Volta escrita por Miss Addams


Capítulo 3
03 - Final




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Poncho

Demorei um tempo para me recuperar de tudo e pelo que pude ver Dulce também estava na mesma situação que a minha. Era impressionante como ela mexia comigo, eu vi que os meus braços ainda estavam arrepiados por tudo que eu senti.

:- Uau. – Soltei num fôlego. Me apoiei com os dois braços para me sustentar e olhei para ela na minha frente, soltamos um sorriso cansado juntos, não tinha nada melhor.

:- Vem. – eu disse.

:- O que? - ela pareceu voltar à realidade e me olhava confusa.

:- Vem, vamos sair daqui antes que fique frio. – eu falei pegando ela no colo sem dar tempo para ela raciocinar, sorri com o grito abafado que ela soltou, mas logo me abraçou no curto caminho até sua cama.

Eu a coloquei na cama e sem seguida me deitei para pegar o edredom para nos cobrir.

Tudo o que vinha em minha cabeça eram as últimas emoções e sensações que eu tinha sentido, não só as recentes com Dulce, mas da viagem como um todo. Na corrida e com Perla. Engoli saliva me lembrando o quanto confuso eu estava, e agora tudo o que me restava era uma certeza.

Eu tinha me reencontrado.

Tudo o que não havia acontecido quando eu corria ou quando estava com Perla, me ajudando a me organizar, foi tudo embora quando Dulce me deu espaço para entrar em seu quarto de hotel. Essa feiticeira tinha esse poder sobre mim.

Agora estávamos deitados lado a lado, com o edredom nos esquentando, ela deitada sobre um braço meu e ambos em silêncio. Depois de suspirar, olhando para o teto do quarto, comecei com a minha mão um carinho no braço de Dulce, imediatamente ela se manifestou se encostou mais em mim.

Toda manhosa.

Lembrei da última vez em que estivemos juntos, do que eu tive que fazer para que nós dois entendêssemos algo importante para seguirmos em frente. Fiz uma careta ao imaginar o que ela pensava nesse instante, será que ela pensava que eu assim que ela dormisse iria embora.

:- Eu não vou. – eu falei ainda olhando para o teto. Mas, deu para perceber que ela virou a cabeça para me olhar.

:- O que?

:- Eu não vou embora. – Virei minha cabeça para ela, a encarando. – Não vou embora como da última vez.

Por fim, ela entendeu o que eu estava dizendo e essa foi a vez ela suspirar.

:- Então era isso o que você estava pensando.

:- Não exatamente, eu achava que era isso que você estava.

Ela soltou um riso.

:- Na verdade eu estava pensando no que acabamos de fazer e tentando imaginar no que você estava pensando.

E essa foi a minha vez de rir.

:- Você ainda é surpreendente, Dulce.

A sua resposta foi apenas dar os ombros, algo que me fez abraçar o seu corpo e subindo em cima dele, me apoiando nela. E depois de morder de leve o seu queixo e me lembrei de algo.

:- Lembra a primeira vez que viemos ao Canadá? – Dei um sorriso torto e irônico por fazer as lembranças dela vierem a tona. E sorri ainda mais por ver os olhos dela de perto mudarem, ficarem mais brilhantes.

:- Como poder esquecer? Foi tudo muito marcante, tudo muito intenso. De trabalho de experiências, especial para nós dois. – ela ficou distante na minha frente. – Naquela viagem foi uma das poucas vezes que podíamos ser nós mesmos, e mostrar a todos isso. Depois da viagem muitas coisas mudaram.

Ela não falou, mas eu sabia que ela se referia ao nosso término.

:- As coisas mudavam muito rápido entre nós dois. – eu falei me referindo a tudo. – Dulce eu queria conversar sobre a última vez que nos vimos, eu...

:- Não. Xiu! – ela tapou minha boca com a sua mão pequena. – Não temos por que falar do passado.

Eu senti aquilo mais do que deveria.

:- Mas, com você eu vivo de passado. – soltei quando ela deixou mesmo ainda tampando minha boca. – Não me leve a mal, mas sabemos que essa é a verdade. Nossa história está no passado.

Devagar ela foi escorregando os dedos da minha boca e ficando numa expressão muito séria. Eu tive que pensar mais rápido que qualquer reação dela.

:- Não me leve a mal, pelo o que eu disse, mas você sabe que é verdade. – me redimi nas palavras.

:- Eu sei, mas o que isso importa?

