Ever Dream escrita por Christine


Capítulo 7
Capítulo 7




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"Harry?"

Silêncio. Nada se ouvia na casa, além dos ruídos baixos de gotas de chuva batendo na janela.

Simas chamou de novo. Nada. Ele suspirou e, sentindo-se um pouco deprimido, foi ver se David estava bem no berço.

Não sabia porque chamara por ele, já que ele nunca estava em casa. Sempre havia algo – aurores, comensais, Voldemort, Azkaban, fugas, feridos, mortos. Estavam numa guerra, mas Simas sabia que aquilo, de certa forma, tornara-se um escape para que não ficassem sozinhos.

Seu casamento começara com problemas, e ele sabia disso. Mas isso não tornava a angústia menos dolorosa. Ao contrário.

David estava bem, como sempre. Dormia um sono tranqüilo e completamente alheio ao mundo. Simas ajeitou suas cobertas e, enquanto saia do quarto, pensou que teria que acabar com aquela situação até mesmo para o bem de seu filho. Ele não merecia crescer naquela situação, no meio de silêncios opressivos. Divórcios não eram bem-vistos no mundo bruxo, mas pelo menos os três estariam livres; ele, David e...

"Harry?"

Ele levantou a cabeça. Simas continuou parado perto do batente da porta, surpreso.

"O que você está... quer dizer, eu chamei por você quando entrei."

"Não devo ter ouvido" – disse Harry, com um tom formal de desculpas.

Simas olhou para os lados, nervoso. Algo não estava certo.

"O que você está fazendo aqui?"

"Como assim, o que eu estou fazendo aqui?"

"É cedo para você estar em casa."

"Mas eu estou. E, até onde eu saiba, eu ainda moro aqui." - sibilou Harry sem aumentar o tom de voz, mas claramente aborrecido.

O início clássico de outra discussão entre eles.

Simas suspirou, cansado.

"Eu realmente não queria brigar com você hoje, Harry. Não hoje."

Pesado silêncio.

"Eu também não quero. Desculpe, eu..."

"Não importa." – o interrompeu Simas – "Eu preciso falar com você."

"Eu também."

"Então fale."

"Não, fale você. Na verdade, eu acho que nós dois queremos falar da mesma coisa." – comentou.

Simas respirou profundamente, sentindo cada vez mais o ar faltar nos pulmões. Harry o observava, esperando, sua ansiedade à mostra na forma como estalava os dedos.

"Eu quero o divórcio." – disse lentamente, a garganta ardendo de nervosismo e a voz anormalmente rouca.

Não havia ainda terminado de pronunciar as palavras quando sentiu um aperto no peito. Achara que aquela sensação permanente de mal-estar sumiria quando finalmente pedisse o divórcio, mas não. Ela apenas se intensificava.

"Simas, eu..." – começou Harry, a voz embargada.

"Eu sei" – cortou Simas, melancólico – "Você lamenta muito. Você sempre lamenta muito."

Harry levantou-se da cama e andou até ele, com a expressão sombria.

"Nós realmente fizemos tudo errado."

"Nós fizemos David" – o lembrou Simas, dando uma fraca tentativa de sorriso que não durou mais do que alguns segundos.

"É, isso fizemos certo. Eu quis dizer, fizemos tudo errado como um casal."

Simas deu os ombros, olhando para o outro lado.

"Eu tenho dúvidas se algum dia nós fomos um verdadeiro casal, Harry."

Harry não falou nada, mas Simas podia sentir o olhar fixo dele sobre si. Por alguma razão, aquilo o deixou perturbado.

"Harry, o que nós vamos fazer a respeito de..."

A pergunta sobre David morreu na sua garganta quando ele sentiu o aperto no seu braço – suave, mas ao mesmo tempo, forte o suficiente para fazê-lo olhar para Harry. Ele o observava com uma expressão nua em seu olhar, sem disfarces, de modo que Simas pode perceber o desespero que brilhava naqueles olhos. Foi quando ele soube.

Ele não quer.

"Não."

"Simas..."

"Não, Harry."

"Eu quero tentar de novo."

"Eu quero o divór..."

