por um segundo, eu congelei, um homem com cara de mal estava me assustando e me pegou olhando para ele.

– Claire, é o nosso andar – F disse.

– Tudo bem – Ela segurou minhas mãos e me puxou para fora do elevador. Ela parou na frente da porta, procurava na sua bolsa as chaves do apartamento. Estava um pouco impaciente nesse dia, corrigindo, não tenho paciência para nada e estava mais impaciente que o normal.

Num piscar de olhos, estava no paraíso. Parecia um galpão, com poucos móveis e poucas paredes. Havia um enorme sofá, onde estava sentada, em tons de cinza. As paredes pareciam estar recheadas de obras plásticas ou pôsteres de futebol americana. Parecia mais um cenário de um filme a minha vida, claro, estrelado por Audrey Hepburn e James Dean. Não sabia se contemplava toda a beleza desse lugar, tirava fotos e mandava para minhas amigas, ou tentava me concentrar nas perguntas que estavam fazendo para mim sobre meu país. Queria esquecer do Brasil por um segundo e ficar apreciando a decoração minimalista.

– Você pode me responder, Clarice Alguma Coisa? – perguntou B.

– O que? – Demorei a localizar ele, estava sentado ao meu lado com um caderno na mão e um sorriso débil.

– Vamos começar?

– Sim – falei.

– Por onde?

– Substantivos?

– Fale um.

– São muitos – Sorri.

– Você não é nenhuma boa professora.

– Não sou mesmo, mas sou boa em explicações. O que quer saber?

Comecei a explicar de forma lenta e pronunciar palavras com uma lentidão fora do sério. Nunca falei tão devagar e tanto. Brooklyn Stark era burro e chato, mas tinha um cabelo legal e lindos olhos azuis. O coitado teve alguns surtos, mas aprendeu como se fala ‘cebola’ e ‘maçã’, parecia um ótimo progresso. Algumas palavras saíram com som rasgado e horrível, a culpa era do francês que estudava na escola.

Brooklyn parecia ser mais descomplicado, não ter anotações em seu caderno nem uma lista com séries de coisas a fazer, como eu faço.

– O que é isso? – perguntei. – Que letra feia!

– Minha lista, bucket list.

– O que é isso?

Bocejei.

– Estou te dando sono?

– Não – berrei.

– Então o que foi?

– Quero ir embora.

– Mas você não tem um carro, ou chaves.

E aí eu diria que ele era a tal coisa interessante que me mantinha presa neste lugar, por segundos, ele era. Mas não iria dizer coisas, como mencionar que já sentia leves palpitações na barriga e de como era o ideal para mim. Por alguns minutos, enquanto nos olhávamos nos olhos, a ficha me caiu que a culpa era dele ser o rapaz que qualquer garota quer. Só para ressaltar: eu podia pegar um táxi a qualquer hora e ir embora, mas estar ao lado dele era a melhor coisa que me vinha em mente para agora.

– Acho que já terminamos – falei.

– É – ele respondeu.

– Você pode, sei lá, me levar até a porta?

– Tudo bem.

Quando eu cheguei a minha casa, minha host–mom estava assistindo American Next Top Model, talvez uma reprise.

– Ah, você chegou – Ela sorriu.

– É – acenei com a cabeça. Tudo que eu queria agora era um belo banho e um salto em minha cama de casal só minha.

– Emma não veio com você?

– Não – falei. – Acho que está na casa de alguma amiga.

– Pensando bem, ela me disse isso mesmo.

Deixei escapar um sorriso tênue, enfiando as minhas chaves na bolsa.

– Temos lanches no congelador, o micro–ondas está a disposição.

Formulei algo para dizer nesse pequeno intervalo, a única coisa que me veio à cabeça foram os hot–dogs.

– Já comi, sem fome, sem nada – menti. – Estavam ótimos! É tão nova–iorquino.

Pulei na minha cama, não havia nenhum lugar no mundo melhor que esse meu quarto. Às vezes, eu sentia falta de tudo, mas era passageiro. Quando eu via os táxis cruzarem as janelas com irmãs e namorados aos beijos pela janela do meu quarto, não queria ir embora. Mas quando seu ‘namorado’ se trata de Brooklyn Stark, é outra história.

Por um momento, eu senti falta do meu ex–namorado. Mentira, eu sempre sinto falta do Thiago. Talvez, se estivéssemos juntos, tudo seria melhor para mim, mas ele era complicado demais. Preferimos o término – igual esse capítulo.

[1] Trecho do poema “I wanna be yours”, de John Cooper Clarke.

[2] Eu tenho escutado sobre 'saudades', eu gosto muito dessa palavra. Mas eu não sei o que isso significa.

[3] É como "Sinto sua falta" ou "Senti sua falta", mas soa mais forte. Quando eu vou voltar para o Brasil, eu vou ter 'saudades' de Nova Iorque.

[4] Algo que todos estão fazendo, usando ou ouvindo.


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