Back In Time escrita por Thalita Moraes


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Eu queria ter evitado isso, mas o flashback é importante para a história. Então... Enjoy. Espero ter feito de maneira que não fique muito tediante.



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Quando Holly tinha oito anos, ela não era tão durona e bocuda. Ela não respondia, não cruzava os braços, não revirava os olhos. Ela sempre se manteve quieta. Pelos olhos das amigas de sua mãe, era uma criança calma e obediente. Era tudo o que você poderia esperar em uma criança.

Mas você não pode se deixar enganar pelas aparências.

Afinal, quando Holly tinha oito anos, ela odiava a própria vida. Ela passava quase o dia inteiro na escola integral, e as coisas pela qual passara jamais queria se lembrar.

Holly passava pelos corredores e Lindsay esticava uma perna para que ela caísse. Nas horas de sentar em dupla, Lindsay sempre sentava-se com ela, abraçando-a, fingindo que gostava dela. A fazia repetir desenhos e trabalhos inteiros. Houve uma ocasião em que sumira com o caderno dela.

Aos doze anos, Lindsay conseguiu ficar mais perversa que aquilo, se atrevendo o material dela de cola e purpurina. A abraçava, mostrando para os outros que gostava dela, por vezes também iludindo Holly ao acreditar que Lindsay era uma daquelas pessoas que não sabia demonstrar carinho. Mas quando os professores ou diretores viravam as costas para as duas, Lindsay sempre aprontava alguma coisa.

Aos dezessete, quando Lindsay descobriu o significado de popularidade, passou a amarrar Holly a si mesma, figurativamente. Onde Lindsay estava, Holly estava logo atrás. Ela não experiência humilhação pública, mas Lindsay conseguia ser bruta quando queria.

Até Holly cansar-se. Se a situação pela qual passava na escola não fosse suficiente, em casa era pior ainda.

Pauline quase nunca estava em casa para sua filha, o que fazia a pequena Holly se sentir rejeitada por grande parte de sua vida. E as coisas que Lindsay fazia com ela iam acumulando, cada gota d'água sendo guardada dentro do seu coração. Cada zoação, cada desaforo, cada abraço falso, cada sorriso amarelo. Ia crescendo e crescendo em Holly.

Então, um dia Lindsay disse algo que machucara Holly profundamente, o que a fizera se levantar e dizer as palavras que ela vinha guardando dentro de si mesma por anos.

—Sabe, às vezes eu acho que você não tem personalidade, Holly. Você fica sempre atrás de mim, o que, pessoalmente, eu não vejo isso como algo ruim. Mas, você não reage às minhas brincadeiras. Você é tão... — Então, Lindsay parou e pensou em uma palavra para completar. — Maçante.

Para os outros presentes no refeitório, não pareceu algo tão ruim. Não pareceu tão agressivo. Lindsay não estava ofendendo. Não era sua intenção. Mas não foi o que pareceu para Holly.

Holly estava cansada de tudo aquilo.

Estava cansada de ser ignorada pela sua mãe, os únicos momentos em que falava com ela era quando sua mãe precisava que ela fizesse alguma coisa. Holly nunca teve uma conversa significativa com sua mãe. Estudara em colégio interno por tanto tempo que às vezes parecia que ela nem tinha uma vida.

Estava cansada de ser chamada de amiga de Lindsay quando ela claramente não era. Era o cavalo de treino dela. Fazia tudo o que Lindsay pedia e ela nunca agradecera, nem uma vez sequer.

Lindsay a usava e maltratava, mas nunca falara mal dela na sua frente. Nunca chegara à esse ponto. De certa forma, Holly já tinha acostumado com a falta de carinho que Lindsay mostrava por ela.

Mas Lindsay nunca a ofendera verbalmente. E aquela não seria a primeira vez que faria e Holly deixaria passar.

Antes mesmo que Holly pudesse segurar, ela já estava de pé e na bochecha de Lindsay estava a marca de seus cinco dedos. O rosto de Holly estava repleto de ódio, enquanto o de Lindsay estava espantado, envergonhado, talvez, mas certamente assustado. O que ela tinha feito? O que tinha acabado de acontecer?

