A Quase Raposa e o Cão de Pedra escrita por Koyama Akira, Chisana Rumiko


Capítulo 7
Débito De Morte


Notas iniciais do capítulo

Então gente, pode ser que tenha demorado um pouco esse capítulo e pode ser também que ele sofra alguma modificação (que no caso seria só por causa da gramática mesmo), mas mesmo assim, espero que gostem :3
Akira ^w^



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Iwako

Saru mo ki kara ochiru; “Até macacos caem dos galhos” eu pensava em um transe entre sono e vela — não sabia ao certo se dormia ou estava acordado —: em todos os anos da minha vida, pode até parecer ingênuo da minha parte ainda mais por ser julgado sábio pelos mortais que acham que quinhentos anos é suficiente para se saber alguma coisa. Quando se vive dentro de muros, quinhentos anos não significam nada. Eu consigo, às vezes, fechar os olhos e imaginar a Sora falando comigo, as palavras reconfortantes que sempre dizia. Quem diria que eu quase morri, aliás, quem poderia imaginar que um guardião podia morrer?! Fomos feitos para sermos indestrutíveis, pelo menos foi o que me disseram; não posso me deixar levar pelo que dizem. Não sabia ao certo, mas minhas ideias estavam confusas. Abri os olhos. Parecia que eu havia cochilado mais uma vez; olhei ao redor e pude perceber que ainda estava no restaurante do Hiyato, talvez na parte superior, onde ficava o quarto.

A ferida no meu peito ainda latejava. Suspendi a camisa para poder dar uma boa olhada, e o que eu vi não era muito agradável: um enorme corte vertical cobria meu peito. Ele era de um tom tão escuro que quase chegava a ser negro, e algumas ramificações de veias ao redor estavam sobressalentes, como se quisessem espalhar o ferimento para todo o corpo; todavia, não tinha aparência de um corte recente, na verdade, qualquer um que olhasse diria que estava cicatrizado, apesar de ser uma grande protuberância, o que indicava que algo ali não estava muito “certo”.

— Merda — resmunguei baixinho, mas isso deve ter chamado a atenção do gato, que até então eu não havia percebido ali.

— Iwako… — ele disse distraído, parecia estar falando no celular. — An?! Ah, certo, sem problemas.

Desligou o aparelho.

— Com quem estava falando? — disse curioso, me esforçando para levantar.

— Yue, ela vem aqui… — ele hesitou ao perceber minha expressão furiosa. — Certo, se acalma, ela não é tão…

Ruim assim?! — concluí. — Você sabe que eu não gosto dela, por que ela tem que vir aqui?

— Só uma observação: não conheço ninguém que você goste. — touché — e outra, ela está me ajudando…

— Ajudando em quê? — bradei mais uma vez impaciente.

— Olha, Iwako-san, isso é complicado… — ele disse sério, mas eu o interrompi mais uma vez:

— O quê é complicado? — Levantei da cama o encarando de cima para baixo, talvez para tentar intimidá-lo, mas apesar da discrepância entre tamanhos, nunca seria capaz de fazer isso com o Hiyato; ele sabia o poder que tinha escondido dentro de si… E eu também. — Se for algo a meu respeito não acha justo dizer logo?

O nanico suspirou, talvez em sinal de desistência, não porque eu sou bom com argumentos ou coisa do tipo, mas talvez porque eu sou teimoso o suficiente para fazer um demônio de setecentos anos desistir.

— Você está morrendo, Iwako-kun… — seu tom de voz era seco e indiferente, mas não foi isso que me atingiu.

Aquela informação não deveria ser tão nova pra mim, talvez no fundo eu já soubesse, mas mesmo assim eu recuei. Tudo aquilo só me fazia pensar o quão rápido eu deveria ser, não podia perder mais nenhum segundo, se eu quisesse vingar aqueles que perdi, teria de fazer isso logo.

— Enfim… — sua voz tinha me tirado da distração. — Ela deve estar chegando, vou descer. Venha quando puder.

Com isso, o de cabelos negros desceu as escadas me deixando só num quarto que não parecia ser de ninguém em específico. Voltei para a cama tentando colocar as ideias em ordem, mas ao ouvir a porta de correr sendo aberta no andar de baixo, me desconcentrei. Com certeza é ela.

