Jar Of Hearths

— Thalia, você tem certeza sobre isso? — O garoto Di Ângelo perguntou receoso, observando a garota ao seu lado. Ela engoliu em seco e balançou a cabeça afirmativamente, sem saber como responder aquilo.

“Sim”? “Claro”? “Faça logo”? Não, nenhuma daquelas respostas seriam adequadas naquele momento, pois ela se quer tinha certeza de que conseguiria responder. Mas o garoto entendeu e jogou os alimentos dentro da cova a sua frente.

— Que os mortos provem de novo este sabor. Que eles se levantem e aceitem esta oferenda. Que eles recordem.

Thalia assistiu em silêncio todo o rito de invocação dos mortos, ansiosa, respirando pesadamente e tremendo levemente em meio à névoa, repassando mais uma vez o que diria, apesar de que não conseguia imaginar no que poderia dizer, e quando Nico a chamou, o arrepio que se espalhou por seu corpo trouxe sua mente de volta a terra.

Ela deu três passos a frente, observando o espectro jovem a sua frente: o fantasma de Luke Castellan.

— Nico, você poderia… — Thalia pediu, sem olhar para trás.

— Preciso manter os fantasmas distantes, mas juro que meu fone é bem alto.

— Obrigada. — Agradeceu ouvindo o filho de Hades dar três passos para longe. O silêncio perdurou por três segundos, enquanto Thalia e Luke se encaravam no meio da névoa como se estivessem a sós, até que enfim Thalia o quebrou.

— Quem você acha que você é?

Quando as palavras saíram foi como se algo se quebrasse, como se aquela garota se quebrasse, toda dor e raiva enfim transbordando sobre os cacos pontiagudos.

— Quem você acha que é, Luke? — Sussurrou, uma lágrima se manchando de negra ao tocar a maquiagem. — Annabeth, Silena… — Sua voz aumentou, instável. — Quem você acha que é para quebrar tantos corações? Você despedaçou um a um… Silena ajudou a matar Charles, aquele quem ela mais amou, e a culpa a destruiu e a matou, tudo isso porque você a manipulou. E Annabeth… A nossa pequena Annabeth, você quase a matou! Mais de uma vez! Você mentiu, a traiu, ela poderia ser só mais uma alma agora nos Campo de Asfódelos! A nossa Annabeth, Luke! Você quer colecionar corações?! Por isso enfiou aquela maldita faca no seu braço?! Para conquistar o coração de quem agora, Castellan? Vai colocar todos em um jarro na sua incrível parede de troféus?! Quem você achar que é?! — Gritou a última frase com tanta força que sentiu seus joelhos ficarem moles.

— Eu sou o seu Luke. — A voz metálica, mas ainda de Luke disse.— Thalia… Eu jamais quis que acabasse assim, eu só queria que fossemos nós três de novo. Nós três caminhando juntos.

— Eu já não posso mais dar um passo em sua direção, Luke. Tampouco caminhar com você. Não posso mais confiar em você, nunca mais, e meu juramento nada tem a ver com isso. Se eu continuar a te amar, tudo o que me aguardará será o arrependimento. Eu não quero e não vou ser o seu fantasma, o que ficou para trás precisa desaparecer, você já perdeu o amor que eu mais amei.

“Sei que não posso dar mais nenhum passo na sua direção

Pois só o que me aguarda é arrependimento

Você não sabe que não sou mais a sua fantasma?

Você perdeu o amor que eu mais amei”

— Sem você e Annabeth continuarei perdido, Lia, continuarei a ser somente metade…

— Você aprenderá a viver com isso. Você sempre foi bom em se adaptar, e sempre teve coragem para ser tudo o que tinha que ser. Você vai ter coragem de fazer o que tem que fazer, eu aprendi a viver meio viva, sem você. E você agora terá que aprender a…

“Eu aprendi a viver, meio viva

E agora você me quer mais uma vez”

Thalia sentiu sua garganta apertar tanto que não era possível terminar o que falava. Respirou fundo, decidida a conseguir dizer o que tinha que dizer.

— Annabeth me contou que você quer renascer, e sei do seu pedido a Pandora, sei que esteve perguntando sobre como posso sair do meu juramento sem ser morta. — A filha de Zeus encarou o fantasma a sua frente, tentando manter a postura de raiva e impedir que mais lágrimas descessem.

— O filho de Hades te contou. — O Castellan afirmou, sem raiva ou culpa, apenas a dor de agora ter a certeza de saber porque Thalia estava ali, e saber o que ela pensava sobre. Isso o queimou como se ele ainda estivesse vivo. — E você não gostou.