Os olhos de Lindsay se encheram de água e antes mesmo que ela pudesse se acalmar, saíra correndo em direção ao banheiro.

Holly foi chamada à diretoria, sua mãe conversara com a diretora, Pauline fingira estar decepcionada. Mas Holly não prestara atenção em nada do que ouvira. A conversa seria a mesma pelo resto do dia.

Porque teria Holly feito isso, se nunca em sua vida levantara a mão contra ninguém? A pergunta correta que eles deveriam se fazer seria, porque não? Holly agira como um animal recuado por tanto tempo que parecia que aquela atitude deveria ter sido libertada anos atrás.

Naquele dia, Holly foi levada para sua casa mais cedo. Sua mãe falava alguma coisa com ela, mas Holly não estava ouvindo. No caminho inteiro, ela sentia como se sua cabeça estivesse vibrando, dando à ela uma sensação estranha, similar à tontura, mas nem tanto.

Ela sentia como se dois animais estivessem conversando dentro de sua mente. Um anjo e um demônio. O anjo falava para ela escutar sua mãe e pedir perdão para Lindsay no dia seguinte. O demônio dizia exatamente o contrário.

"Porque parar agora? Você finalmente fez aquilo que você sempre quis fazer! Porque deixar isso passar e continuar a ser o capacho dela? Porque parar agora quando ela pode ser o seu capacho?"

Mas Holly não escutou nenhuma das vozes. Ela não queria prestar atenção em nenhuma das duas, ela não queria fazer uma escolha. Então, quando Pauline a trancou em seu quarto, Holly arrumou sua mochila com roupas e o dinheiro de sua mesada e pulou a janela. Sozinha, perambulou pela cidade até encontrar a estação de trem. E então, com um pouco de dificuldade chegou até a casa do seu tio.

E a partir você já sabe a história.

Holly preferiu não fazer nenhuma escolha.

E Kelly não queria isso.

Porque a avó de Kelly fazia a mesma coisa.

***

A primeira vez que Kelly entrara na casa de sua avó, foi quando sua mãe morreu. Antes disso, ele nunca tinha a visitado. Em raras ocasiões, quando sua mãe não conseguia evitar, eles se encontravam e na maior parte das vezes, Jéssica estava sempre envergonhada de sua mãe. E por causa dessa vergonha, Jéssica tinha medo de deixar seu filho com sua mãe, tinha medo de que ele poderia ser moldado da forma como Holly quisesse.

Até então, Kelly não conhecia sua avó realmente. Ouvira coisas, mas era tão pouco que ele nem conseguia dar uma personalidade para a personagem que era criada pela sua mente.

Então, quando Kelly entrou pela casa de sua avó pela primeira vez, com os olhos ainda um pouco sensíveis de tanto chorar, ele não sabia pelo que esperar. Achou tudo normal, os móveis não eram tão velhos e mal acabados como sua mãe fazia questão de apontar. A porta do banheiro não tinha trinco, a porta do seu quarto só conseguiria fechar se fosse trancada, o interruptor da cozinha tinha que ser pressionado com força, a porta da geladeira não fechava direito e o chuveiro não esquentava corretamente. Era preciso fazer uma combinação secreta para conseguir fazer a água cair quente.

Coisas simples como essa que fazia Kelly se sentir fora do seu lugar, porque na casa de sua mãe as coisas funcionavam do jeito que deveriam.

—Por que você não arruma essas coisas? — Kelly perguntou assim que Holly terminou de fazer o tour pela casa.

—Porque eu acho que tudo isso deixa a casa viva. — Holly disse. Naquele instante, Kelly olhou para ela, pensando se sua avó não estava ficando gagá. Afinal, ela já usava óculos e seus longos cabelos eram tão brancos como a neve. Kelly nem sabia direito quantos anos ela tinha. — O trinco da porta do seu quarto, por exemplo. Me lembra da vez que sua mãe se trancou no quarto e não queria sair de jeito nenhum. Eu tive que derrubar a porta. Nunca mais foi a mesma.

—E o chuveiro? Como que estragou?

