Sinto minha vida se esvaindo, aquele zumbido terrível em meu ouvido está pior que antes. A visão do rosto insano de Tsumi começa a ficar embaçada, é tão egoísta, tudo poderia ser mais fácil se Tsumi não fosse tão egoísta.

Dely deve estar gritando meu nome, mas não consigo escutar nada além de meus gritos e o zumbido. Consigo sentir meu coração bater, aro de me mexer, posso ver minha alma flutuando. Primeiro as pernas, depois os braços... Não! Eu não quero morrer! Não quero deixar Dely sozinha! Estava tudo tão perfeito! Por quê?! Por que a esperança teve que acabar em apenas alguns segundos?!

Por incrível que pareça, ainda ouço o violino de Fukawa. Aquela que é minha única luz, a melhor pessoa que já viveu. Em minha mente seu sorriso doce e inocente brilha enquanto não consigo mais pensar em nada. Sou forçado a parar de gritar e uma luz forte em meus olhos tira minha consciência. Logo estou flutuando pra longe, meu corpo inerte ensandecido no chão.

Dely empurra Tsumi pra longe de mim, sua irmã diz:

–Não adianta, agora ele já foi embora. O Akai Tsuki vai começar e ficaremos juntas pra sempre!

–Como você pôde?! Eu o amo! – berra Dely.

–Você só precisa do meu amor! – Tsumi a segura.

Procuro por Riki em algum lugar, ele está libertando Fukawa discretamente sem que ninguém perceba.

–Riki! Riki! – o chamo, mas ele não ouve – Riki! Riki! Ah...Dely! Dely! Dely!

Nem Dely me escuta. Por que eles não me escutam?

Percebo que estou brilhando... E desaparecendo. Estou desaparecendo! Meu espírito se esvai...pra sempre, não existirei mais. Não! Eu não quero isso!

–Já está começando – anuncia Tsumi olhando para o céu escarlate.

A lua brilha na cor do sangue, minha visão está tomada por escuridão, mas ainda posso ver que Dely olha pra mim. Não quero ir embora! Ela disse que me ama... E eu também a amo! Preciso dessa felicidade, preciso viver um pouco mais, e sorrir mais uma vez.

Sombras saem do chão e atravessam as paredes pulando como bestas, formas demoníacas com olhos que parecem quer sua alma. Há coisas que nem posso descrever, monstros horrendos e formas humanas de demônios como Kiri-kiri e Chiyo. Essas coisas vão destruir a cidade, e quem sabe, até o mundo. Não posso deixar que isso aconteça. Mas o que um espírito que está desaparecendo pode fazer?

“Qual é o seu desejo?” aquela voz faz a mesma pergunta de antes.

“Quero voltar à vida e ajudar!” peço desesperado, mas esqueço uma regra apavorante...tudo tem um preço.

“Seu desejo será concedido”

Dely empurra Tsumi para a parede e abraça meu corpo sem vida com lágrimas nos olhos.

–Uma vez eu tirei sua vida – olha pra meu espírito – Agora vou te dar.

–Não, Dely não! – já sei quais são suas intenções e isso é terrível, eu não poderia suportar. A razão de eu querer voltar é ela, senão eu nem me preocupava em desejar a vida.

Então, como eu imaginava, ela perfura o peito com uma lâmina. Berro tão alto que todos olham pra cima, menos Tsumi que também grita em desespero. O tempo parece congelar, o espírito de Dely flutua até mim lentamente. Choro gemendo, não entendo. Não há maneira mais fácil?

–Não se esqueça desta louca aqui – pede ela tocando meu rosto.

–Por quê? – choramingo – Por favor, não me deixe! Fique comigo!

–Pra sempre... – ela me beija.

Agarro-me a ela sem querer soltá-la nunca mais pois se eu fizer isso ela desaparecerá, não quero que ela se vá, eu estarei sozinho e não haverá nada além deste coração ainda mais quebrado e minha frieza tão grande que machucarei todo mundo. Não serei nada além de um monstro humano sem amor.

