Palavras de Heagle II escrita por Heagle


Capítulo 7
Decepção, parte 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/627852/chapter/7

Seven Devils - Florende and the Machine

Um dos momentos mais difíceis da minha vida desde que retornei à casa de meus pais foi ter que ouvi-los questionando se Matthew era o noivo que eu havia “arranjado” em Londres. Sem cabeça para discussões, mesmo sabendo que não poderia evita-las, acenava que sim. Aquele era meu noivo de Londres.

– Você tem coragem de trazer esse marginal para nossa casa? – gritou meu pai, dando um soco na parede. Varando seus 60 anos, deveria tomar mais cuidado... poderia quebrar a mão novamente.

Mas na hora nem pensei em alertá-lo disso. Era muito estranho, sentia-me em um universo paralelo. Uma impressão que ficara dentro de mim desde que eu e Matthew havíamos engatado um relacionamento. Dava a impressão que havíamos perdido nossa essência, a nossa personalidade, e que tudo aquilo que estávamos vivendo era apenas uma projeção de nossas mentes. Estilo Matrix, entendem?

Matt já não parecia ser o mesmo. Eu idem. Nem mesmo Syn continuava com aquele semblante brincalhão, parecia sempre depressivo. Essas mudanças faziam com que eu acreditasse que tudo era um pesadelo e que logo passaria.

Mas um ano passou e o pesadelo não acabou. E eu estava ali, diante dos meus pais estupefatos e revoltados, apontando ofensas para a cara do meu noivo... que eu já nem sabia mais se continuaria sendo meu noivo depois disso.

Matthew não entendia muito bem o português... mas deduzia, pelos pingos de cuspe que meu pai lhe lançava entre um berro e outro, que estava sendo ofendido. E, automaticamente, acirrava os punhos e olhava para mim, procurando uma reação. E eu sequer fiz isso para protege-lo. Deixei que continuassem, afinal, os argumentos não estavam tão errados assim.

– Esse rapaz é um drogado que quase te matou, pensa que não sabemos a história, MARIETTA! – gritou minha mãe, sendo amparada pelo meu irmão, que acabava de chegar do serviço.

– Mãe, calma. – pediu, segurando-a pelos braços. Ele lançou em minha direção um sorriso e um aceno, como se tentasse amenizar aquela situação totalmente constrangedora. Não conseguiu.

– CALMA? NÃO CONSIGO TER CALMA DIANTE DISSO! – disse ela em resposta. – Veja bem, Marietta... você larga seu marido, por causa de uma traição idiota e boba, para ficar com um cara que quase te matou? Como quer que aceitemos isso?

– Não aceitem, só isso. – resmunguei, passando a mão pela testa suada. Virei o rosto bruscamente... o olhar apreensivo de Matthew já estava me irritando. – Eu não tenho mais 17 anos, não precisam encher o saco com isso.

– Agora Hugo está morrendo em um hospital por sua culpa.

Isso já era demais para mim. Já não me bastasse a culpa de estar submetendo Matthew a uma situação extremamente desagradável, agora teria mais uma: Hugo morreria por minha culpa. Isso é ridículo, se formos analisar, mas como a idiota aqui estava em circunstancias deploráveis... acabei acatando a acusação.

Hugo morreria por minha culpa.

– Foi bom saber disso. – foi o que respondi, agarrando minha bolsa com agressividade de cima do sofá. Minhas malas, postas perto da porta, foram chutadas logo que sai de casa, berrando à Mel que reservasse vagas em qualquer hotel da cidade. Não aguentaria ouvir meus pais falando de Matthew e Hugo mais nenhum minuto.

Eu já fazia isso o tempo suficiente.

– Não está pensando em ir ao Hospital, espero. – gritou Mel, descendo as escadas da entrada de casa rapidamente. Eu já estava na rua uma hora dessas. – E nem vai deixar aqueles rapazes ali sozinhos com seus pais. Marietta, vão soltar a cachorra atrás deles!

– Fica quieta, Mel, pelo menos uma vez nessa vida. – gritei, tentando encontrar o telefone na bolsa. – Cadê essa porra, cadê?

– Marie, pensa no que está fazendo, você não pode pensar apenas em ti... olha aquele ogro ali que você tanto ama! Está ali levando ferroada do seu pai sem ao menos entender MERDA NENHUMA. MARIETTA, OLHA PARA MIM QUANDO FALO CONTIGO!

– ME DEIXA EM PAZ, MEL! EU SÓ QUERO VER HUGO!

