Do Seu Jeito escrita por Anita


Capítulo 12
Egoísmo




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Liana olhou em desespero para a espada em suas mãos. Escorregadio. A mistura de sangue e suor causavam um incômodo, mas nada com que ela não estivesse acostumada. Afinal, qualquer guerreiro que quisesse chegar a comandante da guarda pessoal do pilar treinava constantemente até chegar a estado muito pior. O problema era maior. Era que, mesmo que sua visão não estivesse escurecida, turva, ela não podia fazer nada se não observar.

– Liana! — gritou um de seus subordinados.

Ela sabia que todos aguardavam ordens. Mas não podia enviá-los para dentro da caverna. Não quando sabia que depois de toda aquela região assombrada pelos monstros mais terríveis que ela enfrentava, um muito pior descansava ali.

Não obstante aquela resistência em mandá-los entrar e completar a missão, tomava-lhe todas as energias entender que precisava ficar ali e dar-se por vencida. Seus homens não estavam em condições.

Ainda teriam mais uma semana? O pensamento só lhe aumentava a frustração.

– Não faça uma carinha tão preocupada assim. Vai partir o coração dos soldados.

Liana voltou-se para encontrar seu filho mais velho.

– Zagato! — Então, seus olhos encontraram os de Zubo e ela não precisou mais perguntar como o filho a havia encontrado.

– Fui convencido a contrariar suas ordens — declarou o companheiro, tornando um olhar pensativo para a entrada da caverna.

Seu primogênito exibia um sorriso calmo ao se voltar para a guarda.

– Cuidem para que minha mãe retorne em segurança até o palácio. Nós dois nos encarregaremos de buscar a pedra. — Em seguida, Zagato adentrou a caverna, olhando para trás apenas para ter certeza de que o pai o seguiria.

– Vamos conseguir, Liana. Zagato e eu temos um plano, talvez nem tenhamos que combater o monstro.

Liana sorriu para Zubo, observando-o sumir na escuridão à sua frente. Não havia por que se preocupar, uma missão de procura confiada a meros soldados seria a maior tranquilidade para dois dos feiticeiros mais poderosos de Zefir.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Anne estudava Lantis; tentava acreditar em suas palavras. Aquele homem deitado na cama de fato possuía o cabelo escuro, bem liso. O rosto bem claro, de alguma forma, lembrava mais Zagato que o próprio Lantis. Mas não fazia sentido. Por que o grande segredo de Liana seria o marido?

– O que houve com ele!? — Lucy havia sido a primeira a falar depois que Lantis havia identificado Zubo.

– Ele não pode estar morto, eu falei com ele! — protestou Rafaga, olhando várias vezes para o sábio e para o próprio Lantis. — Isto é uma ilusão desse velho.

Com as sobrancelhas erguidas, Ferio largou a mão de Anne — quando ele a havia segurado? Nem mesmo a própria percebera até dar por falta daquele apoio — e se aproximou do homem.

– Mas ele só tá dormindo, não?

Anne também havia tido a mesma impressão, por isso também andou até o suporto corpo de Zubo e lhe tocou o pulso. A pele estava um pouco quente. Baixou a cabeça até o lóbulo de sua orelha quase tocar os lábios do homem. Então, aguardou. Agora, encostava o ouvido no peito e aguardava mais uma vez.

– Não consigo saber... — disse à plateia em expectativa.

– Ele estava vivo! — reafirmou Rafaga. — Todos falamos com ele! — E apontou para Lantis.

– Pode ter acontecido depois... — sugeriu Priscilla.

Mas Lantis a interrompeu, sua voz em fúria mal contida:

– Era um maldito feitiço.

Como que para confirmar, o sábio deu um riso leve, ajustando-se em sua begala.

– Um bem simples, até eu consegui ensiná-lo à minha cliente.

– Mas... — O olhar de Rafaga parecia perdido em suas lembranças.

– Ela não o mostrou a todos — Lantis prosseguia. — Apenas a nós dois. Os demais não o conheciam. Acho que Clef nunca falou com ele.

