Gêmeos no Divã escrita por Lady Black Swan


Capítulo 36
18° Consulta - parte 1


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capitulo do ano então... Feliz 2020 gente!!! o/



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A sala de espera da doutora Frank Lorret estava sempre quase vazia, ocupada apenas por seu assistente, Adam, e um ou outro casal no aguardo de sua vez, visto que as consultas eram realizadas por hora marcada e não por ordem de chegada, no entanto, naquele dia além do assistente estavam ali dois casais.

Havia uma clara diferença de idade entre os dois casais, o casal mais velho parecia ter se enganado quanto ao dia da consulta, e discutiam um com outro em voz baixa e irritada já há vários minutos, enquanto o “casal” mais novo, não mais do que um par de adolescentes, mexiam concentrados em seus celulares e — a menos que estivessem se falando por mensagem — ignorando-se mutuamente, estes eram a prima de Adam, Ayume, e um dos gêmeos Montenegro, mas Adam não fazia ideia de qual dos dois ou onde o outro estaria.

Ainda enquanto Adam observava, e o segundo casal seguia em sua discussão acalorada aos sussurros no fundo, o gêmeo Montenegro sorriu para o próprio celular e passou o braço sobre o ombro de Ayume puxando-a para mais perto e mostrando o celular a ela. Ayume desviou os olhos de seu próprio celular tempo suficiente para também sorrir para o celular dele e, acenando afirmativamente com a cabeça, afastou-se novamente.

Eles já estavam ali há quase dez minutos e aquele foi o máximo de interação que os dois tiveram.

Isso até, momentos mais tarde, Ayume cruzar as pernas e, sem erguer os olhos do celular, comentar em tom monótono, mas alto o bastante para ser ouvida por todos os presentes na sala:

—Não sei por que estamos aqui, é inútil.

Guardando o celular no bolso com um suspiro levemente irritado o gêmeo respondeu:

—Porque estarmos aqui significa que ainda não desistimos, nós ainda estamos tentando.

—Estarmos aqui depois de apenas três semanas de casados já diz tudo. — ela respondeu ainda sem erguer os olhos do celular, mas conseguindo chamar a atenção do outro casal com essa última fala, afinal quem a dizia era apenas uma adolescente — Nossa relação está condenada.

Adam arqueou as sobrancelhas, mas do que aqueles dois estavam falando?!

Só por um instante ele achou ter visto Ayume lançar um rápido relance a ele, e então o gêmeo segurou-a pelo pulso e a fez olhá-lo diretamente.

—Me escute Ayume. — disse muito seriamente no exato instante em que a porta do consultório da Dra. Lorret abria-se e um par de mulheres, o último casal atendido por ela, saia por ali, a essa altura Ayume e o gêmeo já tinham a completa atenção do segundo casal também que havia parado completamente de discutir para assistir àquela cena — Eu te amo e não vou desistir desse casamento! E se nosso amor não for para dar certo, eu quero voltar no tempo e dar uma tapa em mim mesmo!

A porta da sala de espera abriu-se com um baque e, para o espanto de todos, parado ali com expressão muito séria estava exatamente o mesmo adolescente que estava sentado no sofá e declarara seu amor para a garota asiática ao seu lado. O “eu” do futuro olhou a volta com expressão séria até avistar seu alvo, que o olhava chocado, e sem hesitar nem por um segundo caminhou decidido até ali e acertou-lhe uma bofetada do lado esquerdo do rosto.

Piscando o rapaz no sofá levou a mão à face atingida e olhou para a garota ao seu lado.

—Bem. — disse pausada e muito calmamente — Eu quero o divórcio.

Por longos sete segundos — que pareceram horas — ninguém disse mais nada naquela sala enquanto todos olhavam sem saber como reagir até que Frank Lorret pigarreou.

Afastando-se da porta do consultório as duas últimas pacientes deram passagem para a doutora que saiu com os braços cruzados.

—Meninos. — ela ajeitou os óculos — O que vocês estão fazendo?

