Sopro de Primavera escrita por Lorena Luíza


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

E lá vou eu tentar escrever algo sobre Harvest Moon outra vez, dessa vez algo não original! Espero que gostem de tudo. Tentei intensificar os sentimentos da Nami e colocar um pouco de drama, então por favor fiquem tão tristes quanto eu fiquei ao ler isso. Espero que gostem.



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Pelo ar que pairava sobre o vale, era possível ver a excitação e felicidade de todos os moradores dali naquele amável dia do começo da primavera. Um doce casal de pombinhos passeava de mãos dadas por entre as poucas moradias do lugar um tanto isolado, exalando felicidade em suas palavras de "nós nos casaremos" e contagiando todos os cidadãos com toda sua alegria e amor. As pessoas sorriam, batiam palmas e elogiavam o lindo casal, contentes pela felicidade iminente daqueles dois jovens que combinavam e se pareciam tanto. Faziam questão de deixar muito claro o quão felizes estavam por terem sido convidadas ao casamento de Celia e Antony, que, como diziam, pareciam ter sido feitos um para o outro; as personalidades doces, o gosto pela vida simples na fazenda e o contato com a natureza, a gentileza com a qual tratavam todo mundo... Ah, aqueles dois se mereciam, definitivamente se mereciam, e todo o vale estava muito feliz por terem finalmente ficado juntos de verdade.

Todo o vale, exceto Nami.

Nami não estava feliz.

Não tinha motivos para isso.

Ela, à espreita na varanda do segundo andar da hospedaria, olhava aquela movimentação no vale com lágrimas teimosas insistindo em brotar dos olhos cor de céu. Desde o começo, desde o dia em que colocara o olhar em Tony e fora tocada pelos gestos e modos encantadores do rapaz, não esperava que tudo fosse acabar daquela forma. Não fazia sentido, não podia estar sendo assim... Por que quem estava ali, contagiando todos com as boas notícias, era Celia e não ela? Nami não havia feito nada errado para Tony tê-la trocado, havia?

Muito tempo atrás, quando visitara a fazenda e perguntara à Tony se poderia passar um tempo lá apenas observando a paisagem e obtivera um sorriso em resposta, não era aquilo dele que ela esperava. Nami esperava que ele jamais fosse se incomodar com sua presença e até querer vê-la por ali, olhando as árvores ou os animais no pasto, fazendo assim parte do cenário simples e acolhedor da fazenda o tempo todo.

Há não tanto tempo assim mas ainda muito, ao conversar com Tony sobre seu passado e os motivos de ele estar ali no Vale Não-Me-Esqueças, contar também suas razões de estar naquele lugar e receber um sorriso ainda mais encantador em resposta, definitivamente não seria aquilo que se passaria em sua cabeça. Nami pensara que ele se importava com sua história e com o que já acontecera com ela até então, que dava importância para o passado dela tanto quanto ela dava para o dele.

Não muito tempo atrás, quando ela desaparecera por algumas horas e Ruby e Tim saíram para procurá-la e Tony mostrou-se imensamente preocupado com o fato de ela poder ter ido embora, de modo algum ela pudera imaginar que, no final, as coisas acabariam daquela forma. Nami achara que aquilo havia sido simplesmente a confirmação de que o rapaz se importava de verdade com ela, que prezava por sua presença e que não queria se imaginar sem a garota por ali.

Pouco tempo atrás, quando ela recebera mensagens e ligações de seu pai, começara a ficar sem dinheiro, a procurar um emprego de todas as formas e recebera um "sim" encorajador ao pedir ajuda para Tony, ela imaginou que tudo ficaria bem mesmo que não tivesse se saído muito bem na fazenda — mas não pensou que aquilo acabaria acontecendo. Teve certeza de que teria seu apoio e que seria encorajada a não desistir, que sua história em Não-Me-Esqueças não acabaria por tão pouco.