Harry puxou Simas mais para perto, cortando a tentativa de protesto ao meio. As respirações confundiam-se.

"Eu quero tentar de novo." – repetiu Harry, agora segurando Simas pelos dois braços para mantê-lo junto à si – "Eu realmente quero. Eu não gostaria de terminar dessa forma. Nós temos David e... Simas, por favor, pare de me olhar assim!"

"Eu não estou olhando você de forma nenhuma. E me solta, você está me machucando."

Harry diminuiu a força do aperto, mas não o soltou.

"Eu quero tentar de novo" – insistiu.

"Por David?"

Harry ficou pensativo durante alguns segundos antes de responder.

"Por ele também. Mas principalmente por nós."

"Harry, você está se..."

"Eu amo você. E não gostaria que acabasse assim. Simas, eu... por favor. Olha para mim."

Simas olhou. E começou a lembrar-se do que pensara nas semanas que haviam passado, desde que percebera que sequer sabia o motivo por que sua confiança em Harry estava em estado terminal, e nem por que aquela relação estava fria como se fossem dois estranhos. Ele sequer pensara em salvar o casamento; jogara-o na lata de lixo sem nem tentar consertá-lo. Muito conveniente e covarde.

Ou seria Harry imprudente demais ao tentar impedir que aquilo acabasse de uma vez?

"Nós dois erramos nisso. Mas ainda podemos salvar. Ainda pode..."

"E se não der certo?"

Harry pareceu confuso.

"Vai dar certo, Simas."

"E se não der?" – repetiu ele, encarando-o – "Vamos ter desperdiçado tempo. E energia."

"Mas pelo menos nós teríamos tentado."- respondeu Harry, sem desviar o olhar.

Simas não respondeu. Também não tentou se desvencilhar quando Harry finalmente soltou seus braços, mas para logo depois abraçá-lo suavemente, acariciando suas costas, e dizendo em voz baixa algumas coisas que Simas não ouvia realmente. Sua mente estava longe dali, lembrando das noites que passara acordado para finalmente tomar a coragem de pedir o divórcio. Agora, já era um pensamento distante, inconcebível. Ele tentaria de novo. Não arriscaria repetir os mesmos erros outra vez, as mesmas discussões, os mesmos silêncios. E, pela forma como Harry pedira, implorara, para que ele desistisse do divórcio, ele também tentaria de novo não repetir os mesmos erros.

A esperança era que ambos não ficassem apenas nas intenções.

"Falta um mês agora." – observou Ron, fascinado com os eventuais movimentos que o bebê fazia dentro da barriga de um já enfastiado Draco.

"Que bom." – comentou ele, distraído, enquanto virava a página do jornal.

Ron levantou os olhos para ver o rosto dele.

"Como assim, que bom?"

"Que bom que esse suplício já está no final." – disse Draco, suspirando dramaticamente no final da frase.

"Não é um suplício, é o nos..."

"É o nosso bebê, eu sei, eu sei." – cortou Draco, aparentemente já cansado daquela conversa – "Mas não foi você que teve enjôos, tonturas e dores, foi?"

"Não, mas..."

"Então, fim de conversa." – declarou Draco, virando outra página.

Ron ficou em silêncio por alguns instantes.

"Por que você me trata assim?"- perguntou, finalmente parecendo indignado.

Draco abaixou o jornal e encarou-o inocentemente.

"Assim como?"

"Mal, com sarcasmo e foras."

"Pensei que você já tivesse se acostumado." – comentou Draco.

"De certa forma, mas... durante a semana você reclama que quase não me vê, e quando chega domingo..."

"O quê?"

Ron sentou-se na cama, indignado.

"Você me ignora completamente!"

Draco ficou olhando para a cara aborrecida de Ron durante alguns instantes antes de cair na gargalhada.

"Isso não tem graça!" – exclamou Ron, de cara fechada.

"Não... espera..." – Draco estava tendo dificuldades para se recuperar do acesso de riso.

Ron rolou os olhos para o teto, impaciente, enquanto esperava que Draco melhorasse.

"Bem..." – começou Draco depois de algum tempo, aparentemente recuperado, se sentando – "... eu não trato você mal."

