Aeroporto escrita por Astaroth


Capítulo 1
Cenas I - III


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Este é o meu primeiro roteiro. Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/627081/chapter/1

CENA I

1. INT. AEROPORTO INTERNACIONAL DE GUARULHOS

Há dois bancos no palco. Em um deles, está sentada uma VELHA de sessenta anos idade. Seus cabelos são grisalhos e curtos, veste roupas simples e rasgadas e tem nas mãos ossudas uma pequena mala.

Ela fica sozinha por um tempo, até que LUCAS, um jovem de vinte anos, entra no palco e senta ao lado dela. Veste roupas caras e cheias de detalhes, o cabelo é claro e bem penteado. Há um relógio em seu braço. Está estressado. Tira uma caixa de fósforos de seu bolso e fuma um pouco, mas acaba parando e jogando o cigarro fora.

LUCAS (olhando para o relógio) — Merda.

VELHA (após uma pausa) — O que aconteceu, meu jovem?

LUCAS (demora um pouco para responder) — Oi? Ah, me desculpa, senhora. Não tinha visto você aí. O que disse?

VELHA — Queria saber o que aconteceu com você. Parece meio estressado.

LUCAS — Não aconteceu nada não, senhora. Não precisa se preocupar. (Olha para o relógio mais uma vez e balança as pernas.)

O telefone de Lucas toca. Ele o atende apressadamente, quase deixando-o cair.

LUCAS (quase gritando) — Onde você está? Eu tô aqui nesse inferno há quase meia hora te esperando! Sim, é, o voo foi cancelado. (Uma pequena pausa.) Fernando, para. Eu não ligo se você vai ver a Leila, ela pode muito bem esperar uma hora ou duas... Eu não! Preciso sair daqui agora. Recebi uma mensagem do meu agente, o Gustavo, e ele disse que conseguiu um helicóptero exclusivo pra mim, acredita? Isso sim é eficiência. Enfim, o helicóptero sai daqui a meia hora e eu não posso me atrasar. Eu pensei nisso, pedi pro Gustavo vir me pegar, mas ele disse que está ocupado demais com os preparativos pro ensaio... Vem pra cá logo, cara! O quê? Não, não dá pra esperar nem mais um segundo, Fernando. Olha aqui, se eu me atrasar, não vou conseguir chegar a tempo do ensaio da revista. Você quer que a minha carreira seja arruinada? Que tipo de amigo você é? Sua namorada pode esperar, eu não. Vem pra cá agora! Fernando? FERNANDO! Desgraçado.

(Lucas apoia os cotovelos nos joelhos e cobre o rosto.)

VELHA — Ele desligou?

LUCAS — Na minha cara, ainda por cima. Dá pra acreditar num cara desses? Quem comprou aquele maldito carro pra ele fui eu, eu mesmo! Se a minha carteira não tivesse sido suspensa, eu alugava um carro qualquer e ia eu mesmo. Ah, se os taxistas não estivessem de greve... Que canalha. Não dá pra confiar mais em ninguém hoje em dia, to te falando.

VELHA — Eu acabei ouvindo um pouco da conversa, perdão. Ele não tinha ido ver a namorada dele?

LUCAS (abanando as mãos e não dando muita importância a isso) — Sim, sim. Ela tá no hospital com câncer, parece, sei lá. Ele tá indo que nem um cachorrinho pra vê-la, ao invés de vir buscar o amigo que deu um carro pra ele! Agora me diz se aquela mulher vai sair de lá em um passe de mágica? É claro que não! Vai ficar lá um bom tempo, e ele pode vê-la quando quiser... O maldito sabe o quanto esse ensaio fotográfico é importante pra mim, pra minha carreira como modelo, mas parece que ele só consegue pensar nele mesmo. Que egoísta! Não se fazem mais amigos como antigamente.

VELHA — Mas você não acha que ele pode estar preocupado com a namorada dele? Às vezes é preciso pensar nos outros um pouco.

LUCAS — Era só o que faltava, levar lição de moral de uma velha caquética sozinha na vida. Mereço! Olha, senhora, tenho certeza que você não tem ninguém, que é sozinha nessa vida. Eu, por outro lado, tenho muitos amigos. É só eu dar uma ligada que eles virão correndo pra me ajudar, porque são amigos de verdade... Diferente daquele egoísta do Fernando.

(Lucas pega novamente o celular e liga para várias pessoas, para seus amigos. Alice, Flávio, Cristina, José, Helix... Mas nenhum deles vai busca-lo. A frustração e raiva de Lucas são notáveis.)