:- Para tudo ficar esclarecido. Eu sei que depois do que eu fiz, nós ficamos muito tempo sem contato algum, mas eu tive que fazer aquilo. Eu não me arrependo, por que era preciso. Tanto para você quanto para mim.

:- Você sabe que a pior parte de isso tudo é quando temos que sair da vida um do outro. Que aprendemos da forma mais dolorosa como fazer isso, e a cada vez que você saia da minha vida, era mais difícil me recuperar.

:- Também era para mim. Também foi difícil. – eu precisava deixar claro que eu também sentia o pesar.

:- Eu sei. – ela deu um sorriso triste. – O pior que eu sei, eu estou querendo dizer a você que entendi o que você queria me dizer, que queria ficar com sua namorada e que deveríamos ficar afastados. E foi justamente o que fizemos, eu só não quero falar de algo que já passou, que já está entendido.

Ficamos em silêncio nos encarando e eu queria entender se isso era bom ou ruim, esse silêncio e nossa conversa por isso eu fui me aproximando devagar dela, que logo percebeu minha intenção. E antes de tudo rodou seus braços no meu corpo e me beijou. Uma, duas e três vezes.

:- Eu gosto tanto de você, mais do que deveria e poderia. – eu soltei as palavras e ela não disse nada apenas roçou o seu nariz com o meu. – Eu só queria falar que...

Fomos interrompidos pelo barulho do meu celular. Nos encaramos até ela apontar com a cabeça para que eu fosse pega-lo. E foi o que eu fiz, me levantei ligeiro da cama e peguei minha calça caída no chão para atender meu celular, depois do quinto toque.

:- Alô? – eu atendi sem sequer ver quem era.

:- Olá amor. – Perla. Conclui pela voz e meu rosto de ter refletido isso por que Dulce me encarou diferente, ela sabia quem era. – Eu logo me arrependi de ter te ligado. Só vi a hora agora.

:- Pois é, agora são 4 e 12 da manhã aqui. – eu resmunguei olhando a hora no relógio.

:- Me desculpa, eu acabei um trabalho aqui e me dei conta que me esqueci de te ligar depois que desembarquei no México.

:- Não tem problema. – respondi.

:- Eu te acordei, não é verdade? Por isso demorou a atender, olha então eu vou ser rápida, está tudo bem aqui. Túlia está melhor e já estou com ela em casa, está tudo certo.

:- Que ótimo. Eu logo estou de volta para brincar e cuidar dela.

:- Isso amor. Então acho melhor desligar, você deve querer continuar dormindo e eu também estou cansada, até amanhã. Quer que eu vá ao aeroporto?

:- Não, não precisa. – eu falei enquanto caminhava de volta para a cama. – Eu pego um táxi mesmo e vou.

:- Tudo bem, qualquer coisa você me liga, boa noite, Poncho.

:- Boa noite, amor. – eu soltei. E senti o peso do remorso sobre mim. Tanto que eu desviei do olhar de Dulce.

Perla se despediu e a ligação acabou.

Passei a mão no rosto deixando o celular perto de mim. Mas, ainda sem encarar Dulce, me sentando devagar na cama do lado oposto ao dela.

:- Amor? – Escutei a voz dela me questionando, o que eu poderia fazer saiu no automático, quando fui perceber ela já tinha escutado. – Achei irônico, você querer um tempo atrás justamente que eu te chamasse assim.

:- Dulce? – Eu tentei chamar atenção dela.

:- O quê? – Ela foi mais grosseira. – Eu estou mentindo?

:- Não, mas...

:- Eu imaginei por um momento se fosse o contrário. Se Rodrigo tivesse ligado, como você teria regido, se eu tivesse falado...

Eu escutei calado.

:- Eu tive que atender. – soltei como alguma justificativa. – O que vai querer me dizer agora que está arrependida e que quer que eu vá embora, pode se tornar sua desculpa perfeita. – desabafei.

:- Seria mesmo, se sentir vontade, pode ir se quiser. – ela falou o que eu pensava que diria depois que eu provoquei, mas diferente de todas as vezes que começávamos uma discussão, as vozes estavam baixas, estávamos calmos.

:- Antes dela ligar eu iria te dizer que dessa vez vai ser diferente. Mesmo que você não queira, eu vou agir diferente. – dessa vez eu olhei para ela. – Eu disse que não iria embora e não vou. – fiquei firme no meu desafio.

Ela não falou nada e ficou pensativa.