"Não, imagine."

"Não. Na verdade, eu estou cansado. Você só tem um assunto para falar no domingo: o bebê."

"E qual é o problema?" – questionou Ron, um pouco revoltado, parecendo retornar à sua fase adolescente durante alguns segundos.

"O problema é que você parece achar que eu estou carregando um ser luminoso, um novo Merlin, algo assim."

Ron parou no meio de seu ato de dar uma resposta e ficou pensativo.

"Não necessariamente."

"Como?"

"Pode ser uma nova Morgana também."

Draco jogou um travesseiro nele, mas estava rindo.

"Babaca. Você entendeu o que eu quis dizer."

"Claro que entendi"- disse Ron, rindo também – "Mas não entendi o que isso tem de ruim."

"Você já está super-protegendo esse bebê antes dele nascer. Depois, quando ele estiver com dez anos e ainda se enfiar na nossa cama com medo de bichos-papões ou algo assim, não diga que eu não..."

Ron deu uma espécie de pulo na cama e, antes que Draco tivesse tempo de fazer algo a respeito, já havia sido derrubado na cama.

"Ronald Weasley, seu..."

"Relaxa, Draco" – disse Ron, sorrindo calmamente – "Eu só queria beijar você."

"Você poderia pedir!"

"Você deixaria?"

Draco não respondeu. Tomando o silêncio como uma afirmativa, Ron avançou. E teria seguramente continuado ali o resto da noite, se, minutos depois, uma voz extremamente alta não tivesse soado pela casa.

"RONALD WEASLEY!"

Ron deu um pulo de quase um quilômetro de susto e Draco não ficou em um estado melhor. Como a voz não parava de gritar, depois de um tempo ele desistiu de se fingir de morto e foi até a sala para ver quem estava berrando na lareira.

Cinco minutos depois, quando ele voltou, Draco quase podia ver a nuvem negra de mal-humor em cima de sua cabeça enquanto ele ia até o armário pegar uma roupa.

"Quem era?"

"O idiota do Zacarias Smith."

"E queria..."

"Ferrar a minha noite de domingo."

Draco respirou fundo e tentou ser paciente.

"Como?"

"Dizendo que a Ordem decidiu invadir aquela sede de Comensais que descobrimos há um tempo, mas que precisam de mais aurores." – deixou o suéter cair e abaixou-se para pegá-lo, praguejando – "Então, me chamaram."

"E você vai?"

"Claro."

Draco respirou fundo e, de repente, sentiu o bebê pressionar os pés contra a sua barriga, claramente agitado, ao mesmo tempo que um estranho mal-estar tomava conta dele. Um pressentimento ruim.

"Com sorte, volto antes do dia raiar" – continuou Ron, terminando de colocar a roupa – "Deseje-me boa sor... Draco, você está bem?"

Ele levantou a cabeça e encarou os olhos azuis que o observavam, preocupados.

"Estou bem."

"Tem certeza?"

Draco levantou-se e foi até Ron. A parte racional da sua mente o incitava a dizer que estava tudo certo e desejar boa sorte. A emocional berrava com todas as forças para que ele dissesse para Ron não sair dali, dizer que estava mesmo passando mal para mantê-lo perto ou beijá-lo e não deixá-lo ir à lugar nenhum. Lugar nenhum.

"Sim" – confirmou ele, vencendo o impulso emocional – "Boa sorte."

Ron sorriu para ele e acariciou brevemente seu rosto antes de dar as costas e ir embora. E Draco ficou sozinho, tendo como companhia apenas seu bebê agitado e seus maus agouros. Adormecer foi difícil e, quando aconteceu, o sono foi perturbador.

Ele sonhou que havia mandado Ron para a morte.

Quando acordou repentinamente estava quase amanhecendo. Ele continuou deitado, com as mãos na barriga para tentar dissuadir o bebê de empurrar sua costela. Quando a criança acalmou-se, ele ouviu um som curiosamente bem-vindo.

Passos. Cuidadosos, mas desajeitados e barulhentos, como costumavam ser os de Ron. Fechou os olhos e esperou que ele chegasse e se deitasse na cama ao lado dele.

