Trouble. escrita por FantasyJuli
-esse tempo na casa do seu pai será muito bem para você. -dizia a minha enquanto levava minha última mala para o fundo da caminhonete prateada."Todo mundo diz isso" pensei.
-ok. -era uma das únicas palavras que eu conseguia dizer desde que a minha decidiu mandar-me para o outro lado do mundo, as outras eram praticamente "tudo bem".
Ela me olhou e abriu a boca para dizer mais alguma coisa, fechou sem dizer nada. Pela decima vez. Desde que fiquei internada no hospital por causa de uma quase overdose a minha mãe mal falava comigo e agora me quer longe. Não é de se estranhar, minha mãe é a pessoa mais centrada que conheço. Vida perfeita, emprego perfeito, casa perfeita, tudo menos uma filha perfeita e quando algo atrapalha o seu plano de perfeição é mandado para longe. Agora é a minha vez.
Andei até o meu quarto para me despedir. Tudo parecia como sempre, se não fosse pela falta de roupas no guarda-roupa e pela falta de coisas sob a minha penteadeira. O meu quarto tinha sido todo planejado desde pequena pela minha mãe, tinha papel de parede vermelho e branco e um lustre imenso no meio do quarto.
Me olhei pela última vez no meu espelho, não estava com a melhor das aparências culpa de noites sem dormir. Meus olhos pareciam mais escuros que o normal, meu cabelo estava preso em uma trança longa e meus lábios pareciam mais rosados.
Peguei a minha bolsa e coloquei o necessário nela, jaqueta, fones de ouvido, celular e um pouco de maquiagem para quando chegasse de viagem. Afinal uma viagem da Austrália até o estados unidos era realmente longa e eu queria parecer pelo menos bem quando chegasse. Não via meu pai a mais ou menos um ano e por pedido meu a minha mãe não tinha contado nada sobre a festa.
-Asthrid? -meu padrasto entrou no quarto segurando uma sacola de presente.
-Charles. -eu corri e o abracei.
Por anos Charles foi mais que um amigo do que um padrasto para mim, sempre pude lhe contar tudo e ele sempre me ouvia e me dava concelhos que a minha mãe nunca poderia me dar na vida. Com certeza era dele que sentiria falta quando chegasse nos EUA.
-eu comprei isso para você, soube que seu pai tem uma vitrola. Espero que goste. -tirei um vinil do Kansas de dentro da embalagem.
-sabe que eu amei. -voltei a abraça-lo. -eu não quero ir Charles, minha vida é aqui.
-eu sei meu bem, mas é só por um tempo. E vai ser bom ficar um pouco com o seu pai. -ele limpou as lágrimas que desciam pelo meu rosto.
-eu espero que sim.
-angel? - A Cassie entrou no meu quarto para se juntar a despedida.
A minha melhor amiga, a deixaria também. Será que a minha não via o quanto isso era ruim? Os cabelos louros dela flutuavam quando o vento invadiu o quarto. Eu com certeza não parecia ser daqui, tinha cabelos castanhos e a minha pele não era nem um pouco bronzeada mesmo que passasse os dias e as noites na praia.
-prometa que vai me ligar todos os dias e me mandar mensagens. Jura que se conhecer um gatinho vai me mandar foto? E que não vai me trocar por nenhuma vagabunda?
-sim, sim e não, não vou te trocar por nenhuma vagabunda. Você é a minha angel.
A despedida foi a parte mais difícil, mas algo me dizia que estava enganada. No caminho do aeroporto tive a chance de me despedir do mar e de alguns animais que amava, a Austrália era o meu lar e era lá onde eu queria estar. Mas as coisas mudam e a culpa delas mudarem sempre é nossa, seja essa mudança para melhor ou para pior. "todas as mudanças são para o melhor" me dizia o Charles enquanto eu chorava no hospital depois de receber a noticia que teria de deixar a minha vida por aqui.
-filha, eu te amo e só quero o melhor para você, sabe disso. -não sei não. -mas você precisa de um tempo em novos ares, foi difícil pra mim te ver no hospital por causa de drogas e bebida...
"-o que é isso? -perguntei a Cassie quando me entregou um copinho.
-é só tequila. -nós duas viramos de vez. -e um pouco de ectasy."
-você ouviu Asthrid? -a voz da minha me tirou do meu devaneio.
-ouvi. -percebi que já tínhamos chegado no aeroporto e estávamos paradas na frente dos grandes portões.
-filha você precisa falar comigo eu...
-olha mãe, eu sei que você quer o melhor para mim e blah blah blah, mas eu não ligo pra nada disso eu to cagando para o que você pensa ta certo? Agora eu vou voar para o outro lado do mundo só porque você não soube como me criar. Charles me deu mais atenção que você todos esse anos e ele nem é o meu pai. -sai do carro e bati a porta.
Depois de tirarmos as malas em silêncio a minha mãe me surpreendeu com um abraço e algumas lagrimas. Ela também não parecia tão bem, seus olhos pareciam inchados e cansados, o cabelo preso num coque desarrumado e a sua imagem perfeita estava quase destruída, quase. Minha culpa.
-eu te amo, filha. -a ouvi dizer antes que as portas se fechassem atrás de mim, de agora em diante eu estava sozinha.
...
Depois de todo aquele procedimento de chek-in eu finalmente entrei no avião, achei o meu acento e me preparei para ficar lá pelo resto da viagem. A aeromoça apareceu me oferecendo amendoins, mas eu não conseguia comer nada, culpa do nó que se formava na minha garganta. Uma senhora de cabelos grisalhos e óculos coloridos sentou-se na poltrona do meu lado e trocou poucas palavras comigo até o resto da viagem.
-vamos aterrissar, prendam os cintos. -a aeromoça tinha cabelos loiros perfeitamente presos em um coque e maquiagem perfeita.
Tirei a minha necessaire da bolsa, abri o espelho e comecei a me maquiar. Fiz um traço fino com delineador ao redor do meus olhos, um pouco de blush e rímel. Por sorte nunca precisei de muita maquiagem, minhas sobrancelhas sempre foram curvadas perfeitamente e bem preenchidas, meu rosto já era cavado naturalmente então eu fugia do contorno até porque eu não sabia como fazê-lo. Passei a mão no cabelo desfazendo a trança e deixando que as madeixas longas e encaracoladas caíssem pela minha cintura.
-está indo visitar alguém ou estudar? -perguntou a senhora do meu lado.
-fui expulsa de casa e estou indo morar com o meu pai. -disse abrindo um sorriso.
-entendi. -ela se calou e voltou a ler o seu livro.
"Senhores passageiros, estamos aterrissando. Apertem os cintos e preparem-se"
Tentei me preparar internamente repetindo "não vai ser tão ruim" como se fosse um mantra e como se isso fosse realmente adiantar alguma coisa. Não iria, eu continuava aqui, em uma poltrona de avião tentando não surtar.
...
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