—Opa. — disseram ambos os gêmeos com sorrisos desconcertados que compartilhavam com Ayume por serem pegos no flagra — E aí, doutora?

Frank Lorret suspirou balançando a cabeça e indicou o consultório às suas costas.

—Entrem, por favor. — convidou-os.

O “eu do futuro” estendeu a mão para ajudar o seu “eu do presente” a levantar e ambos a seguiram consultório adentro.

—Foi tudo ideia do Vinicius. — disse o “eu do futuro” fechando a porta atrás de ambos.

Vinicius passou o braço em volta do pescoço do irmão e o puxou para si.

—Mas que deslealdade irmão! — brincou rindo.

—Sem ressentimentos, mas vence quem acusar primeiro. — Murilo riu, tentando empurrar o irmão para livrar-se dele — E a ideia foi sua!

—Que bom que estão tão animados hoje, garotos.  — Frank Lorret comentou se sentando em sua poltrona. — E Ayume veio com vocês de novo, então ela já saiu do castigo?

Murilo finalmente conseguiu livrar-se do irmão, ou foi Vinicius que o largou, e tropeçou alguns passos para trás.

—Nós dissemos que os pais dela iam desencanar rápido. — responderam juntos. — E até conhecemos o pai dela!

—Que interessante. — a doutora sorriu — Querem falar sobre isso?

Os gêmeos sentaram-se no divã.

—Na verdade tem uma coisa que queríamos dizer antes, doutora.

Piscando, Frank Lorret ajeitou-se em sua poltrona.

—E o que seria?

Os garotos suspiraram.

—Estivemos pensando sobre o que a senhora nos disse na última consulta. — afirmou Vinicius. — E sobre como Dos Reis acabou nos vencendo peço cansaço.

Dra. Frank tinha certeza que aquelas eram palavras deles e não dela, mas deixou que os rapazes continuassem.

Murilo prosseguiu:

—E aí percebemos que na verdade não nos incomodamos tanto assim com isso. — ele deu de ombros.

—Quer dizer, o cara é irritante. — afirmou Vinicius.

—Mas não é tão ruim assim. — completou Murilo. — Podemos nos acostumar com ele.

Os irmãos suspiraram como se houvessem sido derrotados.

—Então agora vocês são um quarteto?

—Ainda somos um trio. — os gêmeos discordaram teimosos — Mas agora com um quarto integrante metido no meio para deixar tudo mais estranho.

—Como as “duplas de três” que costumam se formar em sala de aula. — A Dra. Lorret sorriu.

Murilo e Vinicius deram de ombros.

—Ainda não nos damos bem com os amigos de Ayume e nem eles gostam da gente, mas também ninguém pediu por isso.  — Vinicius afirmou.

Murilo pigarreou:

—Mas... O que estamos querendo dizer é... Que estamos bem.

—Estão bem. — a doutora repetiu esperando que eles esclarecessem o que queriam dizer.

Os gêmeos assentiram.

—Nós começamos a fazer terapia por causa das nossas brigas, e da forma como tratamos Ayume, mas agora estamos bem. — os garotos fizeram uma pausa, se entreolhando por um instante — Não trocamos mais socos um com outro e estamos preservando nossos fígados, Ayume tem outros amigos e nós temos ciúmes, mas está tudo bem com isso desde que não exageremos, ainda gostamos de passar tempo com ela, mas não tentamos monopolizá-la o tempo todo, e até já estamos nos acostumando com a ideia de ela ter um namorado agora... O que queremos dizer, doutora, é que hoje viemos para nossa última consulta.

Frank Lorret tirou os óculos.

—Bem meninos, eu estou vendo que os dois pensaram bastante a respeito disso. — disse — Vocês amadureceram muito e estou orgulhosa disso, e feliz por ter feito parte desse processo.

—Valeu doutora. — os gêmeos sorriram.

A doutora olhou para o relógio na parede.

—Bem, só se passaram dez minutos ainda. Então sobre o que querem conversar hoje em nossa última consulta?