Desci os degraus com certa dificuldade e não precisei descer toda a escada para ter a visão indesejada daqueles olhos quase brancos. De certa forma me lembravam os olhos da Sora, e isso doía um pouco.

— Olha só quem resolveu aparecer — disse a mulher, com falso entusiasmo.

— A que devo a honra… — hesitei ao finalmente pisar no último degrau. — Dessa desprazerosa visita?

— Vejo que a notícia de morte iminente não te afetou muito, não é mesmo, Iwako-san? — Seu sorriso era formal, assim como sua postura. — Além do mais, tenho muitos inimigos e ainda mais, pessoas que não gostam de mim, mas você de fato é o único que me odeia sem motivo algum aparentemente.

— Te odeio por instinto… — me esforcei para falar, pois a dor estava ardente em meu peito —, não por escolha.

— Percebo também que está sentindo dor, não é mesmo? — ela era sarcástica, ao ponto de ser irritante, talvez não para todos, mas se eu não a detestasse tanto, chegaria a ser sensual. — Vamos, deixe-me ajudá-lo com isso.

Seus olhos passearam pelo meu corpo e imediatamente a dor do meu peito se espalhou por todo o corpo e inevitavelmente, caí de joelhos.

Maldita! — tentei gritar, mas aquilo havia soado mais como um sussurro que qualquer outra coisa.

— Já chega! — Hiyato gritou, o que foi surpreendente, não só para mim, mas também para a Yue, que parou no mesmo instante. — Você está aqui para ajudar, não tornar as coisas piores do que já estão.

— Estou aqui para te ajudar. Te devo e estou pagando, mas o que acontece com o koma-inu não me interessa — ela explicou com desdém, enquanto sentava em uma das cadeiras que estava virada para nós.

— Eu sei, Yue, mas me ajudar consiste em ajudar o Iwako-san — Hiyato parecia um pouco mais tranquilo.

— Certo. — Ela sorriu, como se aquilo não significasse nada.

— Preciso que faça um encantamento de restauração no Iwako-san, para que ele fique mais forte.

Ao dizer isso ela pôs a mão frente a boca, como se quisesse conter um riso.

— Restauração? No koma-inu? — sentia descaso sempre que a ouvia dizer o nome da minha espécie. — Não seja tolo, Hiyato… O que aconteceu com o Iwako é irreverssível, é como uma ferida aberta, ele irá “sangrar” até morrer.

Irreverssível? — disse enquanto levantava do assoalho.

— Certo… — A mulher suspirou. — Vamos colocar de uma forma que você entenda, tudo bem? Coloquemos dois recipientes ligados por um cano, esses dois recipientes estão cheios, compartilhando a mesma água que os preenche, mas vamos supor que um desses recipientes desapareceu, a água do recipiente que sobrou vai vazar aos poucos, até que finalmente não haja mais água nenhuma. Bem, é exatamente isso que está acontecendo com você, quando mataram a sua companheira, a energia que vocês dois compartilhavam passou a “vazar”, mas claro que suas energias não são como água, leva um certo tempo até que não tenha mais energia vital alguma em seu corpo, por isso você está morrendo aos poucos.

— E não tem nada que você possa fazer, para que ele aguente pelo menos um pouco mais? — Hiyato se sentou a frente dela, como se estivesse conversando sobre “negócios”, o que não deixava de ser verdade.

— Para ser sincera, tem sim, mas vou precisar de uma flor de ameixeira, o efeito deve retardar a saída de energia do seu corpo.

— Mas não tem ameixeiras em Kyoto… — hesitei assim que tive minha mente invadida por flashs de árvores em um jardim muito familiar; era o jardim do templo, tinham vários pés de ameixeira, espalhados desordenadamente. Com sorte ainda os encontrarei lá. — O templo…

Minha voz falhou assim que a dor apertou meu peito novamente.

— Yue! — resmunguei.

— Não fiz nada... — levantou as mãos em rendição, fazendo as mangas do kimono escorregarem.

— Droga — resmunguei.