—Ah, isso foi quando caiu a luz da quadra inteira, então ele queimou. É fácil de arrumar, mas me diz se não é mais divertido girar a torneira para encontrar o ponto certo? Não parece que você está tentando decifrar um código de um cofre? — Holly disse sorrindo. Kelly não conseguia entender o que fazia aquilo ser tão interessante. Era cansativo, isso sim.

Kelly não fora criado da maneira como gostaria de ter sido. Ele poderia ter se saído outra pessoa se sua mãe não tivesse morrido em um acidente de carro. Kelly não era uma criança muito fácil. Ele respeitava sua avó, mas ele não a obedecia, não fazia sua parte dentro de casa.

Quando Kelly fez dezoito anos e queria trabalhar, Holly tentou encaixá-lo na equipe do restaurante em que ela trabalhara por toda sua vida. Ele sobreviveu duas semanas lá, mas não era o que ele queria.

Ele queria algo diferente pra sua vida. Ele queria trabalhar dentro da empresa da família. No ano de 2060, a família Brown tinha uma corporação muito famosa pelo mundo. O fundador, ou assim dizia nos livros de história, Emmett Brown, era conhecido como o primeiro homem a criar uma máquina do tempo. Mas a verdade não era essa e Holly sabia disso, porém, Kelly não tinha ideia.

Então, Kelly deixou de ir no serviço que sua avó arrumara para ele para conversar com seus primos, na corporação. Holly geralmente não saía de dentro do escritório, onde trabalhava na maior parte do tempo sentada. Em somente alguns casos ela saía de lá. E eram raros os casos que precisavam da ajuda dela.

Infelizmente, seu neto era um deles.

Foi através de uma batida na porta e um dedo duro que Holly descobriu que Kelly não tinha ido trabalhar naquele dia. Aquele foi o primeiro dia em anos que ela tivera que sair mais cedo. Kelly passara o dia inteiro fora, não contara para ninguém onde foi, muito menos para sua avó. Não deixara um bilhete, nem uma carta, nem nada. As preocupações que passaram por sua cabeça eram diversas.

Será que ele sofreu um acidente? Será que ele está no hospital e precisa de mim? Será que começo a ligar para os necrotérios? Será que ele vai voltar para casa? E mais importante, será que ele fugiu de casa?

A última pergunta era a mais importante que passava pela sua cabeça.

Conhecendo os genes daquela família, aquela opção era a mais provável. Holly fugiu de casa. Jéssica não fugiu, mas saiu de casa assim que começou a trabalhar. E agora, Kelly.

Holly estava sentada no sofá, sozinha, no escuro, quando Kelly finalmente abriu a porta de sua casa. Holly sentiu-se tão mais leve. Queria bater naquela peste por ter deixado-a tão apreensiva.

—Onde você foi? — Ela perguntou assim que ele fechou a porta.

—Por que está tudo escuro aqui? — Ele perguntou, acendendo a luz.

—Onde você foi? — Holly insistiu na pergunta.

—Eu fui numa entrevista de emprego. — Kelly respondeu, jogando o casaco em cima da poltrona, antes de sentar-se.

—Entrevista de emprego? E quanto ao trabalho que eu arranjei para você? — Holly perguntou, sentindo ofendida, porém um pouco mais aliviada que ele estava de volta. Ao menos, ele não tinha fugido de casa. Aquele susto seria o que ela precisava para perceber que ela teria que mudar algumas coisas dentro de casa.

—Desculpa, vó, mas eu não consegui me enturmar com aquele povo. — Kelly disse, tentando aliviar sua barra. Holly suspirou. Aquilo seria um grande problema, porque somente naquela tarde que ela descobriu que eles também não tinham gostado dele. Então, talvez realmente fosse melhor que ele tivesse feito uma entrevista de emprego.

—Pelo menos você já arranjou outro emprego. Onde que você foi fazer a entrevista? — Holly perguntou. Essa era a única parte que Kelly não queria responder.

—Corporações Brown.

Os olhos de Holly arregalaram-se.

—Por isso que eu não quis te contar.

—O que você foi fazer lá? — Holly perguntou, exaltando-se, levantando-se do sofá. — Todos os seus primos estão trabalhando lá!

