E então, a Lua escrita por Giu


Capítulo 3
Histórias contadas




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Matthew simplesmente não conseguia acreditar. Ele não conseguia acreditar que estava com a mulher em que pensara durante as últimas 48 horas de sua vida, fragilmente acabada e com frio, frente a frente. Não sabia como reagir, como lidar com aquela situação. Ela mantinha sua cabeça baixa, e ficava cada vez mais curioso, mais interessado na vida dela. Matt queria poder tocá-la e dizer que estava tudo bem, que ele iria acolhê-la, e que ela poderia deitar em seus braços, porque ele seria seu porto seguro. Ele ficou sem reação durante alguns segundos, até que ela gemeu. Acordando do transe, afastou-se e abriu mais a porta, em sinal de que ela poderia entrar.

Ele assentou-lhe em uma cadeira da sala de estar, e foi procurar um cobertor para aquecê-la. Enquanto ia para o quarto, seu coração estava a mil. Pensamentos repentinos invadiam sua cabeça. Ele não conseguia raciocinar. Só pensava no quanto gostaria de tocá-la, de sentir sua pele. Ele não sabia o que estava acontecendo. Suas mãos tremiam, suas pernas cambaleavam. Ele nem a conhecia direito, mas sentia o instinto de poder cuidar dela e segurá-la nos braços. Ele queria cuidar dela.

Ela não havia mostrado sua faceta desde quando havia chegado, e Matt só queria poder vê-la. E ao voltar, ele viu Zeus fazendo festa ao redor da moça que estava assentada em sua cadeira. Ela brincou com ele, lhe afagou o focinho e beijou-lhe a testa, como se já o conhecesse. Matthew ficou feliz com a atitude dela. Ela gostava de animais, e parecia gostar do seu cão. Então deu a ela o cobertor, e no mesmo momento, a mulher se enrolou.

Ele viu a cena, e ficou com certa pena, porém não se deixou abalar. Não havia nenhuma conversa desde que ela chegou. Ele não conseguiu falar de tanta emoção, e ela não disse nada. Porém, ele não sabia se era por opção ou por pura timidez. Quando se sentou no sofá que estava à frente dela, ele apenas conseguia olhá-la, e nada mais.

– Você devia cuidar mais do seu cachorro. - Disse ela.

O que? Quem ela pensava que era? Mal se conheciam, ele a havia acolhido, e essa vadia fala isso ofensivamente? Uma raiva subiu-lhe à cabeça, e ele só quis bater nela naquele momento, mas pôs a se controlar. Até que ela levantou seu rosto, e ele pôde ver o universo nos seus olhos. E ele a olhou como se tivesse se apaixonado pela primeira vez. Logo, suas mãos finas puxaram seu capuz para trás, e seus longos cabelos negros caíram-lhe sobre seus pequenos ombros. Então, flashes invadiram a cabeça de Matt. Ele voltou para a primeira vez que ele a viu. Seu maxilar inferior tenso, e sua postura. Sua face era magra e pálida como a lua. Seus lábios estavam roxos por causa do frio. Ali, ele só quis abraçá-la. E seus olhos... Matt viajou naquela escuridão. Seus olhos eram como o mais profundo oceano. Como o céu da meia-noite mais estrelado. E ele conseguiu ver o infinito.

Mas como sempre, não conseguiu dizer nada.

– Como eu fui capaz de ser tão atrevida? Aposto que se perguntou isso. - Ela prosseguiu como se conseguisse ler os pensamentos de Matt. - Eu que trouxe seu cachorro de volta quando você deu aquele chilique no meio de todo mundo. E ai, garotão? Qual é o seu problema? Você é doido?

– P-pode-se dizer que sim - ele respondeu, mas não conseguiu articular nada.

– Você não fala muito, não é mesmo? - Ela tentou puxar assunto, colocando suas pernas pra cima da cadeira e junto do peito, virando a cabeça de lado. Em resposta, ele negou com a cabeça.

Matthew não conseguiu pronunciar uma palavra sequer. Só a encarava de baixo à cima, boquiaberto com tanta beleza num ser tão... Tão... Insignificante para o mundo. Porém, significante para ele. Ela estava começando a ficar nervosa com aquilo tudo, isso ele podia perceber. Ela desviava o olhar toda vez que ele a olhava nos olhos, e ela balançava a perna.

– Desculpe-me, mas isso aqui está ficando um pouco desconfortável demais, então eu... - Ela disse, levantando-se da cadeira, entretanto, ele a interrompeu.

– Qual é o seu nome?

– O... O que?

–Seu nome. - A pergunta a fez sentar novamente. Ela deu um sorriso aliviado.

– É Emma. E o seu?

– Matthew. - Emma olhou para baixo e sorriu, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. - Você podia me dizer o que aconteceu antes de ontem? Por que correu ao meu lado?

– Eu... Não sei. Eu te vi passando na frente da minha casa correndo, e eu quis correr também.

– Por que você seguiu o meu ritmo?

– Não quis ficar para trás.

– E por que diabos você não falou que ia?

– Não quis te atrapalhar. Desculpe.

– Você é estranha.