Murilo fez um floreio com a mão.

—Irmão, gostaria de ter a honra? — ofereceu.

♠. ♣. ♥. ♦

Então, para começar, nós dissemos “sim” para Ayume.

É eu sei que isso não é nenhuma novidade, principalmente vinda de nós, mas essa é a verdade, relutamos e deixamos para responder depois, mas no fim acabou dando tudo na mesma e dissemos sim do mesmo jeito para nossa Pequena Ayume.

Na segunda-feira de manhã quando os procuramos para dar nossa resposta — porque é melhor do que sermos emboscados por eles — nós encontramos o Dos Reis na sala de aula, foi uma das raras ocasiões em que ele não estava junto de Ayume, no entanto, estava cercado por um grupinho como sempre acontece quando Ayume não está com ele, decidimos da meia volta e fugir antes que ele nos visse.

—Ei Rapazes! Murilo! Vinicius! — só que não fomos rápidos o bastante.

Esperávamos que ele nos usasse como meio de fuga e/ou ponto de referência para encontrar Ayume como sempre, mas ao invés disso Luciano acenou para que nos aproximássemos.

Dessa vez havia umas cinco pessoas em torno dele, o que era um dos menores grupos pelo qual o Dos Reis já havia ficado cercado.

—Que foi? — perguntamos.

Recebemos um ou dois olhares estranhos de alguns dos alunos que estavam em volta de Luciano, como sempre acontece quando falamos com alguém que não está acostumado com nosso sincronismo, mas ignoramos.

Luciano virou seu celular animadamente para nós.

—Olhem! Olhem!

Acontece que ele tinha gravado um vídeo daquele passarinho de estimação dele andando de um lado para o outro e piando para o próprio reflexo no espelho.

—Noooooossa. — comentei com a voz mais monótona e irônica que pude.

Ao meu lado Murilo estalou a língua.

—Pois é. Não nos impressionou.

—Só esperem um pouco! Suzy vai...! Olhe, lá vai ele!

Ao fundo pudemos ouvir o começo daquela música de O Rei Leão, a senhora com certeza conhece doutora, “O ciclo sem fim”, ao que o passarinho agitou as asas e começou a assoviar.

Franzimos o cenho.

—Ele por acaso está...?

—Está cantando a música tema de O Rei Leão: O ciclo sem fim! — Dos Reis exclamou todo orgulhoso — É só o começo, ele só canta os primeiros quinze ou vinte segundos, mas não é incrível?

—Um pouco. — admitimos surpresos.

—Ah, com certeza é incrível! — bajulou-o uma das garotas que estava ali, elas eram três ao todo. — Eu nem sequer consigo ensinar o meu cachorro a sentar.

Ela deu uma risadinha e tentou tocá-lo no braço, mas ele esquivou-se colocando o celular na mão dela — se de forma proposital ou não, não sabemos dizer —, e ficamos imaginando se Ayume não se incomodava com toda a atenção que o namorado dela recebia, deve ser por isso que ele está sempre nos usando como rota de fuga.

—Levou algum tempo, mas então no sábado de manhã ele simplesmente começou a assoviar junto com o despertador. — ele explicou à garota.

—Cara. — um dos garotos riu — O seu despertador é a música do Rei Leão?

—E também o toque do celular. — Dos Reis completou, ele claramente já não faz o menor esforço para esconder o lado nerd dele — É mais fácil o Suzaku aprender algo se ele ouvir com uma boa frequência de vezes.

—Que legal. — disse outra garota — E ele faz mais algum barulho?

—Ele também assovia aquele barulhinho de notificação do whatsapp, e sempre me engana com isso, acho que o Suzaku gosta de zoar com a minha cara. — ele riu de si mesmo — Mas um dia ele ficou repetindo isso por quase dez minutos e só parou depois que eu o distraí com um palito de dente.

—Ele também grita por socorro. — comentamos.