— Bem, tem algo que eu posso fazer por você — ela disse e isso chamou tanto a minha atenção quanto a do Hiyato —, mas só vai adiantar enquanto estiver na forma humana. Sua transformação exige muito da sua energia vital e, consequentemente, você perde força mais rápido… Bem, o encantamento que eu vou fazer reduz a sua dor quase a zero, assim como retarda a saída de sua energia vital, mas não a impede, que fique claro.

— E o que você está esperando? — disse breve e ela respondeu com um sorriso irônico.

Era impressionante como aquela mulher sempre passava a impressão de estar por cima de tudo e todos, e chegava a ser difícil de acreditar que ela devia algo ao Hiyato, o que levantava a minha curiosidade; a mesma energia que me fazia ter interesse pela Yue, me afastava dela e eu nunca sabia se devia admirá-la por seu poder ou temê-la por isso.

Yue se aproximou de mim, mesmo sendo menor que eu, não fazia disso um defeito, na verdade, parecia muito mais uma qualidade. Pousou a mão direita sobre meu peito, no lugar onde eu podia sentir a cicatriz e logo percebi algo como se todo meu corpo estivesse sendo comprimido, a sensação incômoda passou em questão de segundos.

— Só isso? — disse inconformado.

— Queria que eu fizesse o quê?! Dançasse ao seu redor enquanto falava palavras estranhas?

Me reprimi ao perceber que eu realmente esperava algo do tipo.

A mulher suspirou e balançou a cabeça, parecendo estar se divertindo com a situação.

— Você me lembra a garota que encontrei hoje mais cedo… — disse baixinho, mas ainda audível — Uma garota interessante, aquela ruivinha.

Ruivinha?! Não me diga que…

Não, não faz sentido. Como elas foram se encontrar? E por que foi justo com ela?!

Aohono Michi? — disparei, segurando-a pelo braço. O que fez ela me olhar com espanto por alguns meros segundos.

— Sim… — ela respondeu e eu senti minha mão queimar, talvez fosse algo dizendo: não toque em mim. — De qualquer forma, o que tem ela?

Soltei-a imediatamente. Por um instante senti meu interior se encher de esperança, talvez fosse estupidez da minha parte, mas era o tipo de sentimento qual eu não podia controlar.

— Eu e o Hiyato precisamos dela — expliquei e pude perceber uma das sobrancelhas dela arqueando.

— E por quê os dois precisariam dela? — indagou enquanto cruzava os braços, colocando uma das mãos por dentro da outra manga do kimono. Sua curiosidade era quase palpável.

— Bem… — suspirei, eu me sentia hesitante em falar qualquer coisa para aquela mulher, mesmo que fosse de certa necessidade. — Eu senti necessidade de ajudar aquela garota no dia que ela foi atacada em frente à sua casa… Não me pergunte o porquê, eu também não sei o motivo pelo qual eu a ajudei. Enfim… Foi na feira de Shokuhin. Fizemos uma troca de “favores” ela me arranjaria roupas e…

Roupas?! — ela me olhou com divertimento.

— Longa história…

— O que é uma longa história para nós? Somos imortais, Iwako-san — hesitou, mas voltou a sorrir por um instante. — Quer dizer… Nem todos nós, não é mesmo?

Ela cobriu a boca com as duas mãos, como se fingisse estar incomodada por ter dito algo infame; mas de fato ela não estava, o que me irritava cada vez mais.

— Continue, Iwako-kun — ouvi a voz do Hiyato atrás da mesa, ele parecia estar se divertindo em silêncio.

Malditos.

— … E eu teria de levá-la para o Ningenkai — prossegui — mas, quando seguimos o trajeto pela feira, a Aohono-san se perdeu de mim e só consegui encontrá-la momentos depois, falando com uma velha cartomante, nojenta.

Adorável — Yue ironizou, mas eu ignorei.

— Essa mulher começou a dizer que poderia me dizer onde estava a Kasai no Hana se eu entregasse a ruiva, a Aohono-san começou a gritar coisas soltas como “só pode ser por causa da luz…” ela se referia à uma luz que a velha tinha visto na alma dela através da esfera refletora… Quero saber como isso pode nos ajudar.

Yue não disse nada, apenas me encarava com um sorriso malicioso e nem com mil anos de vivência eu saberia dizer o que aquilo significava, mas de uma coisa eu tinha certeza: ela estava completamente interessada; e isso poderia ser algo muito bom… Como também, muito ruim.