—E qual o problema de trabalhar com a família? — Kelly perguntou, já começando a se sentir ofendido.

—Não tem nada a ver trabalhar com a família, Kelly. Se você for trabalhar lá, você vai ser...

—O que? — Kelly a interrompeu. — Um sanguessuga? Um traidor? A escória da terra? — Ele perguntou, usando as palavras que Holly já usara alguma vez em sua vida ao se referir de sua família que trabalhava lá. — Bom, quer saber de uma coisa, vó? Eu prefiro mil vezes ser uma escória do que ter uma vida como a sua!

—O que você quer dizer com isso? — Holly perguntou, olhando fundo nos olhos de seu neto. Ela sentia um profundo desgosto de ver no que seu neto estava se tornando. Era exatamente isso que ela queria evitar.

—Dá uma olhada em volta! Tem coisas quebradas aqui há mais de século e você não arruma nada! A porta do meu quarto, a torneira do chuveiro, o espelho do banheiro... Isso parece casa de pobre! Você tem dinheiro para arrumar, porque não arruma? E você continua trabalhando no mesmo lugar desde os seus vinte anos! Você pode muito mais do que isso, vó, por que você se deixou chegar numa situação como essa? Por simples orgulho?

Ele tinha conseguido. Sua avó estava chorando agora. Ele grunhiu e pegou seu casaco indo para seu quarto.

Kelly ficou um bom tempo deitado em sua cama, observando o teto. Em algum momento, ele acabou dormindo. E quando levantou no dia seguinte, estranhou. Quando tomou banho, não precisou girar a torneira como quem quebra o segredo de um cofre. Não precisou empurrar a porta da geladeira para fechá-la.

—Ficou melhor? — Holly perguntou, saindo de seu quarto, com uma toalha em mãos. — Continua parecendo casa de pobre pra você?

—Desculpa... — Ele tentou, mas Holly o interrompeu antes que ele pudesse continuar a falar.

—Eu errei com você, Kelly. Eu achei que fazer você levar uma vida mais simples iria fazer você mudar... Mas eu estava errada. É apenas a maneira como você é. E não tem como eu mudar isso. — Ela suspirou e colocou a toalha de rosto em cima do encosto do sofá. As mãos dela estavam avermelhadas. Se Kelly tivesse prestado atenção nas marcas em suas mãos... — Eu sei que essas pequenas mudanças dentro de casa não vão te impedir de trabalhar com seus primos. E não espero que você vá mudar de ideia. Mas perceba que eu fiz tudo isso por você. E quero que você entenda isso.

Kelly abaixou a cabeça em remorso. Ele não deveria ter falado com sua avó daquela forma.

—Eu fiz uma comida pra você levar. Está dentro do microondas. — Ela disse, por fim, pegando sua bolsa, se preparando para ir trabalhar.

—Levar? Levar para onde? — Ele perguntou, um pouco confuso.

—Você não vai trabalhar hoje? — Ela perguntou, abrindo a porta da frente. — Pega mal se você se atrasar no seu primeiro dia.

Kelly, ainda um pouco confuso, pegou a marmita que sua avó deixou no microondas. Havia um bilhete colado na tampa, com a escrita de sua avó. "Tenha um ótimo primeiro dia nas Corporações Brown".

Kelly não conseguiu segurar e começou a pular em animação, gritando em comemoração. As portas da oportunidade estavam bem abertas para ele. Ele sabia que, a partir daquele momento, as coisas mudariam para ele. Ele apenas não sabia quanto.


***


Foi trabalhando nas Corporações Brown que Kelly conheceu Rose. Logo em seu primeiro dia, quando ainda estava conhecendo cada uma das funções dos diferentes quartos, Kelly encontrou a mulher mais bonita que já tinha visto nesse mundo. Seus cabelos eram dourados e seus olhos eram azuis. Ela tinha um sorriso estranho e parecia que ela sabia que Kelly estava hipnotizado quando o encarou no meio do corredor.

A função de Kelly era de assistente geral, servir cafézinho, carregar caixas e organizar papéis eram as únicas coisas que ele fazia. Seu setor nem era ali onde Rose trabalhava, e sim dois andares acima, mas ele fazia questão de arranjar alguma desculpa para se encontrar com ela. Ele nem sabia direito o que ela fazia. Alguma coisa relacionada com pesquisa e algumas palavras de difícil compreensão e fala.

