Um lugar para ficar escrita por Renata Leal


Capítulo 5
Capítulo 5




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/628669/chapter/5

“Sei que existem algumas coisas que precisamos discutir. E eu não posso ficar. Só me deixe te abraçar um pouco mais, agora.”

Never be alone – Shawn Mendes

10 de dezembro, sexta-feira, 9h

Acordei 7h30 e não consegui mais dormir. Pus uma calça de malha preta, uma regata laranja e fui até a praia correr. Programei uma playlist para essa corrida, por conta do meu humor pensativo. Acordei um pouco reflexiva, ainda pensando no motivo da ausência de animação na Luna e pensando no Caíque. Pensando se era mesmo certo o que eu estava fazendo. Eu gosto dele. Só que eu sei que não é tão especial quanto o que ele sente por mim... E ainda teve aquela conversa esquisita de ontem! Uma loucura!

Na verdade, é um pouco esquisito, mas tomo como base um garoto que já gostei.

Eu tinha 14 anos e conheci um menino pela internet. Ele era do mesmo colégio que eu, porém nunca o tinha visto. Apaixonei-me aos poucos... Na proporção que a gente foi se conhecendo, fui me encantando mais ainda com o seu jeito de ser. Tratava-me de uma maneira tão doce, tão meiga...

Até que ele me deu um belo fora. Percebi que ele tratava todas as suas amigas dessa maneira. Ele descobriu o que eu sentia e falou um monte... Disse que me admirava demais, achava-me linda, porém não queria perder a amizade que tínhamos. Isso doeu. Doeu muito. Ainda gostava dele até pouco tempo, mas fui perdendo esse gosto, sabe? Às vezes a gente cansa de ser trouxa e acorda para a realidade. Afinal, a vida não é um sonho como eu imaginava. Essa não foi a minha primeira decepção e nem será a última, eu sei disso. Porém, foi a que mais doeu. A que eu mais chorei. Foi a decepção que mais durou... Mas, hoje percebi que não valeu a pena todo esse sofrimento. Ergui a cabeça e segui em frente.

Hoje somos muito amigos. Nem penso em ficar ou namorar com ele. Juro que o esqueci completamente. E não pretendo, de maneira nenhuma, voltar com esse sentimento. Pelo menos, espero que o meu coração não se apaixone. De novo. Por favor, coração, se estiver vendo isso, não arme mais uma dessa para mim... Parece que gosta de se partir! Se valorize, cara!

E assim corri trinta minutos. Pensando nesse garoto. Pensando no Caíque. Pensando na Luna. Pensando em como tudo estava acontecendo tão rápido... E inesperadamente...

– Oi! – fui surpreendida com o Caíque me chamando.

– Caíque! Oi! – falei sorrindo.

– Correndo? Não sabia que corria! – ele disse, realmente, surpreso. – Se eu soubesse que você fazia isso, te chamava pra correr comigo. Porém, corro um pouco mais cedo... – ele falou sorrindo. Seu sorriso era extremamente encantador. Como não me apaixono por ele?

– Eu também não sabia que você corria! – falei.

– Amanhã de manhã vamos correr juntos, combinado? – ele disse sorrindo e estendendo sua mão para eu apertar, como um acordo.

Mas... Espera... Eu pensei que ele estivesse chateado! Está agindo como se nada tivesse acontecido. Talvez ele queira esquecer o episódio anterior. É. Esta é uma boa ideia.

– Combinado! – falei, apertando sua mão. – E você, tá fazendo o que por aqui? – perguntei.

– Vim comprar umas coisas para o almoço lá de casa... – ele disse. – A propósito... Quer almoçar lá em casa? Minha mãe vai adorar te conhecer. E como já conheci seus pais... – ele falou. As coisas estavam indo, realmente, rápido demais. A gente se conhecia há menos de uma semana! Será que ele não entendeu tudo o que eu disse ontem?

– Olha, Caíque... Foi um imprevisto você ter conhecido os meus pais... Não queria que tivesse sido tão rápido assim. Desculpa. Desculpa mesmo, mas é melhor a gente ir um pouco mais devagar. Não tem nem uma semana e...

– Tudo bem, Malu. Você tem razão. Mas, se você não queria que eu conhecesse os seus pais, era só me falar que eu recusava o convite da sua avó...

– Não, não, não... De maneira nenhuma. Foi ótimo você ter almoçado com a gente. Eu não estou falando isso porque eu não te queria lá. Longe disso! É só pra a gente não atropelar os passos...