— Com essa informação, acho que podemos dar início a nossa busca, não é mesmo, Hiyato-san? — o tom de voz daquela mulher era na grande maioria das vezes, muito solene, o que a fazia quase ter um ar nobre.

Hiyato estava com o pé apoiado na mesa, inclinando a cadeira para trás enquanto admirava o teto, parecia estar absurdamente distraído, mas a voz da Yue chamou sua atenção.

— Enquanto vocês fazem isso, eu vou tentar encontrar alguma flor de ameixeira no templo do Daisuke-kamisama — ao terminar de falar, já estava quase do lado de fora do restaurante, quando ouvi a voz da Yue mais uma vez:

— Lembre-se Iwako, o encantamento só tem efeito enquanto estiver na forma humana, fora isso… É inútil.

Ainda de costas para os dois, fiz um aceno de qualquer jeito com a mão para ela, apenas para indicar que eu tinha escutado e segui meu caminho.



A rua do restaurante era calma se comparada com a avenida a qual ela dava acesso. Pessoas andavam constantemente, era incomodo. Pareciam não notar a presença uns dos outros, vez ou outra se esbarravam, o que fazia várias coisas passarem em minha mente, dentre elas, quão banal era a vida desses indivíduos. Quando esses humanos morrem, eles percebem que o que era tão importante e simples, estava ao alcance de suas almas fracas, mas que foi perdido por causa de sua ignorância.

Saí da avenida e segui por um caminho meio vazio, sem pessoas apesar de haver algumas casas. Entrei em uma bifurcação cuja estrada era coberta por um corredor de árvores, não conheço árvores muito bem, mas pareciam cerejeiras; esse caminho levava direto ao templo, talvez demorasse algo entre trinta minutos andando… Mas falar de tempo agora parece ridículo.

O caminho era cercado de árvores e o chão era de pedra, além de ser silencioso e calmo, aquele caminho era muito mais tranquilo que qualquer rua em Kyoto. Segui por um tempo até encontrar uma casinha nas proximidades do templo. Deveria passar aqui mais vezes.

Respirei fundo ao me deparar com o início do muro que cercava o lugar. Eu não sabia se ficava triste ou feliz por depois de dez anos estar no templo novamente. Quando finalmente alcancei a entrada pude admirar mais uma vez aquele jardim, coberto por árvores médias e altas, uma grama genuinamente verde — parecia que mesmo sem o Daisuke-kamisama ali, os cuidadores do templo ainda estavam trabalhando — e por fim podia ver um pouco distante a construção do templo, parecia uma casa pequena, mas as aparências enganam.

Estava prestes a entrar quando fui impedido por uma mão em meu peito, acompanhei o braço até finalmente encontrar o rosto. Pode parecer estranho, mas eu não fazia a mínima ideia de quem era.

— Lembra de mim, Iwako? — a voz era de um tom presunçoso e irônico.

Atrás da direção que vinha a voz percebi três homens. Pareciam ter a mesma idade, mas ao julgar como o primeiro me abordou, não pareciam estar afim de uma conversa.

— Não — respondi para a surpresa do primeiro e diversão do segundo.

Os quatro se pareciam muito pra ser sincero. O primeiro tinha cabelos curtos e negros olhos bem castanhos, vestia um casaco com listras vermelhas e brancas e uma calça jeans. O segundo era um pouco mais alto e tinha o cabelo até a altura do maxilar, seus olhos eram puxados de forma que eu não conseguia identificar a cor dos olhos, vestia uma roupa folgada. Teria conseguido analisar os outros dois se não fosse a voz do primeiro tirando minha atenção:

— Devo dizer que isso me decepcionou um pouco, mas não tem problema, faremos você se lembrar.