O que nunca aconteceu. Ao invés disso, ele sentiu uma mão sacudir o seu ombro.

"Draco!"

A voz era baixa, mas reconhecível. Draco abriu os olhos, intrigado e temeroso.

"Harry, o que você está..."

"Draco, se veste. Você precisa vir."

Ele sentou-se na cama e ligou uma luz. Harry parecia pálido.

"Mas o quê..."

"Draco, rápido."

O tom urgente da voz não deixou espaço para nenhuma discussão imediata. Aliás, a próxima vez que Draco conseguiu falar algo foi logo depois de aterrissar, um pouco enjoado, num salão barulhento que ele conhecia muito bem. Aliás, bem demais, levando-se em consideração que estivera naquele lugar no mínimo duas vezes por mês nos últimos sete meses.

"O que estamos fazendo no St. Mungus?" – conseguiu perguntar, quase balbuciando, antes que fosse obrigado a recomeçar a andar.

Harry não deu mostras de ouvir e continuou andando, fazendo com que Draco apressasse o passo. Agora entravam num local mais silencioso, em corredores e escadas no qual só se ouviam sussurros.

"O que está acontecendo?" – perguntou de novo, mas aparentemente Harry havia ficado surdo.

Foi quando ele finalmente perdeu a paciência. Adiantou-se alguns passos e conseguiu segurar o braço do outro quando ele estava prestes a virar uma esquina do corredor.

"MAS QUE MERDA É ESSA!"

"Calma, Draco."

"ALGUÉM MORREU POR ACASO PARA VOCÊ EST..."

O olhar sombrio que recebeu de volta decepou a palavra e o gelou dos pés à cabeça. O mal-estar retornou e, por um momento, a força das pernas pareceu sumir. Só não foi ao chão porque Harry, pressentindo sua reação, segurou-o pelos braços bem a tempo.

"Ron não está morto." – apressou-se ele a esclarecer – "Mas ele está aqui com machucados bem sérios."

O alívio que Draco sentiu ao ouvir a primeira sentença evaporou depois que entendeu a segunda.

"Como ele está?"

"Com muitos cortes que não cicatrizam e um ferimento fundo na cabeça."

Draco perdeu o resto de cor que ainda tinha no rosto já naturalmente pálido, e Harry perguntou-se se conseguiria acabar de dar as más notícias sem que ele desmaiasse.

"E..." – começou, cauteloso – "... os medibruxos disseram que ele deve ter batido a cabeça forte para ter um machucado aberto daquela forma e que... talvez... ele perca parte da memória recente."

Draco só ficou olhando para ele durante um tempo, em estado de choque pela absorção do significado da frase.

"Quanto tempo?" – perguntou, num fiapo de voz.

"Não sabem. Podem ser alguns meses ou vários anos."

Draco desviou o olhar do dele, desorientado.

"Quero vê-lo" – exigiu fracamente – "Agora."

"Não adianta, ele está inconsciente. E, além disso, você está mal. Está gelado" – acrescentou Harry, depois de colocar brevemente a mão na testa dele – "É melhor sentar."

"Não, eu quero..."

"Você não vai à lugar nenhum."

Draco calou-se. Era visível que, apesar de tudo, estava tentando manter um mínimo de auto-controle.

Se perguntassem à Harry porque ele, sem aviso prévio, havia abraçado Draco, seria difícil dar uma resposta concisa. Sabia que não era fruto da atração passada que havia sentido por ele, já esquecida num fundo obscuro da memória. Talvez havia sido porque ele teria sentido que Draco estava prestes a perder seu fraco ponto de equilíbrio, e percebido que os olhos cinzentos haviam começado a se encher de água. E ele sabia que deixar que as lágrimas caíssem num ombro era menos difícil do que chorar diante de um olhar fixo. Mas ele não sabia a exata razão. O mais provável é que fosse uma mistura de todos os prováveis motivos.

Mas Draco sabia porque ele havia deixado que Harry o abraçasse. Ele sentira sua pressão cair para a altura do seu pé e sabia que desabaria no chão à qualquer momento. Apoiar-se em algum lugar era necessário.

E a outra razão, mais difícil de assumir, era que ele realmente precisava de um abraço.