— Eu também cresci, Luke. Com toda a dor que passei eu cresci forte. E eu não vou voltar para você, você não pode fazer isso, você não vai conseguir o que quer.

“Ouvi dizer que você anda perguntando

Se eu estou em qualquer lugar para ser encontrada

Mas eu também cresci forte

Para nunca cair de volta nos seus braços”

— Você quebrou o meu coração também, Luke. — A voz de Thalia agora estava mais estável, mas todo o rancor ainda se mantinha presente, assim como a dor. — No monte Otris, você sabe como doeu ao saber que você armou para Annabeth? Você tem noção de como doeu ver você tão diferente de como era? Você saber quanto tempo levou para que eu parasse de sonhar com seu corpo caindo em direção ao solo? O tempo que levou para que eu, pelo menos, sorrisse de novo e fingisse me sentir bem? Naquele momento eu queria jamais ter te conhecido, queria jamais ter vivido com você. Foi naquele momento em que percebi que todas as suas promessas foram quebradas, e agora você não pode voltar Luke. Não pode querer a Annabeth e eu de volta, não pode querer nos ganhar depois de tudo. Você não pode pedir a Pandora para que renasça, e tampouco perto de nós. Você precisa…

“Levou tanto tempo para eu me sentir bem

Lembrar de como devolver a luz aos meus olhos

Eu queria ter perdido a primeira vez que nos beijamos

Pois você quebrou todas as suas promessas

E agora você voltou

Você não irá me ganhar de volta”

E aí mais uma vez estava a palavra que precisava ser dita por ela, mas foi Luke que teve a força de dizer.

— Morrer? — Seu tom era amargo e doloroso, como se espinhos fossem lançados e ferissem tanto a ele quanto a garota a sua frente. — É isso que quer, Thalia? Que eu vá para o Elísio, onde jamais nos encontraremos? Você quer que eu te deixe ir para sempre? Que eu não retorne a vida?

— É o mínimo, Luke. Você não tem o direito de nos querer de novo, você teve chances suficientes… Você sempre foi corajoso, você precisa agora ser corajoso para… — Sua voz falhou, sem conseguir dizer.

— É isso que quer? — O garoto perguntou com a voz trêmula.

— É por mim, Luke? É por minha causa que você vai reencarnar?

— É o que você quer, Thalia? — Luke perguntou mais forte, a dor o destroçando.

— Você não pode fazer isso, Luke! — Thalia gritou, dessa vez caindo de joelhos no chão. — Eu aprendi a viver sem você, aprendi a querer a eternidade, ser meio viva eternamente para ficar longe de você! Quem você acha que é para me tomar isso? Me tomar o que me resta?! Não pode me tomar isso!

“Eu aprendi a viver, meio viva

E agora você me quer mais uma vez”

— Você não está aqui por Annabeth e nem Silena… — Luke tentou dizer, mas todas as dores sufocadas dentro de Thalia se rebelaram, tornando-a completamente destruída e sangrando palavras tóxicas.

— Quem você acha que é, Luke? Para destruir todos ao seu redor. Você me destruiu, as cicatrizes ainda sangram e você tem meu coração na sua coleção, você me despedaçou, despedaçou meu amor, e você fez isso de forma tão fria… Como não morreu antes com tanto gelo dentro da sua alma?! Você não pode voltar por mim, Luke! Você não pode voltar pra mim! Eu não resistiria! Não me tome o que me restou, por favor… Por favor, morra Luke.

“E quem você acha que é?

Andando por aí deixando cicatrizes

Colecionando um jarro de corações

Despedaçando o amor

Você vai pegar um resfriado

Do gelo dentro da sua alma

Não volte por mim

Quem você pensa que é?”

— Thalia... — Ele deu um grasno como se soluçasse, a dor o rasgando inteiro, mesmo que não fosse mais feito de carne e osso. Aquilo o destruía como ele destruiu cada coração. Ele queria dizer algo para diminuir a dor de Thalia, mas sabia que não havia como, não havia nada que poderia diminuir. Então quando começou a desaparecer, quando seu espírito era mandado de volta ao Hades, tudo o que ele poderia dizer era tão pouco que nem isso ele conseguiu dizer. Ele não conseguiu dizer “Adeus” ou sequer “Sinto Muito”.