Depois de se conhecerem pelos corredores, trocarem palavras na cafeteria, e seis meses de tortura, Kelly finalmente conseguiu tomar a coragem de chamá-la para sair. Foi assim que ele descobriu que ela estava no terceiro semestre de física, que ela era parte alemã, que adorava fazer palavras cruzadas, que sua cor favorita era preto, mas adorava usar roupa branca por causa de seu sobrenome. Descobriu também que Rose tinha perdido sua irmã mais velha para anorexia e tinha problemas em se relacionar com as pessoas por causa disso. E somente depois de seu quinto encontro, descobriu que ela morava sozinha.

Foram as conversas sobre mecânica e eletromagnetismo que fizeram Kelly entrar na faculdade de física também. Kelly não se achava tão inteligente quanto Rose, mas às vezes, fingia que não entendia a matéria direito apenas para que Rose explicasse para ele. Ela percebia isso, mas quando reclamava, ele dizia que a voz dela fazia tudo parecer mais claro.

Dentro de pouco tempo, eles começaram a namorar. E, foi nesse mesmo período que sua avó morrera. Rose foi ao funeral, o caixão estava fechado. Ela nunca conhecera a avó dele. Naqueles meses que se passaram, Kelly quase não saía do apartamento de Rose. Eles estavam praticamente morando juntos, Kelly não queria voltar para sua casa.

E foi em uma dessas noites, depois de conversarem um pouco sobre física, que Rose contou acidentalmente sobre o projeto que estava trabalhando. Sobre viagem no tempo. Kelly sabia que era possível, mas as máquinas tinham sido guardadas pelo governo e somente pessoal autorizado podia passar por lá. E Rose era uma dessas pessoas.

Naquela noite, Kelly ainda estava machucado. Ele sentia muita falta de sua avó, e foi naquele momento em que ele percebera que não dera muita atenção à ela. Não cuidara dela. Não a respeitara, não obedecera. Não lhe dera valor. Ela morrera sem que ele pudesse dizer que a amava. Ele nunca dissera isso para ela. Nem uma vez. E agora, ele estava profundamente arrependido.

Mas ele não se culpava por isso. Ele estava tão machucado, seu coração estava tão apertado que ele não conseguia enxergar a verdade. Ele ainda culpava sua avó por tudo aquilo. Ele queria que sua mãe não tivesse morrido. Talvez sua vida teria saído diferente.

Então, Rose mencionou sobre as máquinas do tempo. E Kelly não pensou duas vezes.

Não foi tão dificil quanto pensara invadir a corporação para usar a máquina do tempo. Mas não imaginara que fosse ser dificil prevenir a morte de sua mãe.

Não é possível enganar a morte.

Por aqueles meses que se passaram, Kelly tentou, de todas as formas que pode, salvar sua mãe daquele acidente de carro. Nenhuma forma deu certo e ele apenas a observou morrer mais de uma vez diante de seus olhos.

Kelly viu o corpo de sua mãe quebrado dentro do carro destroçado. Ele viu o corpo dela cair no rio e não voltar para cima. Ele a viu sendo esfaqueada, violentada, envenenada. Nem sabia que havia tantas mil maneiras de morrer.

Kelly observou sua própria mãe morrer diante de seus olhos trinta e cinco vezes. Trinta e quatro vezes não foram o suficiente para fazer ele mudar de ideia. Foi preciso vê-la morrer mais de trinta maneiras diferentes para que ele percebesse que seria impossível mantê-la viva. Então, ele a observou morrer mais uma vez. Num acidente de carro. Como deveria ter sido desde o começo.

Ver sua própria mãe morrer trinta e cinco vezes pode quebrar o coração de qualquer um. Mas, quando Kelly saiu da máquina do tempo para entrar no Porsche cinza que matou sua mãe, ele sentiu seu coração morrer um pouco. Ele morreu um pouquinho mais dentro de si quando, propositalmente, acertou sua mãe com o carro. Ele deu meia volta com o carro, fechando os olhos para não ver o corpo dela novamente, e voltou em direção à máquina do tempo. Estacionou o Porsche no lugar onde tinha encontrado, já entrando no DeLorean.