– Sim — confirmou o sábio. — Eu alertei que, por ser um feitiço tão simples, um feiticeiro o reconheceria. — E voltou o rosto para Lantis. — Você devia estar querendo muito acreditar naquela ilusão, não é mesmo?

Quando Anne viu Lantis fechar os punhos, não se surpreendeu quando ele apareceu na frente do sábio, curvando o corvo para o mais velha de forma ameaçadora.

– O que ela fez com meu pai!? O que isto tem a ver com aquela esfera negra? Diga!

O homem não pareceu sentir qualquer abalo com aquela postura e apenas balançou a cabeça, dizendo:

– Infelizmente, não posso.

Ele não mostrou qualquer reação nem mesmo quando Rafaga lhe apontou a espada. Mas este foi impedido por Priscilla.

– Se ele fez uma promessa mesmo, poderia morrer revelando qualquer detalhe importante, Rafaga — a ferreira explicou, seu rosto tenso.

Houve mais alguns comentários, mas Anne não prestou atenção neles e sim na figura de Lantis dando a volta e passando pela porta sem emitir um som. Os demais só perceberam esse movimento quando Lucy gritou por ele:

– Espere! — disse a amiga. Então, voltou-se a todos. — Ele vai atrás da dona Liana!

Mas ninguém se mexeu. Não era como se todos já não soubessem. Quando Lucy olhou nervosa para todos, Marine resumiu o que todos deviam estar pensando:

– Ela está tentando te matar, Lucy!

– Mas... — E seus olhos pousaram na figura enigmática de Zubo. — Mas ele não tá pensando direito! Ela teve suas razões, Marine...

Antes que Marine avançasse para amarrar Lucy ali — e ela parecia mesmo pronta a isso — Anne se adiantou.

– Lucy tem razão, mas nós também precisamos cobrar explicações de outra pessoa.

– Quê? — Marine lhe devolveu uma expressão confusa.

Anne consertou os óculos que escorregavam pelo suor nervoso de seu rosto e voltou-se para Rafaga.

– Sinto muito — disse ao comandante da guarda. — Mas acho muito difícil que Clef não esteja envolvido.

Desta vez, porém, o soldado nada respondeu em protesto.

– Alguém como ele não deveria sentir que algum feitiço perigoso estivesse sendo realizado aqui dentro do palácio?

– Ferio. — Rafaga não olhava para o outro diretamente. - Venha comigo buscar Clef. Vocês cuidem Zubo. É hora de pormos tudo em pratos limpos. — Enfim, seu rosto buscou o de Lucy. — Vá atrás dele.

– Sim! — respondeu a guerreira mágica, cumprindo a ordem prontamente apesar de protestos de Marine.

Mas Anne sabia muito bem que a amiga não seguiria a outra.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Como Lucy havia perdido muito tempo enquanto detida por Marine, ela não fazia ideia de por onde Lantis havia seguido. Ele com certeza já havia localizado a mãe por sua presença, como havia feito no dia anterior.

Tentou usar a intuição, quem sabe seu amor pudesse ser telepático? Não era hora para piadas! Brigou consigo própria, começando a sentir vontade de apenas sair correndo a esmo.

Foi quando se lembrou do medalhão que Lantis havia lhe dado muito tempo antes. Naquela época, ele havia lhe indicado a exata direção de Lantis, por que não funcionaria agora?

Quando a luz vermelha surgiu a pedra que enfeitava a joia, uma tristeza tomou-lhe o coração. Aquele medalhão... havia sido algo de Liana, não era? E parecia ser algo tão importante... Lantis não podia odiar alguém e ao mesmo tempo guardar consigo um objeto que o fazia lembrar-se dessa pessoa.

Precisava correr. Precisava encontrá-los antes que fosse tarde.

Usando o limite de suas forças, Lucy chegou até uma porta aberta e deparou-se com a mesma esfera negra que tantas vezes havia tentado atacá-la. Havia... alguém dentro!

– Dona Liana! — gritou ao identificar a pessoa, correndo até lá.

Mas seu corpo parou em um tranco. Lucy olhou para trás; era Lantis que segurava seus dois braços. Não houve sequer tempo de se zangar com ele, pois um raio de energia atingiu o chão a poucos centímetros de onde ela fora detida.

