Hipnotizados escrita por Wendy


Capítulo 21
Parceiros de crime




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A vida na solitária não era muito animadora. Peter não tinha muito que fazer, se não ouvir os escândalos dos novos presidiários.  No mais recente, um criminoso revoltado pegou uma garrafa de vidro na sala dos policiais e a arremeçou, na tentativa de atingir um deles.

Para sua surpresa, a garrafa foi rapidamente na direção de Peter, quebrando-se com um estrondo na parede da sela, alguns centímetros acima de onde o bruxo costumava se deitar.  Com o susto, ele encolheu-se imediatamente, tentando se proteger com os braços. Se aqueles cacos de vidro houvessem acertado seu rosto, não estaria em boas condições.

—Caramba! –Exclamou o novo presidiário. –Não sabia que eu conseguia arremessar tão longe!

“Sério mesmo?...” Pensou Peter. Porém,  agradecia por ter sobrevivido ao ataque.

—Ei, será que alguém pode me ajudar? –Exclamou o policial que tentava controlar a situação. –Ou preciso fazer tudo sozinho?

Enquanto os policiais corriam para ajuda-lo, algo chamou a atenção de Peter: A porta de sua cela estava aberta. Anúbis caminhou tranquilamente pelo corredor, tentando observar como estava a situação dos policias.

—Como você...

—Vamos logo, garoto. Mecha-se! Ou você quer mesmo passar o resto da vida apodrecendo em um lugar como esse?

Peter ainda estava incrédulo sobre como Anúbis, de fato, era especialista em fugas. Contudo, não tinha tempo para refletir. Sua única certeza era de que tinha coisas mais importantes para fazer do que ficar em um presídio. Não poderia abandonar essa chance.

Seguiu o chacal em silêncio, enquanto ele estudava a melhor maneira de sair dali. Um pouco mais a frente, em outra sala, os guardas tentavam controlar o presidiário, que lutava de todas as maneiras para se libertar. Ele parecia bem motivado.

—Você quer que eu use minha arma?! –Ameaçou um dos policiais, o que causou apenas mais alvoroço.

Aproveitando a oportunidade, Anúbis correu imediatamente para o corredor mais próximo e Peter, verificando a cada segundo o caminho, correu o mais rápido que pôde até alcança-lo novamente. Sentia muito medo de serem pegos e acabar ganhando mais tempo de pena. Anúbis, por sua vez, gostava da adrenalina correndo em suas veias.

O mais velho foi em direção à uma pequena sala, onde Peter logo descobriu que trata-se do banheiro dos funcionários. Quando entrou, Charlie estava com metade do corpo para fora da janela, precisando se esforçar muito para passar pelo pequeno retângulo. Esse foi o único momento de sua vida em que desejou ter alguns músculos a menos.

O bruxo achava a cena ridícula, mas não demorou em ajuda-lo, sem conseguir ignorar o tremendo nervosismo que sentia. Ouvir os gritos dos policiais estressados ajudou-o a se tranquilizar um pouco, pois sabia que eles ainda se mantinham ocupados.

Alguns empurrões mais tarde, os esforços finalmente valeram a pena: O chacal estava fora. Peter não precisou de ajuda, ele era um pouco menor e bem mais magro (principalmente após as noites no xadrez), e nunca se interessou por academia para criar músculos excessivos.

Sem grades dessa vez?” Pensou Charlie. “Essa prisão não é tão boa quanto a última. Vão ter que fazer melhor, estou correndo o sério risco de ficar entediado”.

Os dois foram diretamente para trás de uma parede, provavelmente tratava-se de um segundo prédio. Havia diversos policiais controlando a saída, com boas armas e alguns cães de guarda. Anubis olhou em volta, até que uma ideia fez com um sorriso desafiador surgisse.

—Vamos ver se você realmente tem coragem pra dar o fora daqui.

Ele abaixou-se e correu para o que se assemelhava a uma caixa de metal com rodinhas. O rapaz o seguiu e pulou para aquela espécie de carrinho, assim como Anúbis acabara de fazer, mas não esperava que a situação fosse tão desconfortável: Estavam no meio de uma pilha de lixo e, enquanto Peter tentava livrar-se o máximo que podia dos entulhos, o mais velho o cobria cada vez mais com todo aquele material. O bruxo sentia vontade de vomitar e, se não estivesse tão escuro, poderia jurar que sua pele estava ficando verde pelo mal estar.