Ele aproveitou o pouco tempo que tinha naquela época para chorar. Kelly não tinha conseguido salvar sua mãe. Ele a matou. Ele deliberadamente a matou. A culpa não era de sua mãe, nem de sua avó. Era dele. E somente agora ele enxergava isso.

Ele tinha o sangue de sua mãe em suas mãos. E muito provavelmente o de sua avó também. Tanto sofrimento que causara para ela. Sua avó que cuidara dele com tanto carinho e amor, com tanta paciência, ele só a incomodara e deixara preocupada. Ele a maltratara com seu desrespeito, provavelmente a matara por desgosto.

Kelly não sentia mais nada além das lágrimas escorrendo por seu rosto. Ele não podia voltar para o presente agora, não quando tinha sido culpado por ter feito tanta coisa ruim.

Ele invadira as corporações e roubara o carro para matar sua mãe. Se ele já não se sentia assim, agora ele tinha motivos. Ele era a escória da humanidade.

Mas precisava voltar para encarar com as consequências. Enquanto voltava, ele pensava nos momentos de sua vida que passara com Rose. Ela sempre foi tão paciente com ele, era a única coisa que o fazia feliz.

E então, subitamente, como quem se lembra de ter deixado a torneira da banheira ligada, Kelly lembrou-se de uma das conversas que tivera com Rose.

—O Dr Velley está ficando louco com esse livro. — Ela disse, rindo. Ele colocou seu braço ao redor de seus ombros.

—Você já falou sobre isso antes. O que tem de tão importante nesse livro?

—Não é só um livro, Kelly. É "o" livro. Ninguém sabe onde que esse livro foi parar, por isso estão usando a máquina do tempo em segredo. Dizem que esse livro foi responsável pela Terceira Guerra Mundial.

—Então, o que tem nesse livro?

—Ninguém sabe. E esse é o xis da questão. Por isso dizem que é mágico. Ele se transporta de lugar para lugar, e as palavras dentro dele muda de pessoa para pessoa. Por isso o Dr Velley quer encontrar esse livro o mais rápido possível. Ele não acredita em mágica. Ele acha que deve existir alguma teoria lógica e racional que explique porque todo mundo lê coisas diferentes do mesmo livro.

—Isso se chama interpretação de texto, não é? — Ele riu. Ela também riu. E então, a memória voltou a ser somente memória. Se ele conseguisse encontrar esse livro... Talvez...

Porém, ironicamente, ele não teve muito tempo para ponderar sobre isso antes de colocar o plano em prática. Assim que Kelly colocara o pé para fora da máquina do tempo, encontrara Rose esperando por ele, com dois homens ao seu lado.

—Eu deveria ter percebido mais cedo. — Rose estava com os braços cruzados e seus olhos estavam inchados. — O que você estava fazendo? Onde você estava?

Kelly limpou os olhos ainda cheios de lágrimas e observou melhor o seu redor. Tinha guardas em todos os cantos, e alguns deles estavam apontando armas para ele. Kelly não sabia o que fazer.

—Saía do veículo. — Um deles ordenou, ainda apontando a arma. Kelly levantou as mãos. Um pensamento muito rápido desorganizou a lógica que ele estava fazendo mais cedo. Se ele se rendesse naquele instante, iriam prendê-lo. Ele, talvez, nunca mais veria a luz do dia. Perderia sua liberdade e o amor de sua vida. Ele não poderia deixar aquilo acontecer. Ele precisava fazer alguma coisa.

A única coisa que ele poderia fazer naquele instante.

Ele sentou-se novamente no banco e, sem se importar com o cinto de segurança, pisou fundo, ignorando os tiros que seguiam o carro conforme ele dirigia. Rose pediu para que eles parassem, mas todos a ignoraram. Eles precisavam de recuperar a máquina do tempo.

Kelly não sabia direito para onde ele iria. Seu objetivo era encontrar o livro e fazer sua avó o ler. Mas não antes de ele dar uma lida naquele livro tão misterioso.


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