Naquele momento, ambos estavam com os pensamentos aturdidos demais para perceber que havia alguém vindo pelo corredor contrário.

"Harry, me desculpe, mas eu não consegui falar com..."

Eles separaram-se, mas não a tempo de evitar que o choque e a raiva se espalhassem por uma mente insegura e desconfiada.

Simas Finnigan estava ali.

A forte chuva que havia acabado de despencar sobre Londres acabou despertando Draco Malfoy, que ainda demorou alguns segundos para certificar-se que realmente havia acordado do pesadelo. Nas últimas semanas, ele tivera tantos sonhos ruins que acabara se acostumando a dormir pouco ou nada para não tê-los. Mas, naquele dia em especial, o cansaço acabara vencendo-o. E veio aquela cena novamente.

Olhou para o lado e viu que Ron estava praticamente caindo da cama no esforço de dar a ele o maior espaço possível para dormir. Pelo visto, ele havia levado à sério as recomendações para deixá-lo em paz durante o período de repouso absoluto. Sorriu enquanto tirava os cabelos ruivos despenteados sobre o rosto dele.

Pensar que Ron quase morrera por sua causa era uma culpa quase insuportável de carregar. Ele poderia tê-lo segurado de alguma forma. Sabia que, se dissesse que estava passando mal, Ron não iria a lugar nenhum até que ele afirmasse com todas as letras que estava melhor.

Ele sabia que podia ter impedido aquilo tudo se tivesse dito apenas uma frase. E não o fez.

E aquelas palavras não ditas poderiam ter um preço caro demais.

Levantou-se, e, ignorando o enjôo e a proibição de se levantar da cama, foi até o berço do bebê, que Ron havia trazido para o quarto do casal quando viu que Draco não estava muito feliz em passar a noite toda longe da criança. Pegou o bebê com todo o cuidado do mundo e voltou para a cama cuidadosamente, evitando fazer qualquer movimento brusco demais enquanto sentava.

Thomas dormia, o rosto menos vermelho do que da primeira vez que Draco colocara-o no colo, logo depois do nascimento, quando ele ainda estava sujo de sangue e berrando a plenos pulmões, como que para mostrar que estava vivo. Agora que ele estava limpo e calmo, Draco conseguia ver os traços suaves de seu rosto e perceber que ele iria ser um jovem bonito quando crescesse. Tirando o cabelo ruivo e algumas escassas sardas, herdara poucas características marcantes de Ron – o que já ajudava, já que ele não era exatamente um exemplo de beleza clássica. Os olhos eram de um azul mais claro, levemente puxado para o prateado. O resto, como o formato do nariz e a pouca espessura dos lábios, pareciam ter sido herdados da família de Draco.

Era ao mesmo tempo engraçado e trágico pensar que o último descendente dos Malfoy fosse ao mesmo tempo um Weasley, uma família infame entre os sangues-puros. Às vezes, Draco pensava no que seus pais diriam daquilo se ainda fossem vivos, e chegava a conclusão que eles provavelmente morreriam de desgosto.

Mas, curiosamente, agora ele não se sentia mais mal ao pensar naquilo. No início de seu casamento, ele freqüentemente pensava que, não conseguindo abortar aquele bebê indesejado, ele acabara destruindo o nome da sua família. Depois, com o passar do tempo, ele percebeu que o nome de sua família já estaria na lama com ou sem a criança. Mais do que isso, ele começou a compreender o que o seu orgulho e comodidade antes não permitiam: perto de algumas coisas, o sangue-puro significava pouca coisa. E agora, com um pequeno menino nos braços, ele sentia-se um assassino ao lembrar que cogitara tomar uma poção abortiva meses antes. Mesmo sendo pequeno, o bebê já tinha uma força impressionante, maior do que a magia que já estava dentro dele: a vida.

E, comparados aquilo, o puro-sangue e a honra de família não valiam praticamente nada.

Desviou os olhos do filho adormecido e olhou para Ron, que havia virado-se na cama, livrando-se do perigo de cair no chão.