LUCAS — Quer saber? Eu vou andando mesmo. Não é tão longe daqui. Esses malditos... são todos falsos, todos falsos. Não preciso deles. Vou arranjar novos amigos, eu sempre arrumo... sempre arrumo... não preciso deles.

(Lucas sai do palco resmungando e repetindo essas palavras.)

CENA II

2. INT. AEROPORTO INTERNACIONAL DE GUARULHOS - SALA DE ESPERA

A cena continua com o mesmo cenário, com apenas um adicionai: há, agora, uma lixeira perto dos assentos. A VELHA continua sentada, mas está com muita fome e sua barriga ronca.

Nesse momento, REBECA entra no palco. Ela usa um terno caríssimo, seus lábios possuem uma tonalidade moderada de vermelho e seus cabelos estão presos em um coque apertado. Em uma das mãos, REBECA segura uma maleta de couro, e na outra tem uma maleta na mão e na outra segura um sanduíche. Ela se senta na cadeira ao lado da VELHA, coloca a maleta no chão e dá pequenas mordidas no sanduíche, mas acaba por desistir de comê-lo. Quando vai jogar seu lanche no lixeira, a VELHA a impede.

VELHA — Com licença, perdão, mas a senhora ainda vai comer este sanduíche?

REBECA — O quê? Ah, não, senhora. Você quer?

VELHA — Eu gostaria, minha filha. Dói muito ver algo tão caro sendo desperdiçado assim, se me permite dizer, já que eu mesma não tenho como comprar um para mim.

REBECA — Tudo bem, senhora. Tome, é seu.

VELHA — Obrigada, você é muito generosa.

A VELHA, então, pega o sanduíche come apenas metade. A outra metade é embrulhada e guardada em sua malinha.

VELHA — Você não estava com fome?

REBECA (franzindo o cenho) — Hã, eu achei que estava, mas eu realmente não consigo comer nada agora. Acho que é a ansiedade, não sei.

VELHA — E você está ansiosa pra quê?

REBECA — O meu voo... está atrasado por causa do mau tempo em Nova York. Uma tempestade, parece.

VELHA — Uh, Nova York? Você vai por quê? Pra se divertir? Vi na TV das Lojas Americanas do shopping que lá tem uns lugares bem legais pra visitar.

REBECA (rindo) — Ah, quem me dera... Vou passar apenas uns dias, senhora. Tenho uma conferência com os patrocinadores, pra anunciar uma nova tecnologia... Estava tudo planejado, mas essa tempestade atrasou todos os meus planos. Talvez a conferência seja adiada. Senhor...

VELHA — E qual é o problema? Isso não quer dizer que você vai ter que passar mais tempo em Nova York? Ah, se eu pudesse fazer a viagem... Adoraria ter que passar mais um tempo. (Ela sorri.)

REBECA — Se eu estivesse viajando de férias, talvez ficasse feliz em ficar mais tempo lá, realmente. Mas, agora, esse é o grande problema. Sabe, senhora, o casamento da minha única filha é nesse final de semana. Ela está tão animada... Tem apenas 25 anos, a Laura, e o garoto com quem ela vai casar é ótimo, o Rodrigo, é advogado. Fiz o possível pra não perder a cerimônia... Já basta eu ter faltado no aniversário dela por causa de uma reunião no Rio. Ela nunca vai me perdoar.

VELHA — Qual é o seu nome?

REBECA — Meu nome é Rebeca, senhora.

VELHA — Rebeca, um belo nome. Sabe, minha jovem, me perdoe pro me intrometer tanto assim, mas você não acha que está invertendo prioridades?

REBECA — Acredite, senhora, eu realmente fiz o que eu pude. Estava tudo planejado, mas essa maldita tempestade acabou com tudo.

VELHA — Posso fazer uma pergunta um tanto pessoal?

REBECA — Pode, sim... O que você quer perguntar?

VELHA — Eu gostaria de saber quantas vezes você perdeu um dia com sua família ou alguma data especial por causa desse seu trabalho.

(REBECA não responde de primeira e fica pensativa por um tempo. Em seu rosto, a expressão de culpa transborda.)