E quando todos os mortos desapareceram Thalia se prostrou na terra, em frente â cova onde acabara de jogar o que restara do seu coração, do seu amor. Suas lágrimas enegrecidas caiam por terra, enquanto gritos se acumulavam na garganta. As mãos pálidas se arranharam na terra, enquanto os dedos escavavam por entre pedras pontiagudas, manchando o solo com o sangue escarlate. Os dentes rasgaram a fina carne dos lábios até que tudo fosse libertado em um urro que abalou a terra.

— Thalia, — A voz de Nico Di Ângelo a fez levantar o tronco, apesar de permanecer de joelhos na terra fúnebre. — Você sabe como funciona a reencarnação?

— Ao reencarnar três vezes e conseguir o Elísio em todas as três, você consegue a Ilha dos Abençoados. — Ela respondeu automaticamente, o olhar vago em uma árvore semimorta do outro lado da cova.

— Reencarnação, Thalia. Não a Ilha dos Abençoados. Para alguns a simples possibilidade de tornar a viver já é o prêmio.

— Os mortos vão até Pandora, a Dona da Caixa que Continha Todos os Males, e ela lhes propõe algum desafio, que devem cumprir para tornarem a viver.

— Algum não, um desafio. É o mesmo para todos. Você sabe qual é?

Ela balançou a cabeça negativamente, sem tentar raciocinar onde aquilo ia dar.

— O desafio, Thalia Filha de Zeus, é o de abandonar todas as suas lembranças, os rancores e amores, abandonar tudo o que restou da antiga vida. É o desafio mais difícil, e por isso quase ninguém consegue. Para atrapalhar mais, Pandora recolhe momentos da vida ou depois da morte de quem quer reviver, momentos para testar. Podem ser momentos depois de um velório de alguém com propensão a ser vingativo, com pessoas rindo, mesmo que seja em desespero. Ou alguém que seja muito apegado a família, mostra suas lembranças, para que ele não consiga força para esquecê-las. Por isso Minos não reviveu, e Bianca só conseguiu quando fiz as pazes com Percy.

— Aonde você quer chegar, Di Ângelo? Aonde vai dar toda essa aula de história?

— Com Luke Castellan o teste foi diferente: Não foram memórias, Pandora sabia que isso não bastaria, não seria um verdadeiro teste. Ela aguardou, sabendo que algo aconteceria, e aconteceu…

Thalia sentia uma névoa em seus pensamentos, e uma estranha dormência que percorria seu corpo e sua alma, demorando a compreender o que o Filho de Hades queria dizer. Mas quando a realidade apareceu, foi como se ela estivesse se afogando em fogo.

— Eu… Eu sou o teste de Luke. — Era para ser uma pergunta, mas ela sabia a resposta. Ela foi o teste, ela o atrapalhou a conquistar o que queria. Mas o pior é que ela não sabia se sentia mal ou bem ao saber disso… — Ele passou?

— Você quer saber? Thalia, você tem certeza disso?

“Sim”? “Claro”? “Diga logo”? Não, nenhuma daquelas respostas seriam adequadas naquele momento, pois ela se quer tinha certeza de que conseguiria suportar a resposta.

A Tenente das Caçadoras de Ártemis se pôs de pé, balançando a cabeça em negativa. Limpou as mãos que sangravam na calça jeans destróier, rasgou a barra da camiseta e limpou o que restava das lágrimas manchadas pelo rímel que haviam escorrido pelas bochechas, e o sangramento nos lábios vermelhos.

— Obrigada, Nico. Peço que mantenha silencioso sobre tudo isso. Preciso voltar as minhas funções, adeus Filho de Hades.

Thalia jogou o trapo sujo dentro da cova e girou, dando as costas ao buraco, suas lágrimas, seu sangue, suas lembranças e os cacos do seu coração, dando as costas a tudo o que restava em si de Luke Castellan.

[…]

— Parabéns! — Pandora disse, com um sorriso malicioso nos lábios. — Só falta mais uma vida. Você conquistou o Elísio como Páris, agora como Luke Castellan. Esse será seu último desafio. Algum pedido especial?

— Que eu fique o mais longe possível de Thalia Grace.

— Ah, meu querido! Você nunca ouviu falar em almas gêmeas?

— Isso parece mais uma brincadeira dos deuses. — Luke retrucou, sem achar graça.

— Faça-me um favor, querido: Mande um olá quando encontrar sua querida Thalia novamente, sim?

“E quem você acha que é?

Andando por aí deixando cicatrizes

Colecionando um jarro de corações

Despedaçando o amor

Você vai pegar um resfriado

Do gelo dentro da sua alma

Então não volte por mim

Não volte nunca

Quem você pensa que é? “