– E POR QUE DIABOS VOCÊ QUER VÊ-LO TANTO?

A pergunta me pegou de surpresa. Nossa gritaria, em meio a rua, havia chamado atenção daqueles fofoqueiros do vizinho. E, infelizmente, das pessoas que estavam dentro da minha querida casa azul. Necessariamente um ogro de quase dois metros que surgiu na escada exclusivamente para ouvir minha resposta.

Senti a dor nos olhos dele quando eu disse, em tom alto:

– Porque quero ver pela última vez meu marido.

Marido. Que irônico. Até alguns anos, pagaria libras para não ter que repetir essa palavra. Agora eu estava ali, alegando que Hugo era meu legítimo marido, eu era a viúva desconsolada e que precisava me despedir.

Que caralho eu estava fazendo com minha história? Isso não estava previsto em cena alguma. Não pretendia reatar minhas paixões por Hugo e nem alimentá-las. Agora, movida por uma porra de sentimento de culpa e remorso, estava falando coisas impensadas que, hora ou outra, traria consequências.

Mel se irritou com a resposta. Ela não foi a única. Mas, mesmo assim, como a melhor amiga que sempre fora, agarrou-me pelo braço e tirou o celular do bolso. Estava atônica.

– Olha aqui, sua morfética, você deve ter fumado capim com data de validade vencido, okay? – resmungou, enquanto descíamos na próxima esquina. Ainda bem que ninguém tentou nos seguir (ou até tentaram, mas Syn ou meu irmão deve ter impedido). – Que caralho de recaída é essa? Eu sei que você não ama Hugo, aquele filho da puta te desceu os cornos, tá? Tá, não é uma boa hora de lembrar o que aquele desgraçado fez, mas... ah caralho, pensa bem Marie. Matthew ouviu o que você disse.

– E? – suspirei, andando (estava mais era correndo) pelas ruas. Dali até o hospital, a pé, não daria mais que... hum... uma hora? Será? Ou menos, não sei definir, porra.

– Sua anta... já parou para pensar que Matt pode acabar com o noivado depois dessa palhaçada? – sugeriu Mel, parando bem na minha frente.

– TERMINAR? – gritei, caindo por mim pela primeira vez nos últimos dias. A palavra “terminar” não cabia bem na mesma frase que “noivado” e “Matt”. Era até engraçado, por isso sorri. – Matthew sabe que possuo crises emocionais, não faria isso.

– Você está extremamente confiante, não é? Se acostumou com esse cara sem personalidade que ele se tornou depois que começou namorar você, que só diz amém e tudo bem. Acho que você já se esqueceu de quem é M. Shadows e do que ele é capaz. Marie... ele não vai aguentar desta vez.

O que Mel dizia parecia engraçado e irreal, mas fazia sentido. Ou melhor, fazia porra nenhuma, Matthew me amava, ele entenderia depois que tudo passasse. Sempre foi assim.

– Está exagerando, Mel.

– Exagerando? Tudo bem, depois não venha chorar quando ele te descer o pé. Acorda, moça, Valary tá na cola dele que nem Zacky na lasanha de domingo. Se toca ou você vai...

– Mel, última coisa que quero ouvir AGORA são seus sermões, tudo bem? Você é minha irmã e te amo... mas fica quieta. Me siga MUDA. Não quero ter que processar mais do que estou... – Mel não deixou que eu concluísse. Assentiu com um mal humorado “já que é assim” e me acompanhou, quieta.

E depois de um tempo que como deixei claro lá em cima eu não sei... cheguei ao hospital que Hugo estava internado. Para começar, só por aí fiquei puta, afinal, se o cara estava morrendo e era rico pra cacete, teria que ficar em um hospital maior, como o da cidade de Jaú ou Bauru. Na verdade, aquele morfético deveria estar em algum hospital fodão de São Paulo. Mas eu não entendia nada de medicina e não sabia o que estava acontecendo, e como minha mãe é propensa a exagerar, pode até ser que aquele quengo estivesse bem.

Cheguei à recepção uma hora antes da visita à UTI (soube que ele estava lá). Identifiquei-me como esposa de Hugo (não me perguntem por que fiz essa porra, eu sei que muitas fãs estão querendo partir minha cara agora, mas se isso satisfaz de alguma forma a vontade de vocês... Mel me desceu um biliscão na barriga que até hoje tenho marca).

Nem mesmo meu olhar de piedade comoveu o coração daquela recepcionista maldita. Tive que esperar até meio-dia para conseguir falar com algum médico e ver o semi-defunto.

