Eternal escrita por Rausch


Capítulo 2
Capítulo 1 - I'm goin back to the start


Notas iniciais do capítulo

"Ela não era um monstro, ela era apena uma garota." - Carrie: A estranha



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Faltava tão pouco para tudo aquilo acabar, em sua mente podia sentir o crescimento constante da sensação de liberdade. Odiava os corredores, odiava os aspectos arquitetônicos, odiava as pessoas, não tanto quanto odiava à si mesmo, mas odiava. Por vezes, durante a infância, pensou em juntar as coisas e fugir de casa, apenas por não aguentar mais o lugar que deveria ser para protegê-lo e acabava por pregar uma ideia tão contrária quando o fato 1 somado com 1 ser 3, aliás, existia mesmo aquilo? Julian Rodriguez observou o reflexo no espelho uma última vez, dando-se uma última oportunidade para se considerar insuficiente diante do pensamento.

O fundo vermelho atrás de si e toda a decoração do lugar, nem ao menos o fazia inspirar-se para dar um necessário sorriso. Só queria mesmo pegar o diploma e dar o fora dali, o que ainda levaria duas semanas. Segurou o canudo em mãos e o girou entre ambas:

– Podes sorrir um poco mas? – A pergunta do fotógrafo o estimulou a pensar numa resposta ofensa, no entanto, ele a guardou e esticou os lábios da melhor maneira que pôde.

Os flashes e câmeras foram algo tão costumeiros desde a infância quanto assistir Hora da Aventura, ser filho de alguém famoso nacionalmente te dá este tipo empírico de conceito. Por vezes chegou a acreditar que nunca as coisas tratavam-se dele, mas sim, sobre o que sempre falavam “Nossa, você é filho de Lito Rodriguez, deve ser ótimo. ”, ou, “Seu pai é muito talentoso, você tem tal talento”. Engolia simplesmente os ditos e seguia em frente, pois já erma poucas as coisas que faziam diferença em sua vida, aliás, sua vida era uma diferença. Tentando livrar-se da situação que o incomodava, encostou cuidadosamente o canudo na ponta do chapéu de formando e deu um sorrisinho satisfatório, fingindo a alegria que nunca ousou conhecer naquele âmbito. Devo mencionar, sem me esquecer, de que a mídia o amava? Pois o fazia com cada vez mais convicção. Julian chegava a chamar mais atenção do que o pai em muitas premiações e estreias, e segundo os jornais, ele parecia um nome promissor do progenitor, mesmo que não demonstrasse tipificação talentosa alguma. Seu sorriso era a chave da admiração das garotas (e dos garotos).

– Si, agora! – Disse o fotógrafo – A melhor foto, podemos fazer outra?

– Não, chega! Obrigado, mesmo. Não estou muito, digo, inspirado. Obrigado, mais uma vez, fez um ótimo trabalho.

Julian levantou-se da cadeira e deixou a sala da maneira mais rápida que encontrou. O clima quente daquela manhã muito o agradava, apesar da preferência pelo frio. O menino retirou o chapéu e ao observar pelas frestas das pequenas janelinhas do espaço, viu os raios de sol, que intrusos adentravam aquele lugar. Poderia ir para casa, uma vez que, não haveriam mais aulas no dia. Acordava todos os dias pensando na hora do retorno. Enquanto caminhava sossegado pelo corredor, pôde sentir algo atingir suas costas, bem leve, não machucou, porém, o fez virar-se. Marcelo e sua gangue de mais dois o observavam, a cena mais comum de todo o ensino médio. Nunca esqueceria todas as atrocidades daquele grupo, como colocar sua cabeça nos vasos ou empurrar-lhe quando passava pelos corredores, mas a vontade de ir embora era tão grande que ele deu às costas, colocando os fones de ouvido. Charli XCX emitia as batidas undergrounds e ele ergue o dedo médio para trás no ritmo em que ela pronunciava “Famous”.

Nunca teve amigos, nem tampouco sabia o significado disto, uma vez ou outra era convidado para um aniversário de um colega de classe, mas na intenção de levar seu pai. Na verdade, só queriam o brilho de uma estrela, e nem mesmo ele os culpava. Passou a não se importar com as pessoas, mesmo que isso não alterasse o que sofria na escola. Não teve oportunidade para abaixar o dedo, o fizeram por ele. Sentiu a mão puxar violentamente o braço para trás e a perna o derrubar no chão, permitindo eu os fones saíssem de seus ouvidos. Por pouco a cabeça não bateu no chão, protegeu-se com as mãos. O canudo foi parar há metros de distância:

– Mariquinha, não é assim que deve se comportar diante dos Reis da escola. Não queira fugir da regra nos últimos dias, cariño. – Debocharam com o tipo de tratamento que uma vez ouvira o pai usar para ele quando criança.

