Lucila escrita por Nucha Rangel Braga


Capítulo 5
V – Pequenas bravuras




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APAVORADO, Sergio gritou de pânico, cambaleando de costas pelo chão de folhas, largando a lanterna! Rubem, mesmo grogue, correu para ver o que era! Ricky correu e tapou a boca de Sergio:

— C@c*te, eu não disse para não fazer barulho...!

Reparou no amigo, que chorava assustado com os olhos arregalados, respirando alto; Sergio apontou e Ricky olhou para onde era: então percebeu. Uma ASA! Não, DUAS! Caiu de susto:

— QUÊ?!

— Jesus Cristo... – murmurou Sergio.

— O que é aí, hein? – chega Rubem. Que vê os dois sentados no chão, tremendo de medo, mudos. Só ali notou melhor, vira pouca coisa. O chão escorrido de sangue, a mulher albina no espinheiro e aquele cheiro horrendo como a cena! Tão chocado como os outros, agiu sem sentir: aproximou-se, olhou a mulher, procurou uma das lanternas e vasculhou. Viu a asa enganchada e quebrada; a outra, esticada aberta embaixo das costas dela. Olhava aquilo e olhava os amigos, nem sequer conseguiam gritar. Paralisaram de medo. Até que:

— mm... Mm... Mamãe...

— Anh? – Reagiu Rubem. Ergueu a lanterna.

— Mããe... Mamãee...

Era a mulher, sussurrando.

— Ela tá falando...! Ela tá falando...! - Rubem chamava os dois.

— Isso é ela? – perguntou Ricky, se levantando desconfiado. Sergio continuava travado de medo.

— Cara, ela vai morrer aqui! Quê que a gente faz?!?

E quem respondia? Leitor, imagine-se adolescente daqueles que se entendem confiantes, até que algo o surpreende para a vida toda; como você acha que seria seu grande impacto?

Por isso Sergio não se mexia: sua intuição estava certa de novo. Mas logicamente ele não esperava isso. Agora, tudo voltava aos seus olhos dilatados de medo: a mulher angustiava, implorando uma mãe que não estava ali, o cheiro imundo, o lugar pior, o atrevimento que os levara até ali e agora teriam de levá-la de lá antes que... Ergueu-se:

— Vamos tirá-la daqui agora! – ordenou, pegando a outra lanterna e, achando o facão, entregou-o a Rubem, dizendo: - Quebre os espinhos; cuidado com ela, a gente vai ter que carregar. - E olhando para Ricky:

— É o mínimo.

Bem, Rubem começou a usar o facão bem devagar, às vezes partindo os espinhos com as mãos mesmo. Usava um lenço no pescoço e o pôs no rosto devido ao cheiro. Logo estava embaixo da mulher, num espaço aberto dentro do espinheiro.

— A asa está bem ferida... O ossinho quebrou e rasgou a pele. Coitada... Eu vou tentar usar o lenço para amparar o osso. Cuidem dela aí!

E, tirando o lenço do rosto, começou a improvisar uma tipóia ou outro apoio para o machucado. Ricky tentou levantar a cabeça dela. Mas o cabelo estava todo eninhado nos espinhos. Procurou o ouvido dela e disse, baixinho:

— Calma, tá? Vai doer. Mas é para tirar você daqui. Não se mexa.

Ela mal respirava. Os olhos, sujos, não abriam. Gemia de medo.

Enquanto o amigo falava, Sergio aproveitava para soltar o cabelo dela do espinheiro. As luvas deles estavam imundas. Então ele notou que os espinhos, embora a tivessem arranhado muito, não penetraram na pele. Na verdade, a pele era meio diferente. Parecia... Couro?

Deixou para ver melhor depois. Conseguiu soltar o cabelo dela. Já dava para tentar erguê-la, mas e o peso? Ela era grande demais. De repente, ela arqueou de dor!

— NNGH!!

— Ô, calma... Doeu, mas passa. – Conteve Ricky. Apoiaram-na pelos ombros. Rubem avisou:

— Soltei, aqui! Doeu porque tive que juntar o osso no lugar. Acabei. – Disse, saindo de debaixo do espinheiro, todo sujo de sangue. O cabelo colado no rosto de suor. Olharam para as roupas dele; de cima a baixo, manchada. E para explicar em casa?

Não falaram nada. Sergio e Ricky já a conseguiam erguer até a cintura, mas a pele arranhada, escorregava devido ao sangue. Fazendo uma força absurda, Sergio avisa:

— As asas são nas escápulas... Ricky, vamos tentar com os braços dela nos nossos ombros! Rubem, vem até as costas dela e empurra ela para a gente; puxamos no três! UM!

— DOIS...