Escondera coisas dele. Havia mentido e omitido fatos. Sua conduta não foi das mais éticas, mas fora a melhor escolha. Draco tinha certeza que, se tivesse inteirado seu desmemoriado esposo de todos os fatos, acabaria com um Ronald Weasley em estado catatônico pelo choque e em negação por muito tempo. Ele quisera que ele lembrasse de tudo sozinho, mas as lembranças eram tão poucas e espaçadas que Draco chegara a começar a perder a fé na sua estratégia, pelo menos até o dia em que ele e Ron haviam discutido na sala e ele percebera que o outro não lhe contava tudo o que estava lembrando. Então, tudo se basearia na paciência e na espera, mas, com o nascimento do bebê, as coisas mudavam de figura.

Sim. Ele contaria tudo no dia seguinte, mesmo correndo o risco da negação.

Isso se Ronald não lembrasse do fato ao decorrer da noite.¨

"Sai de perto de mim."

Meio adormecido, Ron abriu vagarosamente os olhos.

"Ahn?"

"Eu mandei você sair de perto de mim." – repetiu Draco, afastando um braço de Ron que estava estirado em cima de sua considerável barriga de sete meses e meio de gestação.

Ron murmurou algo em fraco protesto e fechou os olhos de novo, sem se mover. Draco bufou, impaciente, e empurrou-o para o outro lado, fazendo Ron bater a cabeça contra a madeira de uma pequena mesinha ao lado da cama.

"Ei!"

Draco aproveitou que Ron sentou-se para roubar um de seus travesseiros.

"Draco!"

"Sim?" – perguntou ele, inocentemente.

Ron olhou primeiro para o seu travesseiro debaixo das pernas de Draco, depois para a mão tamborilando na barriga, depois para o sorriso falsamente ingênuo que brincava nos lábios dele. E desistiu de discutir pelo travesseiro.

"Você não precisava ter feito isso" – murmurou baixo, voltando a deitar.

"E você não me deixou escolha" – respondeu Draco, satisfeito, enquanto ajeitava o travesseiro nas pernas.

"Você poderia ter pedido, ao invés de bater a minha cabeça."

"Eu pedi, mas você é um surdo preguiçoso e não ouviu. Ou fingiu que não ouviu" – acrescentou.

"Mas..."

"Eu posso tentar dormir?"

"...eu não entendo porque um abraço incomoda tanto você" – continuou Ron, fingindo não ouvir o outro.

Draco fechou os olhos e inclinou a cabeça, se preparando para dormir de novo.

"Não é um abraço, é que você fica completamente em cima de mim."

"Eu não fico!" – protestou Ron, indignado.

"Tanto fica que eu já perdi a conta de quantas vezes pensei em ir dormir no sofá."

"E porque não foi?"

Se o quarto estivesse iluminado, Ron teria visto um leve rubor nas faces do loiro.

"Porque é mais fácil empurrar você" – respondeu Draco rapidamente.

Ron ficou apenas olhando para ele, a cabeça apoiada numa das mãos.

"Você não gosta de carinho" – concluiu.

Draco abriu os olhos, estupefato.

"Eu não gosto das suas babações com o bebê. É diferente."

"Eu não estou falando do bebê, estou falando de você."

Silêncio.

"Eu acho que não entendi. Como assim, falando de..."

"De você mesmo." - Ron fez uma pausa, tomando coragem para dizer o que queria falar há vários meses " – "Às vezes é frieza demais para uma pessoa só."

"Deixe-me ver se entendi" – começou Draco depois de uns segundos, usando um tom arrastado detestável – "Agora, só porque eu não quero que você fique em cima de mim enquanto eu tento dormir, sou uma pessoa fria?"

"Não é isso, é que... Você não gosta que eu toque em você, e..."

"Ah, claro, eu não gosto que você toque em mim. Então esse bebê só pode ser fruto da magia negra e de puro masoquismo de minha parte."

Ron ficou calado, as orelhas vermelhas.

"Não foi isso que eu quis dizer."

"Então, continue."

"O que eu quis dizer com tocar não foi isso. É que você não gosta de abraços, beijos ou qualquer coisa assim fora da cama."

"Claro."

"Então!"