– Me deixa em paz, eu não fiz nada com você, Marcelo. – Disse tentando pôr-se de pé.

– Segura ele, pessoal. – A ordem foi clara.

– O que você tá fazendo? Me solta. – Os braços dos dois ajudantes o seguraram forte.

– Vai chamar seu pai? Manda ele trazer os cabos de aço para coreografar para a gente. – Marcelo debochou puxando um pequeno pote de plástico da bolsa.

Julian ainda tentou usar da pouca força diante da situação, porém, cada vez mais tinha seus movimentos reduzidos. A cor vermelha forte o fez pensar em tantas coisas, sobretudo no que poderia contar ali dentro, ele era alérgico à tinta guache:

– Sabe, você sempre foi a nossa Carrie, não seria justo acabar e não fazer com você a cena mais icônica, não é bastardinho? – Abriu o pote e achegou-se ao menino que se debatia. O rapaz ossudo e alto o encarou nos olhos e ao posicionar acima da cabeça de Julian, deixou que o líquido escorresse por seus cabelos, primariamente, e depois, por seu rosto e corpo.

Sentindo toda a humilhação daquele momento, Julian se viu com exatos oito anos, pois tinha certeza de que era realmente estranho e aquele era o limite de um castigo para sua estranheza. De fato, aquilo era sangue de porco. O estômago deu um nó, as pernas bambearam. Ao ter o corpo e as roupas praticamente encharcados pela substância nojenta, ficou parado a tremer, enquanto que Frank, o amigo que o segurava junto com Hugo, o empurraram no chão e começaram a deferir chutes no mesmo. Colocou os braços a circundar o tronco e a cada pontada era capaz de ver a sua imagem criança e com a mochila nas costas, apenas pedindo para não ter de ir à escola. Gemeu diante de alguns chutes e quando os seus carrascos os cessaram, respirou.

– E tenho certeza que é incapaz de nos matar eletrocutados, viadinha. Vamo, galera!

O que faria ali? Como chegaria em casa daquele jeito? O que diria para os pais? Pela primeira vez não havia traído roupas extras para a escola e as que tinha estavam embaixo da beca, ou seja, encharcadas por sangue. A violência começou quando tinha dez anos, e de lá para o presente acontecimento, ele jamais teve a coragem de dizer nada em casa. Iniciou com pequenos comentários maldosos sobre seus pais, mas depois, acabou se tornando apenas sobre ele. Julian achava-se incapaz de magoar Hernando ou Lito com os comentários sobre eles, ou sobre até mesmo ele próprio. Achava que o amor era tão puro que era maior do que todas as coisas, inclusive a dor das pancadas que passou a aguentar com o tempo.

O rapaz se levantou com o que restava da sua imagem e por uma coincidência horrenda do destino, pôde contemplar a face estampada no reflexo da geladeira de refrigerantes. Exatamente da forma que se via por dentro, e foi bem pior ver aquilo do lado de fora. Abraçou a si mesmo naquele lugar desértico e guiou os passos lentos e dolorosos até a saída da escola.

(...)

Malika permitiu que Kala ajeitasse os brincos novos em sua orelha. Já não era mais uma criança, todavia, para a mãe continuava a ser a infante que necessitava de seu irrevogável cuidado. Sua flor de lótus era tão preciosa, e o primeiro fruto daquele casamento que surgiu em sua vida de forma tão tempestuosa, e que partiu tão rápido quanto. A pele cor de amêndoas era espessa, tão bela como a superfície das pétalas da flor que a apelidava carinhosamente. Fora ela havia Raj e Ramal, os irmãos gêmeos e mais novos, no entanto, a mãe se ligava tanto com ela que era quase como uma telepatia diferente.

– Mamãe, sabe que não precisa fazer estas coisas. Acho que já sou grande o suficiente para o fazer.

– Shh, pequena. Você ainda é uma pequena para mim. – Mexeu em sua trança e colocou em frente ao ombro esquerdo.

– Sempre acho que está tentando me transformar numa outra você, como se precisasse de uma gêmea, mãe. – A menina comentou.

– Por que eu faria isso, quando tenho uma filha tão maravilhosa? Você é melhor do que eu. Vai ser uma médica fantástica, minha bela flor – Beijou ternamente o rosto da filha – Sabe que em comemorações em família a aparência deve estar perfeita, e não esqueça de purifica ro seu interior com as vibrações de Ganesh.

Reparou no sari verde e laranja que trajava, cada minuciosidade. O ouro que adornava vossos pulsos, vosso pescoço. Podia ela ser tão valiosa quanto aquelas joias. Encarou o reflexo no espelho e a mãe repetiu o mesmo, vendo-a por trás. A farmacêutica fez o que pode para que os filhos prosperassem na vida, sobretudo após o término do casamento. Sabia o que significava se separar daquela maneira e como seria julgada por tantos da sociedade, no entanto, acreditava ser a primeira decisão coerente de toda uma vida. Malika adorava o pai, os gêmeos o adoravam, porém, Kala demorou tanto para perceber e ter a coragem de deixa-lo, que foi difícil por um tempo para as crianças. E em todas as vezes que contemplava o semblante de Lika, percebia o quanto a vida reproduz histórias, e deseja, acima de tudo, que a da filha fosse diferente.