E cinco pares de olhos se voltaram imediatamente para Dos Reis a espera de uma explicação, enquanto nós íamos para nossos lugares, podíamos falar com ele mais tarde, quando Ayume estivesse junto também.

—Ele grita por socorro, mas não é como se estivesse realmente em perigo, é só que o Suzy gosta do som...

—Uma vez eu li que uma cacatua presenciou um assassinato e ficou repetindo as últimas palavras da vítima. — um dos garotos ali comentou.

—Não! Suzaku não viu nada assim, isso foi apenas uma brincadeira da minha mãe...!

E nós rimos da confusão do Dos Reis tentando explicar a situação.

—Você precisava tê-lo visto tentando explicar que o passarinho não foi testemunha de crime algum. — nós rimos ao contarmos a história para Ayume mais tarde, quando a encontramos no corredor a caminho para a próxima aula — Foi hilário!

—Deve ter sido. — ela sorriu bem humorada.

—Acho que agora todo mundo pensa que eu tenho um corpo enterrado no quintal. — Dos Reis se lamentou vindo logo atrás de nós, com os pés arrastando.

—Você mora em um prédio Luciano. — Ayume o olhou por cima do ombro — Não tem quintal.

Esse é o problema para você?! — ele reclamou.

—Se acalme Lorde Zucker, os meninos só estavam te provocando, isso quer dizer que provavelmente eles gostam de você. — Ayume tentou tranquilizá-lo.

—Isso ainda é discutível. — Murilo discordou sorrindo.

—Pois é, vai ver que nós só decidimos tentar uma abordagem diferente para nos livramos dele? — sugeri também sorrindo.

—Ignore-os. — Ayume girou os olhos. — Eles são chatos assim mesmo, também me provocam o tempo todo.

—Ai. — levamos a mão ao coração.

—A minha aula vai ser aqui. — ela virou-se e Dos Reis a beijou.

Então, dessa vez, foi a nossa vez de girar os olhos.

—Então nós já vamos indo. — dissemos já nos afastando.

—Esperem um pouco, vocês dois. — Ayume nos chamou de volta — Hoje é segunda-feira.

Ops.

—Hã... E daí?

—Vocês disseram que nos dariam a resposta de vocês hoje. Lembram? — Ayume nos pressionou.

E Luciando colocou as mãos em nossos ombros, impedindo-nos de sair correndo. Viu só o que eu disse doutora? Encurralados.

Suspiramos derrotados.

—Tudo bem. — concordei.

—Nós ajudamos. — meu irmão completou.

—Excelente! — Ayume exclamou como se tivéssemos dito exatamente o que ela esperava — Luciano, você está livre hoje à tarde?

—Hum... Não, hoje eu tenho trabalho. Ah! Mas amanhã estou livre!

—Ótimo! Então quero os três amanha nesse endereço às 15h, e não se atrasem. Nós não podemos perder tempo! — nós ouvimos o som de uma folha de papel sendo arrancada — E agora corram ou serão deixados para fora da sala. Vocês estão muito atrasados.

Então nós três corremos.

Nós dois podíamos ter ido sozinhos no mesmo dia? Podíamos, mas Ayume insistiu para que esperássemos até o dia seguinte e fôssemos todos juntos.

A propósito nós já dissemos que o pai da Ayume é um alfaiate, não é mesmo doutora? E que ele tem um ateliê? Dissemos? Bem, ele tem um ateliê.

E esse foi o endereço que Ayume nos deu para ir no dia seguinte.

—Obrigada pela carona, mãe. — agradecemos saindo do carro.

—Eu volto para buscá-los assim que acabar de fazer as compras no supermercado. — ela acenou.

O lugar se chama “Moda Geek — roupas sob encomenda e consertos” e é um pequeno prédio verde de dois andares.

—Então... Esse é o lugar? — questionei.

—Esse é o lugar. — meu irmão confirmou. — Aquele ali é o Dos Reis?

Ele estava disfarçado com óculos escuros e chapéu, mas sem dúvida era o Dos Reis parado em frente à loja olhando a vitrine.

—Hei. — chamamos.