Outros seguiam o mesmo, corrigindo o alvo até ela própria, mas Lantis já havia criado um escudo que os protegia.

– Dona Liana! — Lucy tentou gritar novamente, mas o som que saía de sua boca era muito diferente, e bem mais agudo. —Precisamos fazer algo, Lantis! A sua mãe!

– Meu feitiço de antes não funcionou — respondeu ele e depois voltou a cabeça para a saída do cômodo. — Talvez Clef ou aquele senhor saibam alguma...

Mas uma voz metálica o interrompeu:

– Não! Não façam nada! — Liana pareceu se mexer de dentro da bola, mas não muito. Não havia como saber se aquela havia sido uma mensagem telepática.

– Essa esfera vai te matar. — Incerta do que mais poderia fazer, Lucy buscou o olhar de Lantis.

– E é exatamente o que ela quer fazer. Este feitiço... ele exige uma energia tão forte que mesmo eu não conseguiria fazê-lo sem sofrer com isso.

– Então era isso... — Olhando para baixo, a guerreira mágica engoliu em seco.

Lembrava-se de como todos os ataques eram direcionados a ela, de como aquela esfera havia tentado levá-la embora pouco antes. Era isso...

– Basta que se afaste, Lucy — a voz de Liana ainda soava metálica enquanto o dizia com um tom calmo, como se não estivesse cometendo o equivalente a um suicídio. — Ela não te tocará. Não mais.

Tão logo essas palavras ressoaram, a esfera deixou de envolver a mulher, que caiu semi-acordada no chão.

– Mãe! — Lantis correu até o local e se ajoelhou para sentá-la, apoiando suas costas sobre seu braço enquanto usava o outro para retirar os cabelos de seu rosto. — Acorde! Mãe!

Já era tarde demais quando ele compreendeu o que havia acontecido. Ergueu o olhar de volta para Lucy apenas para vê-la exibir um sorriso. A esfera já a havia tomado e, tal como ocorrera com Liana, o contrafeitiço de antes não surtia qualquer efeito.

– O que está fazendo? — perguntou apreensivo, repreendendo-a em parte.

– Como um ex-pilar, eu sou a pessoa com o maior poder de pensamento, né?

– Você não entendeu o feitiço?

– Sim. Acabo de entendê-lo. — Ela aumentou o sorriso, mas era difícil ver seu rosto. — Eu o trarei de volta. Cuide da dona Liana até lá. — Com essas palavras, Lucy olhou para cima e a esfera começou a subir.

Lantis se levantou, com sua espada mágica em punhos, mas o que poderia fazer com ela?

– Lucy!

Ele olhou para trás para descobrir que sua mãe havia acordado e estava se levantando.

– O que fez com ela? — demandou saber. Em seguida, apontou-lhe a espada, esforçando-se para que suas mãos não tremessem. Não podia pensar demais, precisava se concentrar no que ele poderia fazer. Forçando firmeza na voz, ele ordenou: — Traga-a de volta!

Sem responder ou agir de qualquer forma, tudo o que Liana fez foi baixar a cabeça, um gesto que Lantis não sabia ser de impotência ou de insubordinação.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Anos Antes.

Até mesmo o pilar pode enfraquecer...

Por aquele pensamento chegava a Liana em uma hora como aquela? Não podia simplesmente se sentir salva por seu marido e filho haverem chegado para completar a missão? O caminho havia sido aberto para eles e os dois tinham um plano!

Mas realmente vinha lhe incomodando observar com os próprios olhos como até a pessoa com o poder de pensamento mais forte em Zefir podia definhar.

O homem que era como um pai para Liana estava seguindo o curso da vida tal como seu pai seguira um dia. Seu corpo estava tão enfraquecido que até mesmo magias simples causavam-lhe grande dor. E seu coração, machucado por não mais poder ajudar quem lhe importava.