Anúbis divertia-se com as reações do mais jovem. Já passara por coisa pior, como por exemplo, o pequeno rio de esgoto que precisou nadar para fugir certa vez. Pelo menos, dessa vez o lixo tratava-se, em sua maioria, de materiais inorgânicos.

Poucos minutos depois, sentiram que o carrinho estava sendo empurrado e puderam escutar um dos guardas liberando o acesso para fora do presídio. Estavam livres. Ou pelo menos por agora.

Alguns metros a frente, o carrinho foi deixado pelo lixeiro quando o mesmo foi avisar o motorista de que o lixo estava preparado para ser jogado no caminhão. Aproveitando a distração do funcionário, ambos os fugitivos saíram imediatamente, correndo pela estrada cobertos de sujeira e, deixando um rastro de mau cheiro por onde passavam.

Quando os lixeiros se deram conta do que estava acontecendo, os dois já haviam corrido para longe.

—Não podemos ficar assim. –Peter estava imundo. –É ainda mais fácil para os cães nos encontrarem.

—Não se preocupe, eu sei quem podemos chamar. Você tem um celular?

☼ ☼ ☼

Finalmente estavam limpos e em uma casa de verdade. Um lugar confortável e aconchegante, ao invés das frias paredes da prisão. Após diversos banhos e muito sabonete, Peter só esperava que seu cachecol secasse rápido. Era totalmente desconfortável ter seu pescoço amostra, mesmo que ele tentasse escondê-lo de todo modo com a gola da camiseta emprestada.

Anúbis saiu do banho secando os cabelos com a toalha. Eles pareciam ainda mais escuros enquanto estavam úmidos. Também usava roupas emprestas, embora a camisa ficasse um tanto pequena para ele.

Peter não queria obrigar-se a dizer algo, mas sabia que era sua obrigação, então insistiu:

—Obrigado pela ajuda... Ahn... Sr. Maxfield. –Não sabia ao certo como chama-lo, então decidiu trata-lo com respeito.

—Deixa disso. –Sorriu. –Pode me chamar de Max.

—Eu não consigo acreditar nisso! –Uma voz inconformada aproximava-se do cômodo. –O cheiro daquele carro ficou podre! Não acredito que concordei com essa ideia.

—Relaxa, eu pego um novo pra você. –Max tinha um jeito, por vezes irritante, de simplificar qualquer coisa. Sem se importar com a conversa, caminhou até o armário da cozinha e procurou por um palito de dente, que deixou na boca. Já era familiarizado com a casa.

—Igual o celular que você roubou para me ligar? –Hector estava claramente irritado. –Não, muito obrigado.

—Você que sabe. -Anúbis deu de ombros.

 -Charlie, você não pode ficar fugindo desse jeito toda vez! Principalmente porque sempre sou eu quem acaba te ajudando.

—Admita, a sua vida não é a mesma sem a minha ilustre presença por aqui.

Hector suspirou.

—E agora, o que você vai fazer?

—Não sei. Alguma coisa diferente que me tire do tédio. –Ele pensou um pouco e virou para Peter, que observava atentamente a conversa. -Ei, para onde você vai agora?

—Eu preciso voltar para casa. –Peter não deixava de pensar em como Lana estava. Por sorte, a garota já havia se recuperado e tinha condições de cuidar de si própria. –Mas fica longe daqui, não sei se consigo ir andando.

—Tudo bem, nós damos um jeito. Você vem, Hector?

—Oh, claro. Eu adoraria ser visto por aí com um serial killer e seu amigo foragido.

—Ok, ok... Você sempre perde a melhor parte.

Enquanto o local caía sobre um silêncio absoluto, Peter ficou curioso.

—Hector... Você não se sente incomodado por estarmos aqui? Quer dizer, acabamos de fugir da cadeia.

—Como se eu não estivesse acostumado com isso. A única diferença é que agora ele trouxe um cúmplice que acabou de atingir a maioridade.

—Hector e eu somos amigos há muito tempo, ele sempre quebra um galho. Sem contar que é bom ter um advogado às vezes, mesmo que eu não precise disso.

—Acredite em mim, sem um advogado sua situação estaria dez vezes pior. Embora não tenha como piorar muito. Se bem que isso não faz diferença para você...