—Ah, e aí? — Luciano nos cumprimentou — Parece que nós chegamos quase na mesma hora.

—Por que o disfarce? — perguntamos.

Dos Reis arqueou as sobrancelhas.

—Não estou disfarçado! — ele deu um peteleco na aba do chapéu — Mas está muito sol hoje, não acham? A claridade chega até a doer na vista, mal conseguia abrir os olhos!

Ouvimos dizer que olhos claros têm uma maior sensibilidade à luz, bem, parece que um par tão azul como aqueles não vem sem um preço.

—Então... — Murilo olhou para a vitrine onde um par de manequins pousava com vestidos de Princesa Fiona, com uma placa aos pés onde estava escrito “peruca e tintura corporal não inclusos”, e Kuzko — Nós deveríamos esperar a Ayume aqui ou a gente só vai entrando mesmo?

—Vamos entrar a Ayume já está lá dentro. — Dos Reis nos chamou.

Então nós o seguimos.

E levamos um susto quando fomos recebidos, já na entrada, por Ayume fantasiada — ou melhor, fazendo cosplay — de bolo confeitado usando cartola, mas então percebemos que não era ela, e sim uma “gêmea de papelão”.

Sabe aqueles cartazes de papelão em tamanho real das pessoas, doutora? Pois é.

♠. ♣. ♥. ♦

—Se bem que não é preciso muito papelão para chegar à altura da Ayume. — Murilo comentou rindo.

—Isso é verdade! — Vinicius concordou também rindo.

—Mas cuidado, ela pode nos ouvir! —Murilo bateu no ombro do irmão.

—É verdade, e aí chutaria nossas canelas! — Vinicius tentou conter suas risadas.

—Ou daria uma cabeçada em nossos estômagos! — Murilo não se conteve e voltou a rir, arrastando o gêmeo junto nas risadas.

Frank Lorret pigarreou.

—Meninos. — chamou.

—Ah claro, desculpe doutora. — os gêmeos sorriram.

A doutora acenou.

—Tudo bem.

Vinicius retornou a falar:

♠. ♣. ♥. ♦

Murilo deu a volta na Ayume de papelão e assoviou admirado.

—É impressionante. — comentou.

—Pois é. — concordei — Quem diria que a Ayume poderia ficar ainda mais magra?

De repente fomos surpreendidos com a voz de Ayume:

—Vocês são uns malas, por que eu sou amiga de vocês?

Nós nos endireitamos sorrindo, Ayume, a verdadeira, estava nos fundos da loja, depois de várias araras cheias de fantasias e manequins fantasiados, atrás de um balcão de vidro com várias bijuterias bizarras dentro.

—Porque vocês nos ama. — afirmamos confiantes.

—É. Eu amo. — Ayume deu de ombros. — Vamos subir, meu pai já está esperando para tirar as medidas de vocês. — ela saiu de detrás do balcão e se dirigiu a uma escada no canto, sinalizando para que a seguíssemos, mas no caminho parou em frente a uma porta e gritou lá para dentro — Sara eu estou subindo.

E alguém lá de dentro respondeu um “Ok, obrigada”.

Nós não estávamos gostando nada disso, mas Luciano colocou as mãos em nossas costas e nos empurrou para que andássemos, então não tínhamos mais escapatória. De repente o porquê de a japinha ter insistido tanto para que fossemos junto com Dos Reis fez muito sentido.

No andar de cima estava o ateliê propriamente dito, uma parede estava coberta de dezenas de rolos de tecidos coloridos; a outra tinha estantes cheias de caixas e gavetas, e no meio três mesas compridas haviam sido postas, cada uma delas estava equipada com uma máquina de costura que trabalhava a todo vapor e estavam cheias de réguas, agulhas, pedaços de tecidos, carretéis de linhas, alfinetes e tesouras, cada mesa tinha também um manequim meio despido ao seu lado.

E nós nunca imaginamos que máquinas de costura poderiam fazer tanto barulho.