Antes Liana nunca lhe houvesse informado sobre aquela vila amaldiçoada. Normalmente, nem mesmo ela saberia de ataques peculiares assim até ser tarde demais e todos já haverem perecido. Com Clef em retiro por ordens do próprio pilar, um ritual para o chefe dos gurus se preparar para as buscas de seu sucessor, eram poucos os feiticeiros disponíveis. Nenhum que houvesse conseguido curar os abrigados no palácio daquela maldição. Ainda que encontrassem Clef a tempo, ele conseguiria?

Mas havia outra solução. É; sempre havia. E esta envolvia aquele vale abandonado, tomado por monstros. E uma caverna com pedras tão poderosas que haviam aumentado a força dos habitantes ao redor. Mesmo Liana, que de mágica sabia apenas o que aprendera dos monólogos do companheiro, podia sentir a energia.

Essa era a pedra mágica que podia amplificar o poder do pilar para extinguir a maldição. Concomitantemente, esse uso de energia aceleraria sua morte. Mas era melhor não pensar nas probabilidades.

Conseguir aquele objeto mágico era missão de Liana. Era ela quem havia prometido só retornar quando o sucedesse.

– Vocês voltem na frente — ordenou seus homens.

– Mas, Liana! — O segundo no comando da missão de um passo, certo de qual era a intenção da superior. — Zagato nos pediu que...

Liana o interrompeu sentindo os olhos queimarem:

– E quando foi que meu filho virou o comandante da guarda?

Não estava enxergando direito, sequer tinha a atenção realmente ali, atenta a qualquer movimentação no interior da caverna, mas pôde sentir seus homens acederem às ordens.

Sem esperar que já houvessem reunido tudo para o retorno, Liana segurou com força sua espada e empurrou seu corpo exausto para o interior da caverna.

Chegou a tempo apenas de ver que o plano dos dois feiticeiros havia falhado e o monstro agora segurava seu companheiro, esmagando seu corpo como se fosse... como se não fosse a pessoa que Liana mais amava na vida.

– NÃAAAAAAO! — ela gritou ainda que seu próprio cérebro não conseguisse registrar muito bem aquela cena.

Sua cabeça gritava de volta que logo ela acordaria do pesadelo. Não havia como seu companheiro, o grande feiticeiro que a entediava com histórias de outros grandes feiticeiros, que tudo sabia, que era seu mundo... Aquele barulho quebrando era alguma coisa. Nunca seria Zubo.

Então, tudo ficou branco.

Era um sonho mesmo! Quis pensar assim quando não entendeu onde estava, mas não conseguia acreditar na possibilidade. Porque o barulho vindo do corpo de Zubo ainda lhe ecoava nos ouvidos.

– Liana — era a voz do pilar.

Mas sua garganta estava entupida, não havia como respondê-lo. Seu corpo sequer lhe obedecia para reverenciá-lo.

– Eu sinto muito... — disse o pilar reticente. — Eu não consigo curá-lo. Eu ouvi seu grito, senti sua dor, mas já é tarde demais para curá-lo.

As lágrimas também não vinham ao rosto de Liana.

Mesmo que um novo pilar fosse logo encontrado, já seria tarde demais para trazer Zubo de volta. Ele já haveria entrado no ciclo da vida.

Como uma missão tão boba — que nem sequer era dele — podia fazer tamanho estrago? Era um pesadelo. Só podia ser um pesadelo.

– Liana — o pilar a chamou novamente. — Há uma solução, mas você irá precisar ser paciente. Não será nada fácil reunir o necessário e não creio que vá conseguir a ajuda de qualquer um.

– Diga! Eu faço o que for! — gritou enfim. Para isso, sua voz funcionava perfeitamente. Afinal, era por Zubo.

– Pois bem. Eu parei o tempo de Zubo e agora lhe mostrarei tudo o que sei sobre esse feitiço.

Eram os últimos atos do pilar, e ela sabia disso. Podia tê-lo impedido. Podia ter dito que mais valiam as vidas dos aldeões abrigados no palácio. Que eles precisavam mais daquilo agora que possuíam a pedra. Mas não enganaria ninguém. Ela não queria enganar ninguém.

Tudo o que Liana realmente queria era ter Zubo com ela.

Continuará...

Anita


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