— TRÊS! – Empurrou Rubem a pobre mulher pelas costas, usando a camiseta já suja, senão agrediria ainda mais os arranhões. Os braços dela desabaram sobre os ombros dos rapazes. Aí Rubem entendeu. Quase caiu ao empurrá-la! Ela nem reagia; parecia deixá-los ajudar.

— Cara...! Como ela pesa! – disse Rubem, ganhando ar.

— Bom; meu braço ta entre a asa boa e as costas dela. Ricky, tenta abraçar esse lado dela aqui junto de mim.

— Aqui na costela? – Ricky passou o braço pelo tronco da mulher, entre ela e a barriga de Sergio. Assim os dois tinham os braços cruzados no tronco dela e nos outros, apoiavam as asas. Mas assim ficavam de frente para ela. Estava bem difícil. Sergio continuou:

— É. Ela ta arranhada mas os espinhos não entraram na pele. Então nós vamos descê-la de frente; certo?

— Assim ela vai cair de frente, po##a!

— E tem outro jeito?

— Pera! - alertou Rubem. Pegou a camiseta e foi até os pés dela. Aí viu como ela era alta: - P§t@ ME*D@!! Ela tem esse tamanho?!?

— SHHH!! - chiaram os outros dois.

— Fala baixo! – reclamou Ricky.

— Tá... – Espantado, Rubem pegou o cabelo da mulher pelas pontas e enrolou-o com cuidado nas pernas. A camiseta, nos tornozelos dela. Observou:

— Deve dar. Tentem agora, descê-la para cá.

— Arrastar vai arranhar ainda mais. – Disse Sergio – A gente vai ter que levantar!

E fizeram; um esforço hercúleo para erguer a enorme mulher, até porque estando ela fraca demais, nem podia colaborar. Algum deles diz para ter cuidado com as asas. Sergio e Ricky, numa posição horrível, sem apoio firme, que os obrigava a caminhar de costas para descê-la do espinheiro. Rubem tentava erguer as pernas enroladas nos cabelos, sustentando a mulher na base da coluna. Ricky notou que a cabeça dela estava totalmente abaixada para frente, um perigo para o pescoço. Sergio viu e tentou passar a cabeça dele embaixo do queixo dela. Até conseguia, mas isso não o deixava ver para onde andasse, o rosto dele estava quase na clavícula da mulher:

— Ricky, dá para me guiar?

— Dá... Vai andando para trás, devagar.

— Quase fora. – Disse Rubem.

— Ela respira muito forte! – Disse Sergio: - Parece um rosnado.

Aos poucos, finalmente ela foi descida do espinheiro. Nem gemia mais, só respirava (ou rosnava). Os garotos estavam exaustos! Mesmo assim, Sergio engatinhou até as costas dela e a deitou sobre o peito dele; pesava apoiá-la assim. Mas não ligou. Afagou o cabelo dela, falou no ouvido:

— Bravo, menina. Uma guerreirinha.

Ricky olhava, sorrindo. Perderam o medo e conseguiram ajudá-la. Lembrou:

— Os pulsos!

Procurou as veias dela, encostou o ouvido no peito. Sinais haviam, mas ela estava muito ferida. Levantando-se, olhou o caminho aberto no matagal. Pegou o facão embaixo do espinheiro e avisou aos amigos:

— Rubem, fica aqui com o Sergio; eu vou voltar pelo caminho e abrir mais o mato, para trazer o carrinho. Não dá para levá-la daqui a pé.

Olharam para ela. Respirava pela boca, a barriga enchia de ar e não o peito. Sergio afagava-lhe o cabelo. Os três estavam imundos do lugar e do sangue dela, mas nem pensavam mais no cansaço, no medo, no fim daquilo tudo. Não falavam, mas não entendiam como tinham feito todo aquele esforço. Rubem perguntou:

— Ela dorme?

Dando de ombros, Sergio sussurrou: “Acho que não.”

— Vou e venho! – Disse Ricky. E saiu espaçando o mato com o facão, levando uma lanterna. Vendo o amigo afastar-se, Rubem catou as outras duas lanternas e sentou-se ao lado de Sergio:

— Tomara que ele não demore. O lenço na asa dela está já bem sujo. E nem é tipoia, é improviso.

— Obrigado por tudo, cara... Eu arrisquei a gente. Me desculpa.

— Não pensa nisso não, cara. Se você não tivesse insistido, ela não teria sido achada e podia ter morrido. Aí, quando viessem ver, achariam uma gigante albina com asas, morta aqui, no mato fechado.

— Bizarro!

— Né?

Baixou a cabeça entre os joelhos, exausto. Afinal, ainda estava meio enjoado e fizera esforço grande.

Sergio olhava o rosto da mulher: delicado, miudinho. A expressão era sofrida. Coitada, como ela teria aguentado quase dois dias ali? Não tinha mais dúvidas de que o incidente na manhã anterior era ela que havia passado por cima da casa deles. Nem conseguia acreditar em como ela era tão... Estranha. Voltou-se para o amigo, que já meio dormia:

— Rubem?