Seu sorriso era maldoso. Os três “capangas” começaram a andar em minha direção e a primeira coisa que passou pela minha mente foi me transformar, mas claro que eu não iria cometer tamanha estupidez. Parecia que os quatro estavam confiantes o suficiente em relação a luta, porque nem sequer se transformaram. Porém, só agora pude perceber que um dos quatro era quase tão grande quanto eu; esse foi o primeiro a investir, — é Iwako, é só você e sua forma humana, agora. — ele fechou a mão em punhos pronto para me acertar do rosto, mas antes que conseguisse me alcançar, avancei, dobrando o cotovelo e o acertando bem na garganta. Ele parou por um instante, antes de cair no chão — parecia estar sem ar. Ótimo, posso ganhar tempo com isso. Os dois outros babacas caminhavam em minha direção tomando sentidos opostos, pareciam querer me flanquear; o primeiro de cabelos curtos estava apenas apreciando o espetáculo. O que estava logo na minha frente tinha uma camisa preta e uma calça jeans, seu cabelo era bagunçado e de franja, mas não era curto como o do seu “chefe”. Tentei me virar para ver o que estava atrás de mim, foi aí que os dois se aproveitaram para avançar, eles eram rápidos, mas não o suficiente. Agarrei o da frente pela cintura e o joguei contra o que estava vindo por trás de mim, os dois caíram no chão e quase consegui ouvir um osso se quebrar, percebi uma expressão de raiva misturada com indignação crescer no rosto do de cabelos curtos. Que se desfez assim que eu senti uma mão enorme me segurar pela nuca, — parecia que o grandão tinha levantado. — Ele girou o braço para tentar me arremessar, mas consegui fixar os pés no chão, dando continuidade ao movimento, mas no caso, quem seria arremessado não seria eu. O grandalhão caiu na minha frente em um barulho estrondoso, com isso pude perceber que o chão de pedra abaixo de seu corpo estava rachado. Parece que minha forma humana é mais resistente que a deles, além de que, com o feitiço da Yue, eu estou incapaz de sentir dor.

— Medíocre! — o grito do de olhos castanhos me desconcentrou. — Me poupem dessa humilhação… É como dizem, se quer algo direito, faça você mesmo.

O chefe caminhou na minha direção, parando alguns metros a minha frente, seus olhos tomaram uma coloração verde musgo e sua iris se tornou um risco. Merda.

Os outros três estavam se colocando de pé novamente e pude perceber que seus olhos também não estavam tão diferentes do líder. Tentei me afastar dos que se levantavam e voltei meu olhar novamente para o chefe, que já não tinha mais a aparência “frágil” de antes, agora era algo parecido com um crocodilo gigante e humanóide. Recuei mais uma vez para conseguir espaço e sem perceber me esbarrei em algo escamoso e ao olhar pra trás percebi que o grandão estava bem maior que eu e com a aparência de uma iguana. Não deu tempo de pensar muito antes de ser acertado por um soco no estomago, por pouco não vomitei tudo; ele me jogou para perto dos seus amigos que pareciam mais cobras… Cobras com braços.

— O quê? — O líder caminhava em minha direção. — Não vai se transformar, Koma-inu?

— Não preciso disso para acabar com vocês… — consegui dizer enquanto me levantava com dificuldade. Pode parecer loucura, mas eu quase consegui sentir a dor daquele soco.

Os dois youkais-cobra me agarraram pelos braços a medida que o crocodilo se aproximava.

— Acho que não é tão durão agora — ele sibilou enquanto um sorriso se formava em seu rosto.

O que antes tinha os olhos castanhos agora estava bem na minha frente, com seu enorme guarda-costas ao lado.

— Eu vou arrancar suas escamas pra vender, quem sabe eu não ganhe um bom dinheiro com isso — rosnei.

— Que gracinha. — Ele sorriu presunçoso. — É uma pena mesmo que não se lembre da dívida, daquela informação que você estava devendo a nós.

Não, eu definitivamente não lembrava de dívida alguma. Ele começou a socar minha barriga repetidas vezes até eu perceber que havia sangue saindo da minha boca, certo, não sentir dor é bom mas eu preciso pra saber se tem algo errado, e normalmente sangue saindo por orifícios não é um bom sinal.

— Eu cansei, podem acabar com esse cachorro ridículo.

Esse desgraçado acabou de me chamar de cachorro?! Se tem algo que eu odeie mais que ser chamado de humano, é ser chamado de cachorro… Cachorro-demônio!

