Elos em Preto e Branco escrita por Quididade


Capítulo 2
Polaroides em sépia


Notas iniciais do capítulo

Oi gente ~
Aqui a última parte da 2-shot (mesmo que seja quase uma one shot à parte)



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Quando o céu se camuflava de tons laranja, o tempo refrescava e o ponteiro do relógio marcava seis da tarde, Sehun andava pela cidade acompanhada de sua melhor câmera fotográfica. Era um passatempo revigorante que carregava certa bagagem histórica e emocional, afinal de contas, tirar fotos fora algo que seu padrasto lhe apresentou.

Fazia parte de um tempo em que nenhuma tentativa de se tornar próximo do enteado dava certo, e nada mais parecia surtir efeito no quadro depressivo do mesmo. Sehun não tinha mais o piano e também não tinha mais o pai, apesar de nunca o ter tido de fato. Ele se lembrava dos olhos esmaecidos de sua mãe piscar lentamente todas as vezes que se sentava ao piano, e forçava as mãos enfaixadas sobre as teclas num desespero retido de se fazer ouvir, de ser liberto.

Ele era pequeno, não entendia a situação plenamente. Mas o pouco que entendia o atordoava; isso e todas as cenas vívidas das chamas lambendo não só o amado instrumento, mas também o progenitor. E Sehun desde sempre nunca fora de falar muito, de se abrir. Ele nunca precisou.

Sehun tinha o piano para falar por ele.

Tinha.

Ele continuava pressionando as mãos feridas sobre o preto e o branco, mesmo que doesse e sangrasse. Não compreendia a situação, e também como poderia? Como explicar para uma criança de sete anos que de repente ela não poderia mais falar? Nem com a boca, nem com os dedos, com o piano muito menos; ele não conseguiria se expressar nem mesmo com seus olhos.

De qualquer maneira seu padrasto apresentou uma nova saída para ele, e como tudo em sua vida, fotografia virou quase uma obsessão. Só perdia para, bem, para Luhan. E é irônico, porque uma obsessão alimenta a outra.

Todas as tardes, quando o céu se torna laranja e o tempo fica mais fresco, Sehun saia de casa e atravessava meia Seul capturando momentos cotidianos de estranhos como passatempo do passatempo. Seu verdadeiro hobby, porém, residia em uma casa amarela de jardim bem cuidado e florido, onde pássaros cantarolavam do raiar do dia até um pouco depois do sol se pôr; na parte mais rural da capital.

Todos os dias ele subia a rua cheia de casas familiares que pareciam transbordar aconchego. As crianças da vizinhança o cumprimentavam serelepe enquanto ele sorria para as mesmas, sem nunca deixar de girar as chaves nos dedos; vez ou outra parava para tirar fotos de Mei Ling, uma garotinha chinesa de cinco anos que poderia facilmente considerar a segunda paixão de Luhan – a primeira, é claro, era ele.

Ele nunca se pronunciava, mas também não havia necessidade de qualquer forma. Era costume afinal, e como praxe, ao abrir à porta a primeira visão sempre era a de um Luhan descabelado e com cara amassada, sonolento, lento e meio mal humorado. Mas ele ainda assim sorria todas as vezes que os fios loiros de Sehun despontavam na porta da frente, acompanhados de um flash.

Sehun gostava de tirar fotos do Luhan recém-acordado, era para um mural pessoal.

Ele também gostava de tirar fotos do Luhan concentrado, do Luhan brincalhão, mas se perguntasse para ele qual era o tipo de foto que mais gostava de tirar, ele com toda certeza responderia as pós-sexo.

Essas eram sem dúvida as melhores fotos de sua coleção pessoal.

Luhan sorriu assim que o flash se apagou – os olhos que já normalmente se fechavam no ato, sumiam totalmente quando ele o fazia com sono.

— Você demorou hoje. — Luhan murmurou em sua voz levemente rouca e bastante arrastada.

Sehun se jogou no sofá, agarrando o controle remoto e ligando a tevê. Ainda sonolento Lu se acomodou ao lado do menor, fingindo não gostar da atitude do mesmo.

— Você age como se estivesse em casa, Oh Sehun.

— E de certa forma eu não estou? — Sehun retrucou. Ele levantou os pés encobertos pelas meias e colocou sobre a mesinha de centro, para enfatizar sua comodidade.

— Está? — Luhan instigou, levantando uma das sobrancelhas inquisitorialmente, desafiando o namorado. Esse, por outro lado, apenas alargou o sorriso e envolveu a cintura do mais velho, trazendo-o para si.

— Ué — Ele exclamou de forma tranquila. Parou de zapear os canais para encarar os olhos miúdos do chinês. — Para mim, “casa” é qualquer lugar onde você estiver.

— Ah, se você soubesse a gama de situações infelizes que essa frase pode pintar...

— Atenha-se a mais romântica e eu terei atingido meu objetivo.

Luhan descolou um a um os dedos de Sehun de sua cintura, tendo um pouco mais de trabalho para afastar as mãos do mesmo quando este percebeu que Luhan abandonaria o sofá. Caminhou para a cozinha – que era separada da sala por uma meia parede, e um conjunto básico de bancadas pretas e brancas com pequenas cadeiras de madeira. Seus cabelos cor rosa chiclete escorregaram com facilidade quando o chinês inclinou-se desajeitadamente para pegar uma chaleira na parte baixa do paneleiro.

— Até parece. — Luhan objetou sarcástico, derramando água na chaleira e a colocando no fogo; café após as seis da tarde era rotina para o sempre atrasado com os deveres e matérias, Luhan. — Nós dois sabemos que você não está aqui para fazer juras de amor, nem para me ouvir tocar piano e muito menos por suas fotografias.