Aquela rampa do hospital me trazia péssimas lembranças, enquanto a subia (ela dava acesso ao andar superior). Piores do que eu estava vivendo naquele momento, ao lado de Mel. Estive algumas vezes internada ali, geralmente pelas minhas adoradas amigas Gastrite e Bronquite. Mas relatos a parte...

Chegamos à ala da UTI com certa dificuldade. Nos perdemos em par de corredores, aquela merda parece o labirinto do Torneio Tribuxo, cacete. Mas enfim, após muitos palavrões, expressões de maldições e até um “vou matar Hugo quando encontrá-lo”, entramos no corredor certo.

– Quarto 21, quarto 21... vai vendo aí, Mel. – pedi, olhando para cada porta que aparecia. Eu já sentia um arrepio sinistro na espinha; sempre odiei hospitais.

– Aqui! – murmurou Mel, olhando de esgoela para a janelinha de vidro de uma das portas. – Ele está aqui, Marie. Está com um médico.

Hesitei completamente em prosseguir. A primeira reação que pensei em ter, a mais comum para um momento daqueles, foi a de desistir e sair correndo como Zacky corre para a fila do buffet em casamento (desculpe, mas hoje estamos dispostas a praticar bullying contra o gordo do Porpeta). A mais digna, porém, foi a que se manteve.

Bati lentamente na porta, sem olhar para dentro. Psicologicamente falando, não estava disposta a ver Hugo semi-morto em uma cama. Preferia tê-lo em mim da forma que o encontrei da última vez: de chinelo, bermuda e sorrindo feito bocó. Tudo porque conseguira marcar um gol no campeonato de futebol dos veteranos.

Uma voz masculina pediu para que entrasse. Não o fiz. Mel abriu lentamente a porta e pediu para que o médio – deduzíamos que fosse o cardiologista responsável – para que soubéssemos como era o estado de saúde de Hugo. Mas, pelas circunstâncias, vi que daquela vez minha mãe não havia exagerado.

Apresentei-me ao doutor Henrique, mais uma vez, como esposa de Hugo. Mel, no caso, seria minha amiga. Logo de cara, perguntamos sobre o estado dele... mas diante de tantas explicações lógicas e de expressões ridiculamente difíceis, traduzimos dessa forma:

– Ele não passa dessa noite.

Legal! Minha viuvez chegou bem mais cedo que eu pensava. E que a trouxa aqui fez, diante dessa revelação? Mandou para a puta que pariu a vontade de mantê-lo vivo em minha mente e quis vê-lo morto.

E o filho da puta do médico, que deveria tosar essa minha traumática passagem, permitiu. E eu entrei, sozinha.

– Ele está acordado... e consegue falar. A tia dele deve chegar daqui a pouco... se quiser espera-la... – comentou, mas eu não estava nem aí. Fechei a porta em sua cara.

Tudo bem, não posso parar um minuto para pensar no que encontrei naquele quarto que me dá um nó na garganta. Sério... eu não desejo nem mesmo para a Valary... digo, para ela sim, mas para as outras vadias não, aquela sensação de extrema culpa, revolta e pena. Porque... imaginem só o cara que você conhecia desde a adolescência, que você se casou e ainda por cima teve uma vida conturbada mas ainda uma vida... ali, morrendo, com um monte de aparelho que anunciava em seu “pi pi pi” fraco que o coração estava parando.

O homem de terno e que regia, de forma imponente, seus investidores... agora sucumbia. Prova de que o dinheiro e o serviço que tanto presou por anos e anos... não valeu nada, afinal das contas. Nem mesmo o melhor hospital da França mudaria seu quadro. Era certo que morreria.

E, como devem deduzir, para mim não foi fácil. Meu choque foi imediato e comecei a chorar como uma maluca, mesmo tentando não tornar as coisas piores. Ele, consciente e olhando com surpresa para mim (talvez não esperasse que eu fosse visita-lo), não se abalou com isso. Estava encarando com certa naturalidade o que estava por vir.

– Não fica assim. – murmurou, esboçando um sorriso extremamente pálido. Seus lábios não tinham cor e estavam todos partidos. – Já sabíamos... que isso... aconteceria.

Agora sim foi a minha vez de ficar assustada, mas assustada pela naturalidade de que ele falava sobre isso. E talvez por ele ainda conseguir falar, sabendo que não tinha sequer umas 8 ou 9 horas de vida.

– Todos nós morreremos. Uns com 17, outros com 65. A minha vez chegou cedo... não aproveitei muito... mas foi por opção minha. O dinheiro não remediou minha doença. Como vê, vou morrer. Hoje. Daqui a pouco.