Tentei me soltar e avançar em cima dele, mas a iguana enorme me segurou pela cabeça jogando-me no chão novamente, ele pisou nas minhas costas para que eu não pudesse levantar e seus colegas começaram a me chutar no rosto. Merda se eu deixar isso continuar, eles vão me matar.

Tentei me levantar novamente, mas ele pisou mais forte, e para compensar uma das cobras agarrou minha cabeça. Foda-se, eu estou a metros do templo, assim que acabar com esses babacas eu posso pegar a flor e voltar para a Yue, é isso… O que poderia dar errado?!

Tentei me levantar novamente e a iguana tentou me empurrar, no entanto, dessa vez ele não conseguiu: a chama começou a tomar conta do meu corpo dando espaço a minha forma original que com certeza era bem mais apavorante que a humana. Pude sentir isso no olhar de uma das cobras que imediatamente recuou quando me coloquei de pé. Minha forma não foi o suficiente para assustar a iguana grandalhona, que agora já não era mais tão grande assim. Ele tentou investir como da primeira vez e eu o agarrei pelo pescoço, levantando seu corpo do chão, ele se debatia enquanto segurava minha mão em desespero. Logo ele era apenas uma fumaça negra com poeira.

Virei para as duas cobras que pareciam estar com medo, mas claro que medo não era o suficiente para fazê-las desobedecer o chefe. Puxei a pedra em minhas costas e a lancei sobre a cobra da esquerda, ele se desintegrou na mesma hora; eu sabia que aquela altura meus olhos estavam num tom tão vermelho que poderia gelar o sangue de qualquer youkai, afinal, eu fui feito para isso, ele tentou investir contra mim, mas era muito menor, agarrei-o pelos dois braços com uma das mãos e com a outra agarrei suas pernas fazendo tensão para dividi-lo ao meio, não demorou muito para se desfazer em poeira e fumaça como seu amigo iguana. Agora eramos apenas eu e o “chefão”.

— Eu não preciso daqueles babacas para acabar com você — ele disse e eu rosnei sorrindo. — E-eu, não tenho medo de você.

Senti sua voz falhar, o que foi suficiente para alimentar a minha confiança, peguei a esfera de pedra que estava no chão e coloquei novamente em minhas costas; o olhei novamente e parecia que ele estava apenas esperando por um movimento meu; lancei mais uma vez a esfera, agora em sua direção mas ele com certa dificuldade a conseguiu desviar. Impressionante. Em movimentos rápidos e furtivos ele investiu contra mim, me acertando diversas vezes, dessa vez eu conseguia sentir a dor, mas não era forte, não parecia que ele queria me machucar… Tinha algo estranho ali.

Mais uma vez ele tentou investir para as minhas costas mas eu o agarrei pelo rosto esmagando sua cabeça contra o chão de pedra, seu corpo inteiro se desfez; finalmente eu estava sozinho. Podia perceber agora com calma que ele havia feito pequenos cortes ao redor do meu corpo, uma dor fulminante começou a subir por aquelas feridas. Ele me envenenou.

— Merda — resmunguei sozinho tentando correr na direção do jardim do templo, mas não consegui.

Minha armadura de pedra não resistiu por muito tempo, mais uma vez eu estava em minha forma humana no entanto, surpreendentemente com as minhas roupas, caí de joelhos nas pedras que cobriam o caminho do templo. Tentei segurar mais um pouco, mas foi inevitável, o vômito que escapou de mim tinha uma cor estranha e não parecia com nada que eu já tivesse comido, não conseguia dizer se era por conta do veneno, ou da minha morte lenta e dolorosa, todas as pancadas que eu tinha levado pareciam estar doendo agora, não só as da briga de agora como as de centenas de anos atrás, todas pareciam estar doendo agora… Todas ao mesmo tempo, não devia confiar nos encantamentos da Yue.

Minha visão escurecia aos poucos enquanto eu tentava me colocar de pé mais uma vez, foi inútil, a última coisa que consegui ouvir foi uma voz estranhamente familiar e feminina:

— Iwako-san…!

Até mesmo macacos caem dos galhos, não é verdade?


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Notas finais do capítulo

Para desencargo de consciência, o capítulo 7 e 8 já estão escritos e sendo betados, no mais, espero que tenham gostado do capítulo, qualquer sugestão é só falar :3
Até O/



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