Isso é injusto, sei que nunca mais poderei vê-la, mesmo que eu volte jamais conseguirei ser feliz sem Dely. O que eu farei depois? O preço a pagar é muito alto, assim como aconteceu com Kasai. Deus insiste em me tirar as pessoas que eu amo, deixando-me com apenas minha frieza e meu sofrimento, um coração despedaçado. Não quero que ele quebre de novo, agora que alguém o tocou ele está frágil. Logo se romperá em mil pedaços.

Dely se afasta e começa a desaparecer.

–Não! Não, Dely! Não! – tento tocá-la, mas a atravesso ela não está mais lá.

Aquela que fazia meu coração bater mais rápido desapareceu, aquela que me fez amar e descongelou meu coração foi embora, a única que conseguiu tocá-lo sumiu pra sempre. O que eu faço agora? Estou sozinho... Sem ela para o resto de minha vida vazia.

–Nozomi! Nozomi! – berra Tsumi sacudindo o corpo morto de Dely ao lado do meu – Não! Não! Por quê?! Por quê?!

Num instante sou sugado pra baixo, tudo fica negro, quando abro os olhos vejo Tsumi claramente gritando. Estou vivo de novo, mas Dely morreu. Não só simplesmente morreu, ela deixou de existir, tanto como humana como em forma espírita.

–Dely! Dely... – choro desconsolado.

–Isso é tudo culpa sua! – Tsumi me ataca – Você a matou! Você a tirou de mim! Vai pagar por isso! Você...

De repente ela vomita sangue em meu rosto, seus olhos arregalados me deixam confuso. O que aconteceu?

Até que vejo o rosto ofegante de Riki, ele tira a lâmina de dentro de Tsumi e a mesma cai sangrando em cima de mim.

O sol começa a aparecer do nada e fica atrás da lua fazendo a brilhar tanto que fecho os olhos. Como aconteceu um eclipse de repente assim? Foi tudo tão rápido, não sei o que pensar. Abraço Tsumi sem me importar, ela é tudo o que tenho pra agarrar no momento.

–Eu só queria estar junto dela pra sempre... – se lamenta Tsumi enquanto a lua volta ao normal, não está mais vermelha e os demônios que continuavam aqui dentro se desintegram.

Riki quer tirar Tsumi de cima de mim.

–Não. Pode deixar – digo.

Como meu corpo está forte, não sinto nenhuma dor. Bem, só por fora, meu coração está destroçado. Isso é tão doloroso, mas não é um pesadelo, é a realidade. Sempre odiei a realidade, detesto tudo isso. O destino detestável que me espera não deveria existir se eu tivesse desaparecido antes ao invés de Dely.

–Me desculpe – fala Tsumi – Desculpe por ter te matado, fui tão egoísta! O preço desse pecado foi perder a coisa que eu mais amava na vida! E agora vou para o inferno...

–Talvez não – comento – Riki, pode curá-la?

Ele fica completamente confuso, mas obedece.

–Por que está fazendo isso? – questiona Tsumi – Eu te matei e tirei de você a pessoa que amava.

–Todos merecem uma segunda chance, Fukawa me ensinou isso – respondo, mas ainda choro por Dely – Você não vai querer libertar os Oni de novo depois de perder a razão de tudo isso, suponho.

–Não, mas você deveria me odiar pelo que fiz.

–E de adiantaria? Isso não vai trazer Dely de volta – falo choroso.

–Você a amava mesmo, não é? – percebe ela se sentindo culpada.

–Sim – afirmo – Como nunca amei ninguém.

–Eu também. Ah, eu deveria morrer! – se culpa.

–Você só desejou, e a culpa foi minha também – lembro da voz – Alguém me concedeu um desejo e eu burro me esqueci do preço...

–Uma voz? – ela se surpreende.

–Sim, uma voz. Queria não ter pedido – suspiro lembrando do ultimo beijo que Dely me deu.

–A culpa não é sua – discorda Tsumi.

–Então a culpa é de quem? – indago.

–De Kami.