Sua naturalidade me assustava. Cheguei até mesmo pensar se era uma forma de me culpar por tudo que havia acontecido entre a gente. Mas... que caralho, eu não tenho culpa nenhuma, ele que foi o filho da puta!

– Não fale isso. – pedi, contendo um soluço. Não consegui me aproximar da cama. – Só descanse.

– Vou ter muito tempo pra descansar, oh yeah. – riu, olhando para o aparelho que estava ligado ao coração. – Eu sei que vai ser melhor... e de certa forma, será bom para você também. Estará “livre” para viver seu amor com Matthew sem...

– Não fale de Matthew e não fale disso agora! – ordenei, irritada. – Esqueça-o.

– Ele te ama como eu te amei. Eu sei que será bom... – continuou a sorrir. – Ele não deve estar gostando de você estar aqui, agora. Mas convença-o que você o ama muito, ouviu? Não quero ser um moribundo culpado por...

Eu o interrompi com um gesto totalmente involuntário, imprevisível e inimaginável: um abraço. Não foi um beijo, um soco nem um afago, e sim um abraço. Eu precisava sentir que aquela seria melhor lembrança que Hugo teria antes de fechar os olhos para sempre. Eu sei o quanto ele gostaria disso.

– Oh... – murmurou, sem muitas forças para me apertar. – Havia me esquecido como é bom te abraçar desta forma. Qual foi a última vez?

– Eu tinha 20 anos. – lembrei. Pode parecer estranho, mas eu e Hugo paramos de nos abraçar depois que ele havia “subido” na vida. Não havia tempo para isso. Não havia tempo nem ao menos para se amar. Mas tudo bem, aquela não era a hora de lembrar dessas besteiras. O passado morreu. – Mas isso não importa.

– Eu realmente te amo... e espero que vá embora agora. Sabe... quero te poupar de presenciar uma situação difícil de lidar.

– Não...

– Eu te peço. Vá embora. Matt está precisando de você. Possivelmente, você dele também.

Afastei-me com dificuldade, sentindo um peso cair em minhas costas. Sabia que seria a última vez que olharia para aqueles olhos azuis e aquele rosto pálido e bonito (que agora estava magro e doente). Despedi-me com um beijo na testa, por mais que quisesse continuar ali, até seu último suspiro.

Mas não iria contrariá-lo no leito de morte. Faria o que ele havia pedido.

– Deus te abençoe, Hugo.

– Bom nisso tudo que encontrarei Jimmy e Johnny. Será que eles me odeiam ao ponto de negarem a dar uma aula de bateria? Ou baixo, que seja?

– Não sei... – acabei rindo, me afastando aos poucos. – Mas eles são legais, vão te ajudar.

– Certo. Quer enviar algum recado?

– Peço que eles te protejam... e que você seja mais feliz por lá do que foi aqui.

– Eu serei. Estarei olhando por você.

Foram essas últimas palavras que ouvi de Hugo. Naquela noite, ele morreu.

*-*

O dia do enterro de Hugo foi chuvoso. O mal tempo não dera um tempo sequer, nem ao menos na hora das considerações finais do padre.

Naquela ocasião, lembrei-me de uma passagem no livro de Machado de Assis, Dom Casmurro. Capitu olhava para o corpo de Escobar, melhor amigo de seu marido, com os olhos iguais da viúva. Olhos de ressaca.

Senti-me desta forma ali, naquela cerimônia fria e pequena. Como deduzi, quase ninguém das empresas apareceu, apenas o melhor amigo e agora presidente da companhia. Minha madrinha, tia de Hugo, estava ali, chorando alto e deixando de lado toda sua pose de mulher comedida e centrada.

Minha família estava do lado oposto, bem distante de mim. Preferi afastar-me para evitar qualquer tipo de inconveniente como o do dia anterior.

Do meu lado, agarrando minha mão com força, estava Mel. Minha companheira, minha amiga. E, rodeando-nos, os avengers, exceto Matt. Desde que havíamos chegado, eu não sabia onde ele estava. Possivelmente, nem teria comparecido.

Mas não me importei com isso. Diferente dos demais presentes, que utilizavam guarda-chuvas, fiquei direto na chuva, sentindo as gotas percorrem meu rosto. Sentia-o frio e pálido, como de alguém que tivesse morrido também.

A cerimônia não durou muito. Encerrou-se e todos foram embora. Eu senti o momento que Mel soltou minha mão e pediu para que fossemos para o carro. Não respondi e continuei parada, solitária, diante do túmulo recém-preenchido.