– Tudo bem. Entendo. – ele falou. Pareceu um pouco decepcionado, porém foi bom eu ter falado logo essas coisas. Não queria magoa-lo. – A gente se ver por ai? Não quero mais atrapalhar a sua corrida...

– Caíque... Você ficou chateado com o que eu te falei? Não só com o que eu disse agora... Mas com o que falei ontem. – perguntei.

– Não, não... É que eu só senti como se incomodasse. – ele disse.

– Não é nada disso. Você não incomoda. Para com isso. Senti que você saiu um pouco chateado, ontem.

– Olha, Malu... Eu já tomei vários foras... Eu sei como dói. Nunca gostei de verdade de uma garota como estou gostando de você. Aquele dia na pizzaria... Quando eu te vi, não parei mais de pensar em você. – ele falou. Que fofo... E, mais uma vez, como eu não me apaixono por um cara desses, gente?

– É que tem poucos dias...

– Mesmo assim. Foi um interesse tão de repente e que não sai de mim. – ele disse. – Não quero te assustar. Só estou falando isso porque sinto que você não sente o mesmo... Só que, se você deixar, eu quero te conquistar. Quero te mostrar que isso vai valer a pena. Que a gente vai funcionar juntos. Eu fiquei realmente mal com tudo o que ouvi ontem, mas uma parcela disso foi minha culpa, acho que eu estava sofrendo com os efeitos do remédio e... – ele parou de repente, esperando que eu falasse alguma coisa.

– Tudo bem. Eu deixo. Como assim? Remédios? – falei. Com medo, topei. Não queria magoa-lo, mas não podia negar que eu estava afim de tentar.

Ele me deu um beijo. Um beijo longo. Eu gostei.

Nos despedimos e voltei. Esquecendo-me completamente de que ele não tinha respondido uma pergunta.

Tomei um banho, como de costume, gelado. Precisava de um choque de realidade. Aquela conversa tinha mesmo acontecido? Fala sério! Ninguém nunca foi tão sincero comigo como o Caíque foi hoje...

*

10 de dezembro, sexta-feira, 10h37min

– Você só pode estar brincando, Maria Luísa! – Clara disse.

– Para tudo! – Mariana surtou.

– Nunca falei tão sério em toda a minha vida. Vocês tinham que ver o jeito como ele me olhava! Parecia coisa de filme. – falei.

– O que você tem, hein, garota? O cara está completamente na sua! Que feitiço é esse? Não tem nem um mês! Caramba, Maria Luísa, compartilha com as amigas os seus segredos, por favor! Deixa de ser egoísta... – Mariana brincou.

– Nem eu entendo. Não tem nem uma semana, Mariana! Nem uma semana! – falei.- Só que a conversa dava um pouco de medo. Ele parecia um psicopata falando! Deu medo mesmo!

– É... Inacreditável – Clara disse rindo. – Nem o Marcelo foi assim. E olha que ele é o garoto mais fofo do mundo!

– Pois é – falei. – Não dá pra entender.

– E se ele for um psicopata? Um louco que quer te levar para cama e te matar…? – Mariana falou. Eu e Clara nos entreolhamos e começamos a rir. – Gente, isso não é brincadeira! Precisamos fugir! – Mariana encenou.

– Tá quase no mesmo nível que o Caíque – falei. – Sério, gente, parecia cena de filme. Ele quase chorou. Parecia desesperado, extremamente decepcionado por eu não dizer que gostava dele. Que exagero, sinceramente. Pensei que só as meninas fossem tão desesperadas assim.

– A gente tá rindo dele e daqui a pouco você fica tão desesperada quanto o rapaz... – Clara brincou. – Ai depois ele que ri da sua cara, palhaça! – ela disse me dando um tapa no braço.

– Claro que não. – eu falei rindo. – Já fui muito boba. Não que ele tenha sido bobo. Só que achei meio esquisito, exagerado e dramático todo aquele teatro dele. Sério mesmo. Foi bizarro.

– Cada louco com a sua loucura... – Clara falou.

– Bom dia, amigas – Luna entrou.

– Qual foi, raio de sol? Ficou dopada? – Mariana brincou.

– Acordei bem cedo, mas voltei a dormir porque estava com uma dor de cabeça horrível. – Luna disse com uma voz de sono.

– A gente pode chamar o Pedro para cuidar de você... – Clara brincou.