:- Não adianta eu falar nada, sei que você não vai embora conheço a sua teimosia. E também não quero que você vá. Mesmo que eu não saiba o que fazer depois com você aqui dentro.

Eu engatiei pela cama até alcançar ela que imediatamente me abraçou bem forte.

:- Eu não quero que você vá embora, por que só Deus sabe o que eu senti quando eu acordei aquele dia e tudo o que eu achei no seu lugar foi aquela sua carta. Só não quero me senti assim novamente.

:- Você não precisa se sentir assim.

:- Isso vai depender de você.

E eu sorri para ela, não a deixaria sozinha, eu não queria fazer isso.

:- Eu só preciso que saiba uma coisa.

:- O que seria? – ela me perguntou.

:- Eu gosto muito de você. – falei beijando o seu rosto e sorri ao escutar o seu riso escapar em minha orelha, eu sei que ela se lembrou da última vez que estivemos aqui no Canadá, eu fiz a mesma coisa.

E ela também repetiu o mesmo gesto do passado, puxou o meu rosto com duas mãos e me deu uma sequência de selinhos até cansar e depois escorregar os dedos no meu rosto e apoiar sua testa na minha.

:- Desculpe pela minha cena de agora pouco, eu sei que não tenho o direito de nada, com o tempo que passou desde tudo o que aconteceu conosco, eu aprendi de um jeito torto a te respeitar. Assim, como você, mas não quer dizer que eu não sinta.

Eu escutei até ela ainda apoiada em mim. Me olhou nos olhos tão perto.

:- Muita coisa mudou entre nós dois, mas eu ainda sinto aqui dentro.

:- Eu também. – sabia que ela não diria as palavras corretas, eu também não a obrigaria dizer por que eu via no seu olhar e na forma que agia.

Por isso eu aproveitei que estávamos tão próximo e a beijei, logo fui correspondido e ela me mostrou que queria mais quando foi deitando e me puxando junto.

A partir daquele instante eu mostraria que era ela a coisa que eu mais queria no mundo, eu demonstraria em cada gesto, toque, palavras, ruído ou gemido.

–.-

Aeroporto. Ciudad de México. Domingo.

Dei mais uma observada no avião todo, sem me importar de estar dando bandeira, eu tinha que comprovar se não haveria alguma suspeita de algum fã no avião.

Nunca se sabe.

Não gostava dessa sensação de ser perseguido, mas eu sentia. Não entrou mais ninguém e pelo o que vi, as pessoas nem se importavam com a minha presença no avião, era como se eu fosse mais um entre os passageiros, esses eram de maioria um clube de velhinhos que passaram uma temporada em Miami. Isso era ótimo.

A escala tinha sido lá e agora o avião se preparava para pousar novamente, dessa vez em seu destino inicial México. Eu olhei para o meu lado e vi a sua mão apertar a poltrona, sem me importar com o que ela pensasse ou fizesse eu coloquei a minha mão sobre a dela.

Que se virou do apoio na janela para me olhar.

Eu fiquei imaginando ás vezes como ela conseguiu viajar sozinha para Vancouver, se ela tinha receio de avião, mesmo viajando tantas vezes. Me lembrei de tudo o que tinha acontecido comigo, por alguns instantes. Primeiro uma viagem para correr a maratona, depois Perla tem que voltar e eu me encontrei com ela. A noite que passamos juntos. De quando eu acordei antes e depois de descobrir que voo ela ia embora, mudei para o mesmo voo que o dela.

Tudo para ter uma chance a mais de ficar próximo, mesmo que ela tivesse acordado menos apegada do que foi a noite toda a mim. Eu não me importava contando que eu estivesse perto.

Nossa despedida em Vancouver não teve nada demais, eu senti que ela esperava por mais, porém eu estava esperando lhe surpreender. Como eu fiz a reencontrando no aeroporto e indo para o mesmo voo.

Não conversamos muito, ela estava mais na dela e eu estava respeitando isso. A vi dormir, escutar música, ler... Tudo isso comigo do lado. Vez o outra ela apoiava em meu ombro, ainda assim não queria conversar, mas isso era um sinal de que ela não estava zangada com o que eu tinha feito. E também de que estava aproveitando esse momento da forma dela.

Mesmo depois que o avião já estava parado e as pessoas começando a sair, nós não nos movemos. E nossas mãos estavam da mesma forma, porém a minha estava quente, molhada do nervoso que eu sentia. Dessa vez seria uma real despedida.