—Essa aqui é Eliza. — Ayume nos disse por cima do barulho das máquinas indicando à costureira na primeira mesa, uma mulher branca e baixa de meia idade que nem sequer ergueu os olhos de máquina quando passamos. — Essa é Raquel. — ela nos indicou a costureira da mesa que vinha logo em seguida, uma mulher negra que usava um par de óculos pendurados na ponta do nariz, também baixa e de meia idade, mas que ergueu a cabeça e acenou para nós ao ouvir seu nome.

Mas quando chegamos à última mesa, posta próxima à parede, bem debaixo da janela, o assento estava vazio e Ayume virou-se para perguntar por cima do barulho das máquinas:

—Onde o papai foi?

—Banheiro. — uma das duas costureiras respondeu de volta, nunca saberemos qual.

—Então acho que teremos de esperar. — Ayume encolheu os ombros e puxou um banco em frente à mesa do pai para sentar-se.

Isso deixava dois bancos restantes, mas antes que pudéssemos decidir se teríamos ou não que fazer uma “dança das cadeiras” ali, para decidir quem ficaria de pé, Luciano anunciou erguendo o celular:

—É o Igor.

—Achei que você estivesse de folga hoje. — Ayume comentou.

—Eu estou. — ele confirmou — Ele deve estar me ligando para dar a resposta a respeito daquela ideia que tivemos, vou atender lá em baixo.

Assim que ele começou a se afastar — já com o celular grudado na orelha e provavelmente se desculpando pelo barulho — nós puxamos os dois bancos restantes e nos sentamos... No exato instante em que Ayume levantou-se com um pulo.

—Pai! — exclamou.

Ele era mais magro do que os homens da idade dele costumam ser, e se vestia de uma maneira muito elegante também, usava calças sociais pretas, camisa social preta, um colete vermelho escuro atrás e prateado na frente, e uma gravata vermelha escura. Os sapatos pretos pareciam tão bem lustrados que dava até para usar de espelho, as pessoas ainda engraxam sapatos?

Ele tinha um cavanhaque que dava a ele um ar muito sério e distinto, mas havia rugas em volta de seus olhos que indicavam que ele provavelmente sorria com frequência... Ah, e os seus cabelos eram roxo brilhante.

Mais do que um alfaiate ele parecia um moderno estilista.

—Papai diz que o cartão de visitas de um alfaiate são suas roupas, mas não se deixem enganar. — Ayume nos disse — Ele tem um relógio de pulso do Bob Esponja e só usa cavanhaque porque acha que isso o deixa parecido com o Robert Downey Jr.

—Tudo bem... Mas nada disso explica o cabelo roxo. — dissemos.

E essa dúvida Ayume nos deixou por responder.

—Pai, esses aqui são os amigos de quem te falei, os gêmeos: Murilo e Vinicius. — e indicou cada um de nós acertadamente — Garotos, esse aqui é meu pai: Camilo.

—Ora, então são vocês os garotos que foram coagidos pela minha filha? — ele sorriu-nos — Ela é difícil, não é? Sinto muito por isso.

—Pai! — nossa pequena Ayume reclamou.

Quanto a nós, preferimos não responder a isso para não sermos chutados por Ayume na frente do pai dela e, ao invés disso, sorrimos e dissemos:

—É um prazer conhecê-lo Sr. Félix.

—Sr. Félix? — ele fez uma careta — Ok, eu vou perdoá-los dessa vez só porque são novatos, mas saibam que da próxima vez que me chamarem de “Senhor” eu vou fingir que nem escutei.

—Ele vai ignorá-los completamente, igual a uma criança. — completou Ayume.

E recebeu um cascudo do pai por isso.

—“Senhor”, onde já se viu? Eu mal passei dos trinta!

—Na verdade você já está bem pra lá dos quarenta, pai. — Ayume o corrigiu.

Ele a ignorou.

—Me chamem apenas de Camilo. — nos instruiu sorridente, e estendeu as mãos para nos dar dois apertos de mão simultâneos — Ou tio se quiserem, não ligo se me chamarem de tio também.