– Ha, ha, ha, engraçadinha, eu sei me cuidar muito bem sozinha – ela disse sentando-se ao meu lado.

– Mas, acho bem mais legal quando alguém nos ajuda nessa missão impossível – Mariana falou -, né Luna?

– Obrigada pela gentileza, querida Clara, mas não... Posso fazer cuidar-me muito melhor sozinha, né Mari? – Luna brincou com um olhar fuzilante para Mariana.

Estava amando aquelas garotas. Eu sentia que a Luna encaixou-se perfeitamente com as minhas primas. Essas férias estão sendo incríveis!

Todos tinham ido ao mercado, apenas eu, Luna, Mariana e Clara que não fomos. Então, sentamos à mesa para acompanhar o café da manhã da Luna e aproveitei para contar os fatos recentes.

– Nossa, ele é estranho – depois de uns cinco minutos de história e comentários das garotas, todas rindo e se divertindo, essa é a única coisa que a Luna solta enquanto preparava e comia o seu misto quente.

– Isso que eu disse – falei. Não é novidade que a Luna está estranha. Então, decidi esquecer tudo isso e deixar para lá. Uma hora ou outra ela fala o que está acontecendo.

– Bom, gente, hoje a gente vai ficar em casa vendo filme o dia inteiro, o que acham? – Clara sugeriu.

– De jeito nenhum! Luna e Malu vieram para cá para sairmos! Se fosse para ficar em casa, elas nem viriam! – Mariana falou.

– Achei uma ótima ideia – eu disse e a Luna balançou a cabeça enquanto lambia os dedos melados com Nutella.

– Gente, vocês são loucas! Só podem estar de brincadeira. – Mariana disse revirando os olhos e bufando.

– Sejamos justas. Vamos conciliar e entrar em um acordo, assim, então, atendendo a todos os desejos. – falei.

– Que dicionário você engoliu? – Mariana brincou. – Quanta formalidade.

– Cala a boca e escute. – falei sorrindo ironicamente. – Enquanto você, Mariana, deseja sair, eu e as outras, desejamos assistir a algum filme. Então, para sermos coerentes e corretos com a tal situação, vamos ao acordo: como não é muito comum sairmos à luz do dia, exceto para a praia, poderíamos deixar a saída para a noite, como para assistir a um show ou algo do tipo. Consequentemente, a tarde ficará livre, onde poderemos assistir a um filme e comer uma deliciosa pipoca com manteiga e coco.

– Protesto – Mariana interrompeu. – Retira o coco.

– Retirado – falei. – Então, todos concordam?

– Sim! – elas falaram animadas.

Então, como combinado, assistimos a filmes à tarde. Vimos “Cartas para Julieta” que é como um ritual assistir a esse filme com elas, já que, todas nós somos fãs; “Jogos Vorazes – A Esperança (parte um)”, pois nenhuma de nós tinha visto até então; e “Simplesmente acontece”, que se tornou um dos meus filmes favoritos.

Quando deu 18h, os meninos ligaram para o celular da Clara e perguntaram qual a programação para a noite. Achei esquisito, pois imaginei que eles prefeririam ficar em casa jogando videogame, mas lembrei que há uma luz chamada Luna na vida do Pedro, logo, entendi o motivo da animação. Caíque havia me ligado. Marcamos de ir num barzinho no bairro da noite. Como todas já estavam prontas, decidimos ir logo para não voltarmos muito tarde. Avisei ao Caíque e aos meninos por mensagem e fomos.

Ao chegarmos, reparamos que não estava muito cheio, apenas um grupo de amigos e um casal. Sentamos numa mesa para doze pessoas e esperamos os príncipes chegarem.

Caíque, Marcelo e Yago foram os primeiros, mas não demorou muito para Bruno e Pedro chegarem. Bruno trouxe uma garota. Jéssica. Fiquei feliz, pois ele ficaria de vela. Apresentando-a a todos, sentou-se.

Como Marcelo é maior de idade, pediu uma cerveja. Eu sabia que os meninos iriam aproveitar e tomar um gole. Outro gole. Mais goles. Vários goles. Enquanto as meninas ficaram no suco ou refrigerante. Pedi um suco de abacaxi. Caíque tomou um gole do meu suco, mas não dispensou a cerveja. Até que somos surpreendidos.

Ícaro e a garota, acredito eu, amiga de Caíque estavam em pé olhando para Caíque como se ele tivesse cometido um crime.