:- Antes de você sair desse avião eu quero te dizer algo. – eu falei e ela já me escutava, me dando atenção.

:- Fale.

:- Eu não vou esquecer o que vivemos nessa viagem, e quero falar que você foi muito importante nela. Talvez você não entenda, por que é uma coisa minha, mas obrigada.

Ela deu os ombros e aceitando o que eu tinha dito. E eu finalmente soltei de suas mãos, estávamos exatamente no meio do avião, tínhamos que esperar todos descerem. Entretanto nem eu e nem ela tínhamos pressa, mas sabemos que esse momento chegaria.

:- Eu sei que você queria que eu tivesse mais presente, nessa viagem, mas eu precisava ficar quieta. – ela começou a se desculpar.

:- Não precisa falar mais nada, eu não estou de cobrando, entendo perfeitamente. – fui compreensivo até ela me desmontar com o que falou em seguida.

:- Quando eu cheguei no aeroporto, ele me ligou. – ela falou baixo e logo entendi de quem ela se referia.

Ficamos nos olhando, talvez se lembrando de quando foi a minha vez, quando Perla ligou.

:- Eu precisava pensar sobre algumas coisas.

:- Eu sei. – Depois de apertar um lábio no outro balancei a cabeça afirmando, nada era fácil, só não precisávamos complicar ainda mais as coisas.

Chegou esse momento então em que ficamos desconcertados sem saber o que falar direito, sem saber como nos despedir, eu olhei para o avião e agora estava mais vazio, seriamos os últimos a sair.

:- Então é isso. – ela falou desencostando da poltrona e estendendo os braços. – Me deixa eu de dar um abraço.

Prontamente eu o fiz. Um abraço bem apertado, senti ela suspirando por cima do meu ombro.

:- Boa sorte com tudo, seu trabalho, na sua vida, Poncho. – ela desejou.

E aceitei passando minha mão em suas costas, só que agora é minha vez de falar.

:- Me promete uma coisa? – eu falei e senti ela apertando mais ainda se possível nosso abraço. Como ela não falou nada eu continuei. – Não vamos esquecer o que aconteceu e que isso não acaba aqui.

:- O que você está querendo dizer com isso? – ela perguntou com uma voz abafada.

:- Que eu quero te ver de novo. Em algum momento. – logo veio um outro suspiro dela. E eu não soube dizer se foi de alívio ou de medo.

:- Isso é loucura. – comprovei que era um pouco dos dois.

:- Loucura é eu pedir para você deixar seu namorado, te iludir, loucura é ignorar o que passamos e principalmente o que sentimos, o que você sente agora. – essa foi a vez dela passar as mãos na minhas costas. – Eu só quero te ver, novamente, sem nada marcado. Que seja alguma casualidade, como esse fim de semana, mas por favor que aconteça!

Ela foi se separando do abraço e me surpreendeu puxando meu rosto e me dando um beijo, uma e duas vezes, apoiando sua mão gelada em minha bochecha e falou segura.

:- Eu prometo.

E essa foi nossa despedida, depois disso nos levantamos e no corredor demos um último abraço, ela seguiu para a frente do avião e eu coloquei minha mochila a frente do meu corpo e segui para a saída do fundo do avião, desde já tomamos caminhos diferentes.

Eu fiz questão de demorar mais para sair e caminhar no aeroporto, queria que ela fosse na frente sem pressão alguma, sem dar chance dela olhar para trás e me ver ali.

O que não adiantou muito por que talvez fosse uma peça pregada de alguém de lá de cima, só poderia ser. Quando já estava na saída do aeroporto depois de dar o tempo para que ela ter ido embora, eu decidi fumar um cigarro antes de pegar o táxi.

Nesse mesmo instante eu a vi. Novamente. Só que dessa vez ela estava acompanhada de seu namorado, eram eles que estavam entrando no táxi para ir embora juntos dessa vez. Eu fiquei apenas olhando de longe, fumando. E ela nem notou que eu estava ali até ir embora de vez.

Ainda fiquei olhando o lugar vazio mesmo depois do carro ter ido embora, soltei um riso de ironia. Ela não saberia tão cedo que foi ela a razão de ter me reencontrado nessa viagem, que apenas esse encontro fez tudo o que há dias eu não conseguia encontrar. O cara que eu realmente era e foi por isso que eu a agradeci.

“De qualquer forma, às cegas, às tontas, tenho feito o que acredito do jeito talvez torto que sei fazer.”

Caio Fernando Abreu

FIM!


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