Um pai estranho para uma filha estranha é, nós já devíamos ter esperado por isso.

—Muito bem então vamos começar. — Camilo (é muito estranho chamar o pai de alguém só pelo primeiro nome!!!) virou-se e pegou uma fita métrica em sua mesa.

Nós olhamos fixamente para Ayume, que juntou as mãos nas costas e anunciou:

—Boas novas, meninos: Vocês estão na peça!

Pois é, e tem mais essa também: vamos ter que subir no palco de novo.

É claro que era algo desse tipo, não podia mesmo ser outra coisa.

E com certeza Ayume e o Dos Reis já tinham previsto desde o começo qual seria nossa resposta no fim já que, inclusive, deixaram nossos papéis reservados na peça.

—Tudo bem. — suspiramos derrotados.

—Então quem vai ser o primeiro? — Camilo esticou a fita métrica diante de si.

—O Vinicius!

Ayume exclamou repentinamente agarrando justo a mão que eu ia usar para empurrar meu irmão um passo a frente.

♠. ♣. ♥. ♦

—Espera aí! O que?! — Murilo protestou de repente, obviamente só tomando conhecimento do fato naquele instante.

Vinicius ergueu as mãos com as palmas viradas para cima.

—Não me julgue irmão. — pediu.

Murilo bufou, mas sinalizou para que o irmão continuasse e cruzou os braços.

♠. ♣. ♥. ♦

 —Os personagens principais são a Princesa Dourada e seu Servo, a Dama Vermelha, a Garota Verde e o Príncipe Azul. — Ayume nos explicou enquanto seu pai media cada mínimo centímetro meu e anotava tudo em seu caderno.

Eu estava parado com os braços estendidos feito o Cristo Redentor, e Murilo estava sentado ao lado da japinha.

—Certo. — Concordamos — Então você precisa de nós para sermos o Servo da princesa e o Príncipe Azul?

Era uma hipótese válida, considerando que só havia dois papéis masculinos.

Ayume hesitou.

—Hum... Na verdade...

—Ayume, Igor disse que eu estou definitivamente proibido de pintar meu cabelo de azul. — Dos Reis anunciou por cima do som das máquinas, depois de um tempo você até acaba se acostumando com eles, chegando com ar decepcionando e balançando o celular, indicando que havia terminado sua ligação.

—Não tem problema. — Ayume virou-se para ele — Você ainda pode usar uma peruca para ser o príncipe azul?

—Peruca não tem problema. — ele concordou.

Arqueamos as sobrancelhas, de repente muito alertas, porque se só havia dois papéis masculinos e um deles era para o Dos Reis...

—Ayume. — chamei tenso.

—Quais são nossos papéis? — Murilo perguntou igualmente tenso.

Ayume evitou se virar para nós.

—Vinicius será o servo.

Suspirei aliviado, enquanto Camilo media-me a circunferência do quadril.

—E quanto a mim? — Murilo perguntou ainda nervoso, sem responder nada Ayume levantou-se e começou a ir embora a passos ligeiros — Ayume? Ayume!

Ela apressou ainda mais o passo e, de repente, fugiu correndo dali, surpreso meu irmão arregalou os olhos e correu atrás dela chamando-a e deixando-me sozinho com Dos Reis.

—Então...  — comecei a dizer.

Dos Reis ergueu a mão.

—Não, não. Espera um pouco.

De repente fez-se um súbito silêncio nas máquinas de costura — uma daquelas coincidências estranhas, eu imagino — enquanto nós, calados, esperávamos, por um momento, e então, ao longe pudemos ouvir o grito irritado de meu irmão:

—Eu vou ser o que apaixonado por quem?!

E aí, por alguma razão, Dos Reis caiu na gargalhada.

E as máquinas de costura voltaram a trabalhar.


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Notas finais do capítulo

Alguém aí consegue adivinhar qual será o papel de Murilo para essa peça? ^_^
E então... Preparados para o fim?



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