– Você quer se matar? – ela quase gritou. Nesse momento, todos estavam olhando.

– Como assim? – ele perguntou.

– Você está tomando remédio, Caíque! Ficou maluco? – ela disse dando um tapa nele. – Você não pode beber!

– Calma aí, Fabi, foi só um gole! A cerveja não é minha. – Caíque rebateu. Nesse momento, meu coração começou a acelerar. Caíque estava tomando remédios? O que ele tinha? Pelo visto, era extremamente sério.

– Caíque, você precisa vir com a gente – Ícaro interviu.

– Não vou a lugar nenhum – Caíque disse grosseiramente.

– Ah, você vai sim, seu espertinho! Você não pode mais andar com essa gente que só deseja o mal para você! Você não pode beber! – ela estava histérica. Gritando feito uma louca. Sinceramente, senti medo da garota, mas ao mesmo tempo, achei bonito tamanha preocupação com o amigo.

– Espera aí, minha filha. Ninguém quer o mal dele não! – Mariana interviu. – Para a sua informação, não fazíamos ideia que o Caíque estava doente. Ele não nos contou nada! – ela completou.

– Eu só queria viver como uma pessoa comum, Fabiana! Já que vocês me tratam como se eu tivesse uma doença gravíssima fosse morrer no dia seguinte. Tratam-me como uma criança! – Caíque gritou, deixando Fabiana de olhos arregalados.

– Quer que a gente te trate de um jeito diferente? Ótimo. Pare de agir como um inconsequente que você terá o que quer. – ela disse. – Vamos, estou sem tempo. Sua mãe está desesperada atrás de você.

– Você só pode está louca. Ainda colocou coisa na cabeça da minha mãe? Avisei que eu iria sair com meus amigos. Não vem com essa, Fabiana! – Caíque disse em um tom mais ríspido.

– Vocês podem fazer o favor de fazer drama lá fora? Não queremos perder clientes – um senhor, parecendo dono do bar, disse, enxotando Fabiana e Ícaro do local.

– Ele vem conosco – Ícaro falou apontando para Caíque.

– Não vou – Caíque disse.

– Vai sim! – Fabiana gritou.

– Moça, por favor, mais respeito que isso aqui é um estabelecimento público! Saia, por favor. – O senhor tornou a expulsa-los.

– Caíque, vá conversar com os dois lá fora. A gente entende. Não precisa você ir embora, mas deixe a Fabiana tranquila. Depois dessa, ninguém aqui vai mais beber e nem deixar você beber. – falei para Caíque.

– Não vou estragar a noite de vocês – Caíque disse.

– Não vai estragar. Vai ser melhor assim. Nenhuma das meninas queriam que os meninos bebessem mesmo. Vai ser muito melhor. Escute a Malu. – Clara interveio.

– Tudo bem – ele disse indo em direção à Fabiana e ao Ícaro.

No fim das contas, os dois foram embora e Caíque ficou. Tentei pedir para ele nos contar o que estava acontecendo, mas ele disse que a gente já estava sabendo até demais e que essa parte da vida ele não queria expor. Entendemos e levamos numa boa. Voltamos a conversar e nos divertir até as 22h, quando decidimos ir para casa.

Ao chegar em casa, só tirei a roupa, coloquei meu pijama de gatinho e, ao pôr a cabeça no travesseiro, lembrei do Caíque. O que estava acontecendo com ele? Será que era grave? Por que ele não quer nos contar? Diversas perguntas estavam rondando-me, porém decidi dormir e deixar isso para lá. Com o tempo ele pode aprender a confiar em mim e me contar o que houve. Amanhã eu podia tentar conforta-lo. Não invadir a privacidade dele, mas dizer umas palavras de conforto, para que ele se sinta seguro e saiba que pode confiar em mim quando quiser e precisar. Às vezes as pessoas precisam de alguém assim. Não como a Fabiana. Talvez ele precise de alguém que só o abrace. Alguém que olhe para ele de uma maneira diferente. Alguém que diga “estou aqui para o que precisar”. Alguém prestativo. Alguém que diga coisas de conforto. Mas, principalmente, alguém que saiba ouvir. E eu acho que eu posso fazer isso por ele.

Nesse momento, senti-me mal. Não devia tê-lo tratado como tratei. Dizer que ele exagerou, que ele foi dramático... Até tirar sarro dele! Não deveria ter feito isso. E amanhã irei me redimir.

Caíque precisa de mim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um lugar para ficar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.