Lucila escrita por Nucha Rangel Braga


Capítulo 3
III – Cheiro acre!




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BEM que tentaram dar um banho no Viking, achando que a agitação dele talvez fosse pelo clima abafado. Afinal, havia chovido no dia anterior e agora estava um sol de rachar!

Qual nada; o coitado do José abriu o viveiro do rottweiller com o maior cuidado do mundo e o bicho quase pulou por cima dele! Saíram caseiro, servente e jardineiro, três homens correndo atrás do cachorro, que desembestou para a proteção de área da casa! Pegaram o danadinho de volta, mas não sem antes ele arranhar o servente e quase morder o José!

Que teve pena, mas acabou precisando prendê-lo em corrente e focinheira. Agora passaria o dia no viveiro e dariam banho nele de balde, dentro do viveiro mesmo. Mesmo porque tem crianças na casa.

Mesmo limpo e bem cuidado, ele não sossegou o dia inteiro: rosnava preso na focinheira, estranhou a comida. Ficava em pé nas patas traseiras, tentando olhar para o matagal. A fêmea Hera cansara de agitação e cochilava; mas cada vez que Viking se agitava, ela também levantava e voltava a andar em círculos... Provavelmente, à noite os dois estariam cansados.

De uma das janelas do primeiro andar, Sérgio olhava a confusão dos criados para cuidar de Viking na área de serviço. Ele tinha certeza que o motivo da agitação dos cachorros estava no meio do mato fechado atrás da casa... E só conseguia associar ao que aconteceu no dia anterior.

O que quer que tenha passado por cima da casa, assoviava como uma ventania forte, capaz de quebrar janelas, louça da cozinha, virar caqueras pesadas, destrancar cadeados e desorganizar um telhado. Quase caiu, mas arremeteu de repente, muito rápido e sumiu na faixa de nuvens...?

Avião não faz isso.

Nem também atingiu as casas ao lado; havia jardins com árvores e as casas eram mais afastadas. Aliás, nem sabia se os vizinhos teriam visto alguma coisa; viajavam sempre. Nos jornais da tevê, não saiu nada, estranho até.

Estava assustado. Também porque viu os mais novos impressionados o dia todo; eles tiveram dificuldade para dormir, enrolaram até cochilar nos sofás. Mas Robert acordou perguntando se souberam “o que foi que voou em cima de casa.”. Brincou com ele, distraiu. Os pequenos já até pensavam em brincar na piscina...

Não tirava o olho da mata fechada. Foi então que notou:

Numa árvore, com tronco já ressecado de antiga, uma mancha. Vermelha, bem vivo!

Olhou mais: viu mais manchas, duas ou três árvores. Uma com um galho baixo quebrado... “É coisa da minha cabeça! E se já estavam ali?”, pensou. Mas teimou em olhar e realmente, eram manchas parecendo recentes. Voltou correndo a seu quarto, pegou seus óculos e voltou para a janela que dava para o quintal. Colocou as lentes e olhou de novo; é, parecia tinta vermelha... Mas era alto ali. E para que alguém iria pintar troncos de árvores sem motivo? As manchas estavam em troncos secos e em árvores vivas, também.

Não era para marcar nada, então.

Não era trabalho de bombeiro, por exemplo.

Ele ficava mais assustado. “Medo besta, seu idiota! Tá pensando bobagem!”, pensou de si. Mas a verdade é que eram estranhezas acontecendo e ele conseguia ligar uma a outra. E os outros, não. Ou pensava que não.

Desceu para a sala, correndo. Os outros meninos estavam no tapete, vendo televisão e comendo pipoca. Quando você tem aquele medo pequenininho, tipo medo-do-escuro, você evita logo ficar sozinho, não é? Bem, Sergio não é diferente; sentou logo no tapete junto dos outros e pegou pipoca. Ricky notou o amigo:

– Tava estudando?

– Eu? Não, por que...?

– Você só usa óculos para ler.

Ele tinha esquecido os óculos no rosto; tirou, mas aí os meninos já tinham notado o olhar dele.

– Tá bem? – perguntou Robert.

– Tou, pequeno. Obrigado. – sorriu para o menorzinho. Mas não convenceu Ricky, não; ele encarou mais e voltou a ver a tevê. Mas que Sergio estava estranho, estava.

E Ricky estava certo... Sergio estava assustado, mas não queria que percebessem. As manchas vermelhas nas árvores não saíam de sua cabeça. E no quintal, no viveiro, Viking latia mais baixo, mas ainda se agitava. Dava para ouvir os rosnados. E José ralhando com ele, mandando-o calar a boca.