"Nós não temos necessidade disso, Ronald. Casais apaixonados e amorosos têm, mas não nós. Você ainda lembra porque nos casamos, não?"

"Lembro, mas..."

"Pois então."

"Mas as coisas não são bem assim, Draco. Você sabe que não são."

Draco levantou as sobrancelhas com um ar cético.

"Ah, não?"

"Não. Se nós não tivéssemos um mínimo de afeição um pelo outro, nós discutiríamos todo dia e eu não teria, como você diz, babações com o bebê."

"Mas nós de fato discutimos todo dia." – lembrou-o Draco.

Ron achou melhor ignorar.

"E, depois, nós não estamos casados apenas pelo bebê. Quer dizer, ele foi importante, mas..." – Ron parou, encabulado.

"Mas o quê?" – insistiu Draco, curioso.

"Você vai se acabar de rir."

"Pelo menos minha noite terá sido divertida. Mas o quê?"

"É... que... eu... sinto umas... coisas... quando estou com você."

Draco sorriu maliciosamente.

"Eu também, querido. Tenho que admitir que sua nota já se distanciou bastante de seis."

"Draco!"

"Mas é verdade."

"Não foi isso que eu quis dizer" – disse Ron, o rosto ficando da cor de seus cabelos.

"Então, foi o quê?"

"Algumas coisas. Vontade de estar sempre perto de você, apesar desse seu sarcasmo. Sei lá. Eu gosto de ficar com você. Não só da cama, mas da companhia também. Eu me sinto... feliz, satisfeito. Meio que realizado."

Ron parou de falar e aguardou a explosão de risos durante alguns instantes. Mas o que pairou no ar foi apenas um silêncio incrédulo.

"Oh, dai-me paciência, Merlim." – disse Draco, lentamente – "Acho que você se apaixonou por mim."

"É, eu desconfiava disso também."

Draco desviou o olhar do teto, tentando rir daquela situação absurdamente insólita, mas não conseguiu. Algo lhe dizia que aquele não era um assunto do qual se podia rir sarcasticamente.

"Você tem certeza disso?"

"Tenho. Até porque eu já senti isso antes."

"Foi?"

"É. Não pensei que fosse acontecer de novo depois que ela... você sabe. Mas aconteceu."

Draco encarou-o, tentando desconsiderar as batidas descontroladas do próprio coração.

"É impressão minha ou você acabou de fazer uma declaração de..."

"Bem, eu falei" – disse Ron, sorrindo, deitando bem ao lado de Draco – "Oficialmente, o protocolo diz que você deveria falar também e depois me beijar. Mas, como você mesmo disse, apenas casais apaixonados e amorosos têm necessidade desse tipo de coisa."

Draco ficou calado, ao mesmo tempo em que uma cruel batalha entre o orgulho e impulso tinha lugar em sua mente.

"E então, Draco?"

Ele olhou para o Ron e tentou não pensar no quanto aquela situação era poeticamente incorreta e absurda.

"Talvez" – começou – "eu goste um pouquinho de você. Só um pouco."

Depois de hesitar, ele deu um pequeno e constrangido beijo na testa de Ron, que teve um pequeno acesso de riso ao ver que Draco estava tão ruborizado quanto ele alguns minutos antes. Draco ficou se controlando para não rir também, pensando que talvez aquela situação não fosse tão incorreta e absurda assim, se ele apenas considerasse que o coração havia se acalmado depois daquela frase e do encabulado beijo.

Em algum grau de sua mente, talvez tudo aquilo fosse certo, afinal.

"Ron, acorda."

Ele abriu os olhos, e não se sentiu desorientado nem confuso como sempre se sentia ao acordar, como se tivesse algo muito errado naquela nova realidade que se encontrava, casado com Draco Malfoy e pai de um bebê. Mas, naquele momento, parecia que tudo estava... certo. Ajustado.

"Ron, acorda."

Ele enfim se virou para encarar o dono da voz.

"Acho bom que você levante logo" – começou Draco, mandão como o usual – "Acho que sua mãe falou que iria passar aqui logo cedo."

A limpidez com a qual os olhos azuis o encaravam começou a perturbar Draco. Num lampejo de iluminação, ele percebeu que Ron sabia.