— Descartando tudo isso só vai restar fazer sexo, você sabe, certo? — Sehun brincou, um sorriso marotamente obsceno nos lábios. Luhan revirou os olhos, mas sorriu em resposta.

— Você é ridículo. — Ele declarou. Sehun deu de ombros, aquela declaração também era rotineira, geralmente após o sexo, mas ainda sim rotineira. Ele decidiu brincar um pouco mais:

— Fazer o que? Eu adoro os seus gemidos.

Sehun desligou a tevê e se encaminhou para o pequeno espaço entre o balcão e o fogão, onde Luhan estava, e enquanto o chinês fingia não notar a aproximação, se ocupou em mordiscar o pescoço do mesmo.

Era estimado que apenas cinco por cento do cérebro de Luhan estivesse realmente funcionando naquele momento – na verdade, os amigos do mesmo estipulavam que essa era a porcentagem que funcionava durante todo o dia, todos os dias, já que ele vivia com sono. –, e ainda assim ele ignorava as investidas de Sehun com certa maestria enquanto terminava o seu café.

— Vamos lá — Sehun sussurrou contra o pescoço de Luhan, o bafo quente causando arrepios na espinha do mesmo. — Eu sei que você também adora.

— Hm? — Luhan virou o rosto levemente para encará-lo. Certificou-se de que sua voz sairia em um tom decente antes de continuar: ­— E o que eu adoro? — Sehun abriu a boca para respondê-lo, claramente com alguma gracinha, mas Luhan o interrompeu. — E não vale responder “eu”, e nem “sexo”, a resposta visivelmente não é essa.

Como Sehun apenas sorriu para Luhan – o mesmo maldito sorriso desconcertante, na dose exata da indecente rebeldia e a inocência que compunha Sehun. –, o chinês espalmou sua mão esquerda em um dos ombros do maior e se virou, ficando de frente para o mesmo.

— Você é ridículo. — Luhan reafirmou, mas desta vez compartilhando do sorrisinho.

Sehun retornou para o centro da sala, pegando sua câmera fotográfica que largara no sofá e tirou uma foto das costas desnudas de Luhan.

— Eu quero fotografar você.

— Quando você não quer.

— Você é a obsessão que alimenta minha outra obsessão. — Ele redarguiu não se importando com a sinceridade. Levantou a câmera outra vez, captando a imagem de um Luhan desnudo e vermelho, com uma xícara fumegante de café em mãos.

— Para com isso — Luhan pediu, levantando um das mãos até o rosto como se o ato realmente impedisse o mais novo de registrar o momento.

Sehun bufou, sentando-se no sofá outra vez. Ele desatou a mexer e remexer nas configurações da câmera por um tempo – e Luhan utilizou esse momento silencioso para jogar uma camiseta de botões sobre o corpo (mas não abotoou, ele nunca abotoava), e abrir um caderno qualquer sobre uma matéria desinteressante.

— Eu quero fotografar você — Sehun murmurou novamente, assustando Luhan com a proximidade. Ele puxou uma cadeira e sentou-se ao lado de seu hyung.

Luhan acariciou de leve os cabelos de Sehun, visando aquietá-lo, sem sequer olhá-lo – porque uma vez dentro de sua bolha de centralização, era complicado tirá-lo. Quase nada na terra perturbava a sediciosa concentração de Luhan, a não ser, é claro, Oh Sehun.

— Hyung... — Sehun pirraçou. — Me deixa te fotografar. — Pediu mais uma vez, fazendo beicinho. ­ — Depois eu juro, vou embora. Daí você estuda na sua tão gloriosa paz, mas me deixa te fotografar.

— Mas você tirou um punhado de fotos minhas desde que entrou. Por que raios você precisa de mais fotos minhas descabelado, sonolento e malvestido?

— Eu não quero esse tipo de foto. —Sehun contrapôs. Ele se inclinou em direção ao pescoço de Luhan mais uma vez, e plantou um beijo seguido de um sopro.

Luhan riu – uma risada curta, quase seca. Largou o lápis sobre a mesa e encarou a câmera em um das mãos do loiro.

— Fotos para a coleção especial, mas é claro.

— É claro — Sehun concordou. — Eu amo fotos suas de qualquer tipo, mas preciso manter uma boa coleção de momentos inesquecíveis e bem, nada mais inesquecível que um Luhan descabelado, despido e ofegante.

O mais velho correu os dedos entre os fios róseos e se pôs de pé, sendo seguido por olhos curiosos durante todo trajeto da sala até o corredor pequeno – quase minúsculo – que dava acesso ao quarto e ao banheiro. Luhan parou de repente, virando-se para Sehun com um sorriso meio divertido nos lábios.

— E então? — Ele disse — O que está esperando para vir comigo, um convite?

— Quer que eu vá tomar banho com você?

— Por que parece tão chocado, você não quer suas fotos?

Os lábios de Sehun repuxaram-se para um lado só, num sorriso matreiro. O rapaz ficou de pé, indo até Luhan resmungando uma resposta:

— Acontece que eu achei que faríamos isso no piano outra vez.

— Esse não dá para ser sempre o nosso cenário, Sehun. — Luhan redarguiu — Vez ou outra um pouco e respeito com o pobre piano é bom.


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Notas finais do capítulo

Comentários movem montanhas! E são recomendados por 5 de 5 médicos contra o bloqueio de escritor, não deixe de ajudar! (q)

Falando sério, eu não mordo. Vocês podem comentar sobre esse capítulo ou sobre a 2-shot inteira; podem - é sério,podem mesmo - criticar. Eu sou um doce de pessoa :3



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