Minha mente estava tão vazia que eu não sabia exatamente o que estava acontecendo. Já não sentia mais dor, ódio, amor, nada. Estava morta ali também.

– Engraçado isso. – disseram atrás de mim, batendo palmas. Pelo tom irônico e rouco, deduzi que fosse Matthew. Bem... poderia até não ser, mas eu estava balim. Então vamos fazer de conta que eu tinha certeza como tenho agora. – Ver a noiva se apresentar aos quatro cantos da cidade como esposa de um defunto. O pior, ainda, é vê-la agir como uma viúva no velório e no enterro. Mas talvez o pior disso tudo, Marietta... é ver que em momento algum você pensou que... se Hugo morresse... você poderia morrer também. Mas isso é engraçado... porque nem eu mesmo cheguei cogitar isso. Então, vendo toda essa sua atitude ridícula diante desse tumulo... eu sinto que morri também. Sabe por que?

Sua fala era emanada de ódio, eu sei, eu fui culpada por tudo isso. Mas como estava sem reação ou sem coragem para discussões, apenas acenei negativamente com a cabeça. Meus olhos não saíam do túmulo.

– Não? Não imaginei o contrário... você estava ocupada demais babando ovo no corpo do moribundo naquela porra de hospital! – gritou, agarrando meus braços com força. Virou-me ao ponto que pudesse olhar bem para meu rosto e que pudesse cuspir as palavras que estavam presas em sua garganta desde que tudo começou. – VOCÊ, MARIETTA! Você acabou comigo! Sequer pensou em mim! Eu tive que aguentar como um idiota você chorar inúmeras vezes por esse canalha... tive que aguentar a humilhação de seus pais, e pior... tive que aguentar ver a mulher que eu amo gritar na rua que o ex-marido É O MARIDO! Em um minuto sequer pensou no que eu poderia sentir nisso tudo, não é mesmo? Que se foda se o Matthew está mal com toda essa situação. Eu aguento, sou o trouxa que diz amém às suas loucuras e que ainda tem que se passar de bonzinho para manter a harmonia. Eu CANSEI disso.

– Eu não... – gaguejei, mas ele me impediu de falar, apontando o dedo para meu rosto. Sorria debochadamente, fuzilando-me com o olhar. Eu sentia a sua dor conforme ia falando. E sua raiva também.

– Agora não me sinto tão mal. Você me traiu. Me traiu o tempo todo, chorando por Hugo. Não sinto remorso em dizer que também te trai. A quantidade de vezes que você lamentava pelo corpo desse idiota, eu traia você com a Valary? Lembra daquela gostosa? Eu sei... ela me dava colo quando você, sua vadia, ficava preocupada com as imbecilidades da Mel, com as crises de mal amado do Syn e até a porra dos problemas familiares do seu guarda-costas. E onde eu ficava na história? Bem, se você não tinha tempo para mim, Valary tinha. E sabe de algo? Ela é extremamente gostosa. E chupa melhor que você.

Aquela torrente de palavras acertou em cheio minha cabeça. Cada uma delas ressoava com a mesma intensidade que haviam sido proferidas. E sem ao menos esboçar sofrimento ou decepção, que era o que eu realmente viria a sentir depois que o efeito do calmamente passasse... meus olhos lacrimejaram.

E aquele maldito ria. Ria da minha cara, queria me fazer sofrer, queria acabar comigo pela humilhação que havia passado. Estava agindo como Matthew Sanders. Já fazia tempo que não era assim...

– Nosso-noivado-acabou. Você consegue entender isso, sua louca? Ou ainda está em crise pela morte desse idiota? Vou soletrar mais uma vez e quero que você preste bastante atenção: ACABOU ESSA PORRA! VOCÊ TÁ LIVRE PARA VIVER SUA VIÚVEZ. SE FODA NELA, SUA PUTA!

Ele me empurrou, virou-se e foi embora. Eu me desequilibrei, mas acabei caindo de joelhos, por sorte. Senti minhas pernas formigarem e a demonstrarem os primeiros sintomas de uma paralisia. Aquele maldito descontrole emocional que Vanessa vivia me alertando.

Sem voz para pedir ajuda, cai no chão, tapando meu rosto dos pingos da chuva. Não sei quanto tempo demorou para Mel se aproximar e me amparar, mas foi o suficiente para que eu tivesse consciência do que havia acontecido.

De certa forma, Matthew estava certo. Eu estava morta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Palavras de Heagle II" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.