"Por que?" – perguntou com voz rouca, falando pela primeira vez desde que acordara.

Desde que encarara Ron pela primeira vez depois que o ruivo havia perdido a memória, Draco sabia que o momento de contar toda a verdade, cedo ou tarde, iria acontecer. A única coisa que ele não esperava era que estivesse absolutamente tranqüilo quando aquilo finalmente acontecesse.

"Por que eu não podia contar." – ouviu-se falando.

"Podia. Teria poupado muita coisa."

E também, ao contrário do que esperava, Ron não estava prestes a explodir de raiva.

"Não, eu realmente não podia." – afirmou, a voz mais forte. – "Você tinha que lembrar sozinho. O que você faria se, naquele dia que você acordou, eu tivesse dito para você que o casamento não era só de convenção?"

Ron pensou por alguns segundos, e a cena que surgiu na sua mente não foi nada bonita.

"Acho que eu iria te expulsar do quarto aos berros ou algo assim."

"Exatamente" – concordou Draco – "E as coisas não iriam ser as mesmas depois."

"E agora, as coisas são as mesmas?" – perguntou Ron, de certa forma já sabendo a resposta.

"Não. Até porque você ainda não lembra de tudo. Mas há a hipótese de que um dia virá a ser. Se eu te contasse, ela não existiria."

"Entendo."

Draco sorriu aliviado e, a despeito de todo o seu enjôo, se sentiu mais leve.

"Certo. Agora, tira esse pijama."

"Eu achava que seria castrado por aquela mulher louca se chegasse perto de você com esse tipo de intenção nos próximos vinte dias, Draco" – zombou Ron – "E eu realmente quero ter a chance de dar irmãos a Thomas."

"Você entendeu o que eu quis dizer, palhaço. Se arruma logo porque daqui a pouco sua mãe estará aí."

Ron se aproximou dele e o abraçou cuidadosamente.

"Ela vai entender se eu ainda estiver de pijamas, e cuidando de você."

"Me esmagando, você quer dizer."

"Muito engraçado."

"Eu sei."

Ron encostou seus lábios gentilmente nos de Draco, e, pela primeira vez, sentiu que, apesar de parecerem à primeira vista um casal extremamente desarmonioso, no fundo, eles combinavam. E aquele casamento daria certo, com ou sem a guerra.

No berço, Thomas despertou sem chorar. Ele percebeu que a ligação dos pais havia se fortalecido, dentro de sua lógica de recém-nascido.

E, se ele não fosse tão pequeno, certamente teria sorrido.

 


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Notas finais do capítulo

Então, é isso. (ar de satisfação enquanto olha o último capítulo) Acabou. Agora é a parte da divagação.

Quando eu comecei a escrever Ever Dream, há cinco meses atrás, numa tarde quente e entediante, eu achava que só seria um surto louco ao qual ninguém daria muita atenção. Agora, com 35 reviews até o capítulo 6 (em 2006), 10 pessoas que têm a fic nos favoritos (em 2006 (2), 12 na Alert List (em 2006 (3), mais de 2000 hits(em 2006 (4) e uma tradução em espanhol, eu confesso que estou completamente abismada com a receptividade. Foi uma surpresa muito agradável, muito mesmo.

Outra coisa bastante satisfatória foi que eu, pela primeira vez, cumpri o cronograma da fic. Claro que não tudo, mas, digamos assim, 85 por cento do que planejei aconteceu. Algumas cenas eu coloquei em cima da hora, como a do Nott e do Ron no quinto capítulo, mas a grande maioria foi pensada desde o início. Outra coisa legal foi que eu fiz capítulos com tamanho razóavel, fato absolutamente inédito nas minhas fanfics.

Bem, então é isso. Obrigada a todo mundo que perdeu um tempo lendo Ever Dream, deixando reviews ou não. Vocês me fizeram uma slasher girl mais feliz

Agradecimentos à Ivinne e Nicolle Snape, que betaram essa fic.

Chris =)

Observação para o Nyah: postar continuação ou não? Aviso que podem se decepcionar. Não foi o que muitas pessoas esperavam quando postei no ff.net ;_;