REBECA — Eu não tenho culpa, senhora, não tenho mesmo. Ontem a Laura me ligou, perguntando se podia me arrumar no mesmo salão que ela, disse que precisava da minha presença porque estava super nervosa. Eu respondi dizendo que tinha essa conferência importante, mas que voltava no dia do casamento e que daria uma passada lá. A gente acabou discutindo, ela falou umas palavras bem feias... Ah, como eu gostaria de poder vê-la naquele altar! Mas ela não me entende! Eu sempre tentei fazer o meu melhor... Fui eu quem sempre sustentei a casa, sabe? Desde adolescente, após a morte da minha mãe, o nascimento de Laura, desde o início do meu casamento até o divórcio... Era eu quem comprava as coisas, quem colocava a comida na mesa, quem dava de vestir pra minha filha. E isso é bom, né? Ela teve uma educação boa, sempre teve as melhores oportunidades, pôde estudar na melhor escola primária do país... Tudo isso por causa do meu esforço, do meu trabalho. Posso ter perdido uma festa de aniversário ou duas, uma apresentação na escola, um churrasco no domingo... Mas foi tudo por uma causa maior, entende? Tudo pra fazer a minha filha feliz... Mas ela parece não ver isso! Me faz sentir a pior mãe do mundo, sendo que tudo o que eu fiz foi pensando nela, no futuro dela. (Parando um pouco.) Ah, perdão, senhora, você não precisa ficar ouvindo

VELHA (após um tempo, respeitando o espaço de Rebeca) — Rebeca, se não for muito abuso meu, poderia te dar um conselho?

REBECA — Claro, claro.

VELHA — Cancele essa conferência, não deixe de ver o casamento de sua filha por causa de uma conferência. Se seus investidores estão mesmos interessados, não vão desistir se você adiar pra próxima semana, por exemplo. Não vá para Nova York, fique aqui, em São Paulo. Veja a sua filha sorrir, abrace-a, coloque o véu em sua cabeça e dê um beijo para passar o nervosismo. Ela precisa de você, não do dinheiro. Não acha que já perdeu coisas importantes demais por causa desse seu trabalho? Não a deixe só nesse momento. Não fique só, você também.

(REBECA fica calada, olhando para as suas mãos. Lágrimas caem de seus olhos. Uma voz é ouvida, no fundo: O avião, do voo 15474, está pronto para decolar. Passageiros, por favor, dirijam-se à sala de embarque.)

(REBECA olha para a VELHA. As lágrimas enchem seus olhos.)

REBECA — Tenho que ir, minha senhora. Lhe desejo um bom dia. Já fiz minha decisão.)

(REBECA sai do palco, enxugando as lágrimas. Aqui é possível, de acordo com a vontade do diretor, dar indícios sobre o desfecho da história de REBECA. A ideia inicial, principal, é deixar com que o expectador perceba por si só.)

CENA III

3. ENTRADA DO AEROPORTO INTERNACIONAL DE GUARULHOS

No palco há uma calçada e vários papelões jogados. É preciso que o espectador perceba que a VELHA acabou de sair do aeroporto. Sentado em um dos papelões há um mendigo, FERNANDO. Ele tem apenas umas poucas roupas rasgadas e um pequeno pano que o protege do frio. A VELHA aproxima-se dele, sentando no papelão ao lado e abrindo sua pequena malinha. Tirando dali uma sacolinha rosa.

VELHA — Fernando? Você está acordado?

FERNANDO — Estou, sim, querida.

VELHA — Ah, que bom! Olha o que eu consegui.

(A VELHA tira da sacolinha uma caixa de fósforos e metade de um sanduíche. Ela acende um fósforo e coloca em cima da comida.)

VELHA — Feliz aniversário! Não é muito, eu sei, mas eu tinha que trazer algo pra você. Passei o dia dentro do aeroporto pra ver se conseguia algum dinheiro... Isso é tudo, porém.

FERNANDO — Você está brincando? Obrigado, obrigado mesmo! Ah, querida, você não precisava trazer nada pra mim.

VELHA — Na verdade, Fernando, eu precisava sim. O tempo que passei no aeroporto me fez refletir bastante, sabe? Conheci pessoas que têm fama, têm dinheiro... Mas que não têm o mais importante: alguém. Tentam comprar a amizade e o amor com presentes e dinheiro, dizem que fazem tudo o que podem para aqueles dizem amar, mas só pensam neles e nas suas carreiras. Estão se afogando em um mar de solidão, mas não percebem isso; talvez até percebam, mas não aceitam, sabe? Fico feliz, Fernando, por você existir e ser meu amigo. Podemos não ter muita coisa, mas não somos sós.

FERNANDO — Mesmo não tendo muita coisa, somos felizes.

VELHA — Felizes porque temos um ao outro, meu irmão. Mas chega de falar dos outros. Aproveite seu sanduíche!

(A VELHA abraça FERNANDO e as luzes se apagam.)


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!