— Hm?

— O que você acha que ela é?

— O que eu acho que ela é...

— Uma mulher com asas é estranho, né?

— Aaah. É. Mas fraca assim... É alguém precisando de socorro. – Passa a mão no cabelo da mulher, sente como é lanoso: - Como será que ela cresceu assim, hein?

— Queria saber como ela ficou sem roupas. Saber se sofreu alguma outra coisa antes daqui.

— Mais ainda, né?

Lembrando que as narinas dela poderiam estar sujas, Rubem aproximou-se e com a barra da outra camiseta que vestia, limpou algum sangue resseco e sujeira delas, bem devagar:

— Eeecaa... Você precisa dum banho bem demorado, viu mocinha! – Brincou. Ela continuava inerte, parecia não ouvir.

— Ela não tem cheiros de urina ou fezes. Viu se tinha sujeiras ali no espinheiro? – perguntou Sergio.

— Nada. Só sangue. – Disse, mostrando a roupa suja.

— Então ela não deve ter nada no estômago.

E isso agravava a situação, certamente... Ricky demorava por quê?

***

Ele voltou pelo matagal usando o facão com o braço sadio; o que arranhara, ardia doendo! Mas não disse nada aos amigos. Na verdade, nem lembrava na hora do susto.

A sorte era que o caminho não era tão longo. Mas se preocupava: e se alguém viu o carrinho na rede de proteção? E se tiver alguém esperando lá e ele tiver que se explicar? E ele todo sujo de mato e todo aquele sangue? E...

“Aaah, dane-se!”, pensou. Já havia acontecido, agora era correr contra o tempo!

Chegando ao carrinho, olhou com cuidado ao redor. Ninguém; então lembrou que os empregados da casa largavam do serviço às seis e com certeza, já deveria ser bem mais de seis da noite. Embarcou, descalçou as luvas e manobrou o veículo, mais devagar do que precisava... Era um aparelho para pequenos trajetos e além de não ter faróis, pois era para uso diurno, tinha apenas o retrovisor do para-brisa. Para enxergar guiando, pendurou a lanterna no retrovisor. Olhou o braço machucado: os cortes estavam inflamando. “Que maravilha, Enrique! Só você para não usar mangas num lugar daqueles.”, pensou de si. Enquanto forçava o carrinho a subir o terreno íngreme e escorregadio de folhas, sentia raiva dele mesmo! De seu gênio irritável, de tentar sempre conter os outros, de não ter razão! Sergio estava certo, afinal entraram no mato e acharam mesmo alguém em perigo! E se ele tivesse obedecido à sua proibição e não tivessem ido? Aí, ela morreria lá, chamariam o resgate e... E não quis pensar mais.

Chegou ao local:

— Opa, voltei!

Ouvindo o som do carrinho, Rubem ergueu as lanternas. Sergio, com a mulher escorada em seu colo, não podia mover-se muito. Ricky tentou aproximar o carrinho o máximo dela.

Não sabiam dizer se ela dormia ou se desmaiara. Mas precisavam removê-la o quanto antes:

— Como é que a gente faz para abriga-la aí dentro, agora? Ela está exausta, eu acho. – perguntou Sergio.

— Vamos tentando devagar, pode ser com a lona. – respondeu Ricky.

Rubem desdobrou a lona que achara na garagem. Claro, ela era menor que a altura da mulher. As asas atrapalhariam. Mas não dava para carrega-la de outro jeito e ela em cima da lona, poderia ser arrastada sem machucar. Sergio e ele tentaram ajuda-la a deitar sobre o tecido. Não daria para rolar o corpo dela, porque as asas impediriam; assim, foram levantando o corpo dela aos pouquinhos e passando a lona por baixo:

— PQP! Pense num peso!

— Devagar com a asa, olha o osso partido... Não acredito que eu disse isso..

— Ela tá acordada?

— Acho que não.

Rubem abrigou a ponta quebrada da asa direita na lona, para não arriscar um novo ferimento. Ela acabou deitada de costas sobre a lona, com as asas meio abertas. Então, uma surpresa: mesmo com os olhos fechados, ela pareceu entender o que acontecia e contraiu as asas, sensivelmente! A asa machucada, ela tentou, mas doeu e deu um gemidinho. Sergio aproximou-se:

— Tudo bem, moça. Não se mexa não, tá? Vamos embora..?

E ela relaxou novamente. A acomodaram sobre a lona aos poucos: primeiro uma perna, depois a outra. Ricky ajeitou a base das costas e ela reagiu levemente, mas sem recusar. Semi acordada. Os garotos se entreolharam...

E se ela acordasse de repente?


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