– Não fui eu quem teve um chilique no meio da rua. - Emma tentou pegar Zeus no colo, mas ele ficou desajeitado em cima dela, porque era grande demais. Ela desistiu e o soltou no chão, rindo. Com aquela frase, Matt sentiu-se um pouco incomodado, mas apenas deu um sorriso tímido. Então levantou-se, foi na prateleira que tinha mais perto, virou de costas, pegou um calmante e engoliu.

– Você não quer alguma roupa seca minha? A gente pode colocar as suas para secarem - disse Matt, virando de frente para ela.

– Claro, claro. Estou precisando, mesmo - Emma termina dizendo.

Então ele se levantou e a chamou para que eles fossem ao seu closet, e ela escolhesse alguma roupa que lhe coubesse, ou que ela achasse melhor. Depois, ela foi ao banheiro se trocar e logo, colocou suas roupas para secarem. Matt serviu um chocolate quente, e os dois não falavam muito. Emma falava mais que ele, e eram apenas comentários em voz alta, como: "Acho que vou ficar doente." ou "Ai, que dor de cabeça”.

Quando se sentaram para tomar o chocolate, ela ficou olhando para as janelas da cozinha, até que ele falou:

– Emma, você mora aonde?

– A duas quadras daqui - ela disse, mas não olhou para ele. Apenas continuou olhando à paisagem fora da janela. Já havia parado de chover.

– Quantos anos você tem? - E ao perguntar, ela o observou e deu uma risada de leve.

– Um pouco curioso da sua parte, ficar perguntando essas coisas, não? - Dito isso, ele abaixou a cabeça e corou. Ela percebeu que ele ficou meio ressentido, então continuou: - Por que não me diz você quantos anos tem?

– Eu tenho... - E forçou sua mente. Ele não conseguia lembrar... Forçou mais um pouco, e suor começou a escorrer de sua testa. Ele fechou os olhos, mas apenas via a escuridão, e não via números. - Eu tenho... ARGH! - Ele se descontrola e derruba tudo o que tem em cima da mesa com um braço, melando o chão e fazendo barulho.

Imediatamente, ela aparece ao seu lado, e toca no seu ombro. Aquele toque o faz voltar a realidade. Aquele toque era tão real que... Ele soube naquele momento que ele era de verdade. Matthew ofegava desesperadamente, mas ela o abraçou.

– Eu estou aqui. Calma, que eu estou aqui. Shhhhhh. - Emma disse a ele, e Matt foi voltando ao normal. Então ela puxou a cadeira e pôs ao lado dele, bem perto. - Você pode me contar tudo, e eu vou ouvir cada palavra. Confie em mim.

E foi impossível não contar. Ao lado dela, ele pôde sentir o calor da pele da moça tão linda. Essa frase fez com que Matthew jorrasse um rio de palavras pela boca. E não mentiu uma vez, não inventou uma vez. Ele contou detalhadamente o que aconteceu.

– Isso tudo começou quando eu tinha por volta de 16 anos de idade. E eu comecei a ter surtos psicóticos. Eu via monstros, mas eu não conseguia tocá-los, não conseguia fugir deles. Então meus pais me internaram numa clínica cara de reabilitação. E lá eu fui tratado por um ano. Estudei lá. Tinha aulas particulares de todas as matérias. Então, consegui passar numa faculdade por perto. Tentei jornalismo, mas no primeiro dia, eu surtei novamente. Achei que meu professor era um monstro. Internaram-me novamente, e eu passei mais um ano. Depois fui liberado, e comecei a frequentar o psiquiatra todos os dias, porque eu estava ficando mais paranoico que o normal.

"Eles me recomendavam remédios pesados, e eu passei a ficar chapado todos os dias, 24 horas por dia. Tomava três cápsulas de calmante por período. E então meus pais começaram a achar muito estranho isso, porque eu não estava vivendo. Apenas sobrevivia. Dormia 17 horas por dia, e não comia direito. E um dia, minha mãe ficou farta disso, e me mudou de psiquiatra. Esse me recomendava remédios mais leves, por isso eu conseguia ficar consciente a maior parte do tempo. Assim sendo, numa noite qualquer, eu resolvi fugir no meio da noite para ir a um bar perto da minha antiga casa. Nisso, eu estava bebendo, e achei que tinha visto um demônio. Mas era só um homem qualquer que estava no bar. Com medo, eu me atirei em cima dele e comecei a agredi-lo. Ninguém conseguia me tirar de cima dele. Até que a polícia veio me buscar. Olharam meu histórico, e me internaram novamente. Até que um dia, meu psiquiatra disse a meus pais que eu precisava ter meu espaço, e que eu deveria morar sozinho. E então eu vim parar aqui."

Imóvel, Emma escutou tudo pacientemente.

– Você sabia que você agrediu um idoso da vizinhança que tentou te ajudar a levantar? – Ela perguntou.

– Não é possível – disse Matt, apoiando os cotovelos em cima da mesa e agarrando os cabelos.

– É possível. Mas quer uma notícia boa? Ele está bem, e pediu para que ninguém contasse à polícia, pois ele ouviu você dizendo coisas como “demônio” e “inferno”, portanto, teve dó de você, e achou que fosse apenas mais um menino doente.

– Legal as pessoas terem uma imagem dessas de mim.

– Não se preocupe, Matt. – Emma disse, abaixando seu tom de voz, até chegar num sussurro. – Agora quem vai cuidar de você sou eu.


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