– Não vai se arrumar, mama? – Perguntou Malika ao girar o sari.

– Claro, vou sim.

A questão de segundo foi tão surpreendente, que Kala não teve a oportunidade de sair daquele quarto. A lágrima que escorreu do olho da filha a fez parar, e a primeira lágrima puxou as outras. Os braços de Malika circundaram vosso corpo, a desolação passou a tomar conta dos olhos, jogando para o fundo qualquer admiração pela vestimenta ou pelas joias. Soluçou ao adentrar na atmosfera do choro. Pensou no pai ao sentir isso, e na vida que não tinham mais juntos, mas ela sabia que não estava chorando por aquilo. Os braços da mãe acalentaram afilha:

– O que houve, meu amor?

– Eu sinto tristeza, mamãe. Me desculpe. – A mulher colocou a filha contra o seio e afagou os cabelos – Me perdoe, mamãe. Eu sinto dor, uma dor dentro, muito grande.

(...)

Bateu atrás de si a porta, demorou mais e meia hora para ter a coragem de entrar no apartamento. Havia enxugado as lágrimas que derramou enquanto caminhava de volta, a escola se fazia próxima de sua casa. Sentia frio, o clima tinha mudado subitamente, e o sangue ia coagulando em seu corpo. Os cabelos estavam estragados, o rosto estava manchado fortemente de vermelho. Bateu a porta, arrastou os passos, gostaria de se trancar no quarto o quanto antes, amarrar-se na ilusão do seu mundo feliz, um mundo no qual havia apenas ele, um lugar ronde a realidade era o maior inimigo, e onde a felicidade inexistia, exceto quando via Robbie. Correu pela escada lateral:

– Julian!

O corpo gelou e os passos pararam subitamente.

– Estávamos esperando você para saber como foram...

O menino automaticamente virou-se na direção da voz do pai. A boca escancarou-se à medida que os olhos pareciam não caber mais no rosto. O rosto de Lito empalideceu-se ao contemplar a imagem, e logo em seguida, outro rosto também se espantou, o de Hernando ao vir da cozinha:

– O que fizeram com você, filho? – O primeiro tomou frente ao caminhar na direção da escada.

– Não chegue perto de mim, por favor. Por favor. Eu estou horrível. – Chegou a soluçar, antes mesmo de chorar.

– Tem de falar quem fez isso com você. Isso é um ato monstruoso. – Hernando passou na frente do outro, mas o menino subiu um lance da escada.

– Eu não acredito que isso tá acontecendo. – Lito colocou as mãos fronte ao rosto.

– Eu acho que descobri meu talento, papai. Eles disseram que eu sou a Carrie, sabe, a estranha. – Virou as palmas das mãos, no mesmo movimento que a moça ao ser suja pelo sangue de porco. E então chorou – Eu não sou um monstro, sou? Deixa para lá. – Disparou à passos largos pelas escadas e a cada lance que subia, as lágrimas aumentavam, trancou-se, por fim, no quarto.

Encontrou a porta do banheiro o mais rápido que pôde e ouvindo os gritos desesperados dos pais na porta, ele ignorou, enquanto rasgou as roupas da maneira mais violenta que conseguiu encontrar. Possuía tamanho nojo de si mesmo, sem mencionar a vergonha que nunca viria a esquecer. Estando completamente nu, Julian abriu o chuveiro do seu banheiro e deixou a água bruscamente moldar o seu corpo, o sangue escorreu lentamente, causava marcas em seu rosto, e na mistura entre o sal das lágrimas, a água e o sangue, perdeu-se o menino em prantos. Encostou na parede gelada, escorregou até estar sentado no chão frio e deixando que a água percorresse cada centímetro de seu corpo machucado. A mão o tocou com suavidade, e ao levantar o rosto, Robbie o olhava com lágrimas nos olhos.

– Eu sinto muito. Sinto de verdade por estar longe, eu te amo garoto.

– Me salva, me tira daqui. – Disse com a voz falha.

– Logo. Eu prometo.

E sumiu, e o choro retornou em sua solidão dolorosa.


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Notas finais do capítulo

Sei como dói ler coisas assim, me sinto machucado por escrever, mas se tem algo que aprendi, é que temos de mostrar a verdade e esperar fazer a diferença disso. É triste saber que vivemos num mundo como este e onde atos como esse podem acabar com um ser humano. Deixem seus comentários e até logo. Thanks.



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