E quando, recentemente e já tendo desistido há muito tempo de arrumar um emprego, ela admitira para Tony que estava praticamente sem dinheiro e disse que ia embora? Quando isso aconteceu, ela o teve ao seu lado em todos os momentos, dizendo que tudo ficaria bem e que ela poderia sempre contar com ele. Deixou claro que Nami era sua prioridade, que não deixaria de modo algum que ela tivesse uma dificuldade por mais mínima que fosse e que faria de tudo para mantê-la no vale.

Disse que ficaria com ela para sempre.

E agora, ali estava ele, fazendo o caminho de volta para a fazenda com os dedos delicados de sua noiva entrelaçados aos seus e um sorriso tão doce quanto os que mostrava à Nami nos lábios. A cena fez o estômago da garota de cabelos vermelhos embrulhar-se como se tivesse levado uma pancada. Ao sentir os olhos do moreno e sua quase-esposa sobre si, Nami virou-lhes as costas no mesmo momento, entrando em seu quarto do hotel e batendo a porta em seguida.

Seus olhos transbordavam mágoa e raiva enquanto ela puxava com indelicadeza as gavetas do armário pequeno, abria as portas do objeto e jogava de qualquer jeito suas roupas leves e não muito femininas sobre a cama. Estava tão irritada, mas ainda assim tão triste...! Era esse o poder que os atos de Tony exerciam sobre ela, afinal?

Pegando seus pertences sob a mesa de centro e colocando-os de qualquer modo num canto da mochila leve, percebeu no final das contas o que havia realmente acontecido e de quem era a culpa. Era dela, mais dela do que de qualquer pessoa. Ela vinha se enganando até então, não vinha?

Desde o momento em que chegara ao vale, seus pensamentos vinham sendo tão equivocados e impensados que Nami quase não conseguia crer que acreditara naquilo um dia. O que ela vinha pensando ao achar que sua vida de viagens terminaria ali, naquele vale e com aquele rapaz e pessoas? Tim, Ruby e até o Gustafa eram incrivelmente gentis, de qualquer forma, mas pensar que Tony poderia querer algo com ela havia sido uma estupidez imensa — além disso, ninguém além dele, de Gustafa e do casal dono da hospedaria olhava direito para ela.

O que ela era perto de Celia, afinal?

Celia era doce, absurdamente meiga, linda e cheia de talentos. Cozinhava bem, entendia de plantas e se dava bem com todas as pessoas. Era tão doce e sociável que chegava a ser um absurdo apenas compará-la com Nami, já que a outra garota era silenciosa, não muito bem humorada e nem mesmo sabia muito sobre o Vale Não-Me-Esqueças, além de não ter nem mesmo dez por cento de toda a graça e feminilidade de Celia. Nem daquele lugar Nami era, no final das contas. Tony provavelmente pensava nela apenas como uma vagabunda que não fazia nada da vida além de viajar às custas do pai.

Ela não lhe valia nada, de qualquer forma. Ter vindo para aquele lugar, conhecido aquele rapaz e ter se apegado tanto à tudo haviam sido os piores erros que ela poderia ter cometido. Ela não queria mais nada dali, nem ao mesmo ainda ter em sua cabeça uma das memórias boas que havia conseguido ao decorrer daquele ano repleto de enganações que passara em Não-Me-Esqueças. Ela queria, ironicamente, esquecer-se de tudo.

Andou com raiva até a mesa ao lado do armário, pretendendo pegar seu pequeno rádio de pilha e deparando-se com seu diário de viagem azul marinho. As folhas estavam reviradas, cheias de rabiscos e desenhos bobos; Nami não era cuidadosa com aquele caderno e anotava uma coisa ou outra de interessante que via em suas viagens, mas detonara o objeto ao chegar no vale e conhecer Tony.