—Mas, fala sério, se eu não tivesse te conhecido, você estaria passando fome sem motivo.

—Passando fome? –Questionou Peter.

—Conheci Hector enquanto andava por aí, sem rumo, após ser deixado para trás depois de me recuperar de um incidente. Ele morava na rua e, cá entre nós, sua aparência não era das melhores.

—Eu atuei durante algum tempo como advogado. Não me sentia bem com o que estava fazendo e com o modo como somos forçados a viver uma vida padrão: Trabalhar, conseguir dinheiro, pagar as contas e trabalhar novamente. No começo estava mega feliz por finalmente ter um emprego, ficava eufórico e nem conseguia dormir de ansiedade. Mas depois minha escala emocional acabou decaindo e fiquei péssimo. Não ligava em viver nas calçadas.

—Até os mendigos achavam ele esquisitão. –Anúbis despejava cereais em uma tigela.

—Charlie! –Irritou-se. –Primeiramente, eu nem ficava junto com eles.

—O esquisitão isolado. –Provocou-o.

Peter não conseguiu conter um sorriso de canto. Os dois pareciam realmente grandes amigos. Max, o que não se importava com nada e Hector, o que se importava demais.

—Eu preciso de um tempo para arrumar umas coisas e logo podemos ir pra sua casa, Peter. –Anúbis sentou-se no sofá com sua tigela de cereal, procurando algum canal interessante na TV.

—Faça isso rápido, antes que acabe com toda a minha comida. –Héctor sacudiu a caixa de cereal, que estava completamente vazia.

Enquanto mudava de canais, algo chamou a atenção de Max. A repórter estava em uma delegacia, acompanhada de um delegado que iria dizer algumas palavras em seguida. Ela apresentava a notícia com uma expressão surpresa e preocupada, alegando que, mais uma vez, Anúbis, o Chacal havia escapado da prisão e quem o visse deveria chamar a polícia imediatamente. Charlie sorriu.

—Parece que alguém esqueceu que, dessa vez, o Batman tem um Robin. –Hector fixava os olhos na TV.

—Ele é um assassino famoso. – Lembrou Peter. –Todos estão interessados em saber apenas sobre ele.

—Quer saber? –Disse Max. –Eu adorei essa reportagem. Vocês viram a foto do fugitivo? Não sei como alguém pode ser tão bonito e maneiro ao mesmo tempo.

Hector não tirou olhos da TV, mas Peter achou engraçado.

—Isso por que não é você quem está recebendo milhares de ligações. –Disse o advogado. –Eu preciso de uma bebida!

—Vinho? –Charlie sabia que o amigo sempre deixava uma garrafa em casa, consumindo de vez em quando. –Traga um pouco para mim.

—Você está comendo cereal com leite!

—E daí? –Para ele, isso parecia a coisa mais normal do mundo. – Aposto que fica bom, se misturarmos tudo.

Hector estranhou, porém, achou melhor não questionar. Já estava acostumado com esse tipo de comportamento.

Peter pensava em como seria sua vida dali para frente. Somente se importava em voltar para casa, onde tudo estaria bem e encontraria Lana novamente, que estaria lhe esperando com um sorriso no rosto. Pensava em como seria sua maneira de agir, já que nunca convivera direito com a garota.

Hector lhe ofereceu uma fatia de pão com geleia e ele aceitou. Continuou pensando enquanto mexia na comida antes de dar a primeira mordida. Não sabia ao certo o que fazer depois. Sua vida como fugitivo não era fácil. Talvez tentasse encontrar alguma solução conversando com Anúbis, mas deixaria isso para depois. Agora precisava focar-se em voltar para casa e... Ar! Precisava urgentemente de ar!

Os outros dois olhavam-no, espantados, enquanto o garoto afogava-se com o pedaço de pão. Não conseguia segurar as estrondosas e cômodas tosses que aumentavam a sensação de que ele estava morrendo. Abaixou-se e Hector bateu em suas costas, ajudando-o a se livrar daquilo. Finalmente, cuspiu o alimento que havia ficado preso em sua garganta e sentou-se de volta no sofá, recuperando-se.

—Você tá bem, cara? - Anúbis quebrou o silêncio.

Peter ficou quieto por um tempo, até que enfim tomou uma decisão:

—Eu aceito um pouco de vinho.


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