– Tá chato ver a tevê, né? – perguntou Ralphy, deitado no tapete. Na verdade, todos eles estavam meio entediados, ficando sonolentos. Ricky se levantou e subiu para seu quarto. Rubem já cochilava ali no tapete, mesmo. Sergio percebendo que Robert o encarava, fingia não notar e olhava para a tevê, comendo pipoca.

Mas aquela intuição não o deixava.

Era meio intuitivo, mesmo. Os meninos sabiam e quando ele dizia que não ia com a cara de alguém, era melhor ficar de olho porque normalmente ele acertava. Cedo ou tarde, a pessoa daria a entender a que viesse e se tivesse más intenções, elas apareceriam logo. Sempre que Sergio ficava pelos cantos, meio quieto (era alegre e brincalhão, geralmente), os outros já prestavam atenção... Porque ele ficava assim sempre que intuía alguma coisa.

Mesmo assim, acomodou-se por ali no tapete, arrastou umas almofadas para si e escondeu o rosto nelas; tentaria dormir. Quem sabe assim sossegasse...

O relógio da sala era daqueles de pêndulo: marcava duas e meia. O ar-condicionado na sala não deixava perceber o calor lá fora, o dia estava a sol de ferver! Mas a sala foi parecendo cada vez mais confortável, o tapete criou jeito de colcha, as almofadas, de travesseiros e, quando se viu, quatro dos meninos cochilavam ali, numa “bolinha de gente”.

Nena, na cozinha, estranhou o silêncio naquela hora, foi olhar... Teve pena e não acordou ninguém. Recolheu a vasilha de pipocas, desligou a tevê e saiu bem devagar.

Lá ficou a boa copeirinha, ocupada com seus afazeres, tomando cuidado para não fazer barulho. Lembrou-se dos cães no viveiro e foi olhar da área de serviço. Os dois estavam cansados de agitação: Hera estava deitada de lado, molinha, não dormira a manhã toda; Viking estava sentado, quieto. Rosnava baixinho, de bocarra fechada na focinheira. Lutava contra o sono, mas ficava lá, de olho para o mato.

Fez sinal para José e deu-lhe ordem para não solta-los de jeito nenhum antes da casa fechar todas as portas à noite. Tensos como estavam, poderiam desconhecer alguém da casa e avançar. Deixou-o com suas tarefas e voltou à cozinha, para as suas.

E assim a tarde seguiu, até que, ao entardecer, o vento mudou de direção.

Normal.

Se um cheiro insuportável não viesse com ele!

Um cheiro de podridão, acre, como de algo sujo demais, infestava os ambientes, não importava se porta fechada estivesse! Sufocante, parecendo fechar a respiração. Como se o ar não voltasse mais...!

Os meninos acordaram de repente! Ricky desceu do quarto, os outros quatro se levantavam do tapete, sonolentos.

D.Nena, já na sala, fechava as janelas e abanava o ar com um pano de copa, agoniada!

– Que cheiro horrível é esse, hein? –perguntou Ricky, cobrindo o rosto com o decote da camiseta.

– Sei não, meu filho – respondeu a copeira – Invadiu foi a casa toda!

– Viking tá latindo alto de novo. – disse Robert.

– Eca, que cheiro ruim! – disse Ralphy.

O rottweiller tornara a se agitar, tentando abrir a bocarra para latir alerta, mas a focinheira impedia. Mesmo assim, fazia barulho e rosnava, avançando na grade do viveiro. Acordando grogue, Sergio continuava com a intuição alertando, mas não dizia nada. Só tinha certeza: o susto anterior, o alarde dos cães, as árvores sujas de vermelho (sangue?) e agora, aquele cheiro de podre, tinham a ver. Eram um só problema, mas o que...?

Era como o cheiro de um açougue imundo, um fedor de sangue, infestante!

Chamou Ricky e Rubem; estava mais assustado, agora. Os amigos já lhe notavam nos olhos.

– Preciso mostrar a vocês uma coisa. - Os levou à janela do primeiro andar e lhes mostrou as árvores manchadas.

– Sangue?! – perguntou Rubem, surpreso.

– Iiiih... – desconfiou Ricky.

– Vocês sabem que eu tenho aquelas intuições, né? – disse Sergio. Os amigos o encararam, em silêncio. – Não consigo ficar calmo, caras. Desde ontem que eu penso nisso tudo e ver aquelas manchas ali me deu medo.

– Tá. Você sabe que a gente sempre atende quando você intui. – respondeu Ricky – E no que está pensando agora?

Sergio tinha um nervoso no olhar. Demorou a responder:

– Em ir até lá.


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