Não tinha tempo para isso e queria sumir dali o mais rápido possível, mas pegou o diário e sentou-se em sua cama muito bem arrumada por Ruby. Suas lágrimas já saíam sem que ela percebesse, e Nami não tentou em vão secar a página quando as gotas quentes e salgadas mancharam algumas linhas da mesma. Abriu o pequeno caderno numa folha aleatória dele, deparando-se com várias letras riscadas, garranchos e espirais sem sentido.

"Tony é um idiota. Empurrou-me uma flor hoje, daquelas azuis e vermelhas que crescem próximas à lagoa da tartaruga, e quis me dar mesmo que eu não tenha dito que a queria para mim — mesmo que eu quisesse.

Eu não consigo entendê-lo completamente mesmo agora, que já nos conhecemos há algum tempo, e até então não sei o que ele vê em mim ou imaginar o motivo de estar sempre querendo me agradar. Por mais que ele não se pareça em nada comigo, de certa forma sua gentileza me alcança como a de ninguém nunca alcançou. Está tudo tão errado, já que eu nunca senti isso, mas ainda parece tão certo. Talvez ele seja a pessoa certa.

Eu... Eu me sinto assim sobre ele.

Não entendi ainda o que é.

Só tenho certeza de que é quente.

Muito quente.

♥ ♥"

Um sentimento quase desconhecido subiu pelas entranhas de Nami enquanto ela relia a anotação, lembrando-se do dia e das flores que recebera diariamente de Tony no outono. Ela não era uma grande fã de flores, mas aquelas em especial e algumas que floresciam no inverno lhe agradavam de alguma forma. Não sabia dizer se era por estar recebendo-as de Tony ou não, mas gostava delas de um jeito ou de outro. Em silêncio, mas convulsionando por dentro, olhou para o pequeno vaso sobre a mesa de centro com os cabos murchos de várias delas ainda em seu interior.

Podia ouvir, mesmo dentro de seu quarto no segundo andar, as vozes de Celia, Tony, Ruby e Tim conversando lá fora. Ela amava as vozes de todos, mas sabia que ficar ali escutando tudo lhe magoaria ainda mais, mesmo que isso já quase não fosse possível. Com os olhos ardendo e uma expressão desgostosa, Nami voltou a colocar suas coisas dentro da bolsa, jogando o diário rabiscado numa lata de lixo próxima e evitando olhá-lo por ora.

Despediu-se da grande árvore no canto do quarto, do instrumento musical sobre a mesa debaixo da janela e do quadro esquisito da parede, colocando sua mochila cinza e simples nas costas. Havia muito tempo que não sentia o peso de sua velha companheira em suas costas, e agora senti-lo ali a fazia sentir-se mal. Evitara o máximo possível pensar em deixar o Vale, mesmo quando estava praticamente sem um tostão furado nos bolsos da bermuda, mas agora aquilo era o que ela mais via como necessário no momento.

Ao esticar o braço para pegar na maçaneta da porta, Nami percebeu o quão trêmula sua mão estava. Irritada consigo mesma, ela balançou negativamente a cabeça e girou a maçaneta, abrindo a porta e saindo do quarto que já não seria mais seu com passos pesados e impacientes. Desceu as escadas rapidamente depois de deixar o que tinha de dinheiro sobre a cama, ainda escutando vozes do lado de fora, e então foi até a cozinha.

Definitivamente sentiria falta da culinária incrível de Ruby, Nami pensou magoada enquanto passava o olhar pelos conjuntos brancos de pratos que estavam organizados na prateleira da parede, mas a saudade que sentiria da comida não se compararia ao que sentiria de tudo e de todos. O que seria dela sem Ruby e Tim, suas figuras materna e paterna, Gustafa e suas melodias encantadoras, Griffin, Muffy e seus drinques maravilhosos? O que seria dela sem Tony?

Mas estava cansada do que havia acontecido, de qualquer forma. Preferia nunca mais vê-lo a permanecer no vale e ficar diante das cenas de ele e Celia jogando na cara de todo mundo o quão felizes estavam, definitivamente preferia.

Lembrando-se daquilo e sentindo o sangue borbulhar em suas veias, a garota abriu a porta dos fundos que ficava ao lado da geladeira da cozinha e saiu, recebendo os raios fortes do sol da primavera direto em seu rosto. Percebera que as vozes próximas haviam cessado, e agradeceu os deuses por isso enquanto pulava sem muita dificuldade a cerca não muito alta ao redor do hotel.

Nami pretendia sair imediatamente de Não-Me-Esqueças, despistando possíveis despedidas que a fariam apenas sentir-se pior, mas não pôde evitar que seus olhos faiscassem ao ver a praia ao sul da cidade separada de si por apenas algumas dezenas de metros. Tentando não olhar para a cabana de seu amigo Gustafa logo ao lado, Nami pôs-se a caminhar até a praia, com a alça fina da mochila sendo castigadamente apertada sob os dedos.

Por sorte, não havia ninguém olhando o mar quando ela se aproximou, nem mesmo Kassey, Rock, Cody ou Patrick. Nami sentiu a brisa da primavera recém chegada afastando seus cabelos vermelhos do rosto, beijando sua face com intimidade. Ah, aquela brisa. Ela jamais sentira um vento tão acolhedor e relaxante como o que lhe tocava naquele vale, tampouco vira uma praia tão vasta ou um céu tão puro, limpo e azul.

Mesmo que estivesse com pressa momentos antes, permitiu-se tirar os tênis azuis e refrescar os pés na imensidão gelada do oceano. A água fria despertou-lhe os instintos, e a areia grudenta passeou nas fendas entre seus dedos. Adentrou um pouco mais o mar, dando leves chutes na água e sorrindo para ela ao ver as partículas voando livres no ar, e então agachou-se. Formando leves ondinhas, Nami balançou a mão muito branca para lá e para cá, sentindo a água passar suave e gélida por entre seus dedos.

Sentiria tanta, mas tanta falta daquele lugar, daquela praia, daquela água e do sopro do vento a afastar os cabelos de seu rosto...

Não havia como negar, mesmo que coisas ruins tivessem acontecido, que as memórias adquiridas em Não-Me-Esqueças eram as melhores que já tivera a sorte de ter em toda sua vida. Os festivais com todas as pessoas, os passeios sem compromisso na fazenda de Tony, as madrugadas de bebedeira no bar de Griffin...

Aquele lugar era sua casa.

Aquela era sua família.

Aquele era seu destino...

Ou não era?

As lágrimas, tão salgadas quanto o mar, rolaram outra vez pelo rosto de Nami enquanto ela sorria para as ondas e para o céu bondoso. Levantou-se já sem conter o choro compulsivo, escondendo os olhos com o braço e se sentindo uma criança frustrada. Era assim que terminava, de qualquer forma, mas ela sabia que não podia esquecer de tudo — não queria mais esquecer.

Era assim que ela era. Cheia de contradições, de pensamentos intragáveis e atos impensados. Uma hora, queria mar. Minutos depois, implorava pelo céu com lágrimas nos olhos.

De pé, permitiu-se aproveitar o sopro do vento apenas mais uma vez, buscando manter a sensação refrescante e aconchegante dentro de seu coração para nunca mais esquecê-la. Respirou fundo, fechando os olhos e deixando os cabelos esvoaçarem. Pela última vez e sorrindo, murmurou a pergunta que sempre fazia à si mesma, como se a resposta fosse cair do céu ou então ser trazida pelo mar:

— De onde vêm as ondas?

Deu risada de sua própria estupidez, ainda com os olhos marejados, e então recolocou os tênis nos pés úmidos e cheios de areia. Virou as costas para o mar, mas logo olhou para trás, encarando o céu de novo.

Pela última vez.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. É a primeira oneshot que escrevo. E sim, eu mudei algumas coisas (principalmente nos heart events), mas está tudo de boa e dá para entender certinho.Obrigada por ler! Nami e eu agradecemos.