The Sages escrita por Maya


Capítulo 8
08 - Deveres


Notas iniciais do capítulo

Heeeeey you all! Estou super, hiper, mega feliz. Sabem porque?
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Liz volta a dormir segundos depois, sem dizer uma palavra. E eu fico com um monte de perguntas a fazer. De alguma forma, eu sei que essa pequena criatura sabe de minha origem. Mas como ela pode saber? Por mais sensíveis que as crianças humanas sejam, descobrir uma história tão extensa como essa desse jeito...

Meus pensamentos se perdem no “história extensa”. Franzo o cenho. Nossa história é realmente tão grande assim? Parando para pensar, quando foi que tudo começou? Minha cabeça dá um nó que não consigo desfazer.

Ouço a porta sendo aberta e fechada. É Paco. Ele olha para mim e logo depois se volta para Liz. Fica a observando com tanta angústia que parece que se sente culpado pelo que aconteceu. Sinto um ímpeto de dizer-lhe que a única culpada sou eu, mas algo me detém. Apenas solto as mãos de Liz e vou até o garoto.

– Eu sinto muito – ele diz.

– É. Eu também.

Ele para e pensa um pouco.

– Sua irmã... Você já deve ter percebido isso, mas tem algo de diferente nela. Eu notei naquela noite que passei brincando com ela em sua casa.

Fico ansiosa. Ele percebera algo de errado bem mais rápido do que eu. Talvez eu tenha ficado tão humana que tenha perdido a capacidade de sentir certas coisas. Isso explicaria o dia em que não senti a proximidade de Mackenzie, ou quando demorei mais do que o necessário para perceber a aura de Paco.

– O que você notou?

Paco encolhe os ombros.

– Não sei como explicar... É só que ela me olhava de um jeito estranho. Profundo, pode-se dizer. Liz me olhava como se pudesse enxergar minha aura.

Ficamos nos encarando em silêncio. Não sei decifrar o que Paco está pensando pelo seu olhar. Porém eu acredito que ele esteja conseguido me decifrar. Gostaria que ele dissesse o que estou sentindo, porque eu não tenho muita certeza.

Me surpreendo comigo mesma quando me aproximo do menino e o abraço por trás. Sinto Paco ficar tenso com o ato repentino, mas ele logo relaxa e segura minhas mãos. Não sei o que me levou a fazer isso. Mas é bom ter um momento assim com outro Sábio e sentir que somos irmãos de verdade pelo menos uma vez. Quando foi que um momento tão próximo assim aconteceu pela última vez entre nós cinco? A resposta é rápida a chegar e eu não gosto dela.

– Sohan está lá fora – Paco fala bem baixinho. Não sei se é por mim, por ele ou por Liz. – Ele quer falar com você.

– Dar uma bronca, você quer dizer. – Procuro falar no mesmo tom.

Ele torna a se aquietar por uns segundos.

– Seja lá o que for, você tem que ouvir. Essa também é uma das responsabilidades da líder.

Não posso negar que ele está certo. Murmuro em concordância, o solto e saio do quarto.

. . .

Encontro Sohan encostado na parede e com os braços cruzados, alguns metros ao lado da porta do quarto. Olhando agora, ele é claramente o mais velho de todos nós, julgando pelo seu tamanho e sua barba ralinha. Além de arrogância, sua aura também transmite certa rudeza. Mas não posso julgá-lo por sua aura. Ela nem sempre revela tudo.

Ele se vira para mim quando me nota. Paro a sua frente.

– Pode começar o julgamento – digo. – Prometo que ouvirei todas as críticas sem dizer nada.

Sohan balança a cabeça.

– Como pode se chamar de líder com uma atitude dessas? Francamente... – O indiano suspira. Continuo o encarando. – Eu não vou te julgar, e tenho três motivos simples para isso: porque eu não tenho autoridade o suficiente para tal; porque a L.C vai fazer um julgamento muito melhor do que qualquer um que eu possa fazer; e porque quando eu fui o primeiro a puxar aquela espada, você ficou do meu lado.

É verdade. Século XX. O Vento tinha assumido o corpo de um coreano chamado Kwan que, no desespero para proteger seus melhores amigos humanos, quebrou a Primeira Regra. Quando todos o encontramos e ficamos sabendo do ocorrido, Água, Terra e Fogo – na época, Gregory, Kimberly e Tafari – o julgaram de imediato. Mas eu, não. Eu lhe disse que tudo daria certo e que o ajudaria a contornar a situação.

E mesmo que não esteja fazendo o mesmo que eu, é Vento agora quem me tranquiliza. Além de grata, eu fico surpresa com isso. O trauma de ter desbloqueado a maldição no século passado fez com que ele perdesse a humanidade que – assim como todos nós – tinha adquirido com o passar do tempo. Mas, pelo jeito, ele está recuperando essa parte. Fico feliz por isso. E logo em seguida me pergunto o que me leva a ficar assim.

– A Mackenzie pode chegar a qualquer momento. Esteja preparada.

– Eu sei – respondo. – Obrigada, Vento.

Sohan dá de ombros.

– Os outros estão preocupados com você. Deveria ir lá e falar com eles – ele diz.

– Certo. Vamos lá.

. . .

Dustin e Michele ainda estão na sala de espera. Eles levantam as cabeças quando chego e correm até mim, cheios de preocupação. Dustin logo me pergunta como Sophie e Liz estão. Digo que elas estão vivas, e que isso é tudo o que importa.

Paco se reúne a nós poucos minutos depois. Todos nos sentamos lado a lado, comigo no meio, e ficamos em silêncio. Algum tempo depois, Dustin faz menção de segurar minha mão. Fico nervosa e a retiro de seu alcance. Ele entende o recado.

– Vou pegar um pouco de água – ele diz enquanto se levanta. – Mais alguém quer?

– Não, água me dá azia – responde Paco. – Prefiro um pouco de fogo.

Michele acha graça. Sua risada contagia a todos nós, e de repente nossas risadas quebram o silêncio costumeiro do hospital. Isso faz com que mais uma vez eu tenha aquela sensação de ter me tornado mais humana, de estar com irmãos igualmente humanos. Mas também não consigo deixar de pensar que, se Sophie e Liz estivessem aqui ao invés de estarem internadas, seria bem melhor.

Afasto a melancolia, mas não posso impedir minha risada de se perder. Os outros me acompanham e Dustin enfim vai pegar sua água.

Perco mais uma vez a noção do tempo. Em algum momento, Michele diz que eu deveria dormir um pouco e eu concordo. Deito-me num banco vago e desconfortável e não demoro a adormecer.

. . .

Acordo com uma mão me balançando tão suavemente que chego a pensar que é Sophie. Abro os olhos e percebo o tamanho do meu engano.

– Bom dia, flor do dia. Podemos conversar?

Para a felicidade das minhas retinas, Lady Crystal dispensou aquele brilho exagerado. Se eu não a conhecesse, poderia facilmente dizer que ela é alguém normal.

A sala de espera está com as luzes apagadas. Por trás de L.C, vejo apenas as silhuetas de meus irmãos Sábios, todos adormecidos. Torno a focar em minha chefa e faço que sim para sua pergunta. Um leve sorriso aparece em seu rosto.

– Que bom. Levante-se e venha comigo.

A obedeço sem pestanejar. Mackenzie me guia por um corredor iluminado e paramos no meio dele. Percebo que as únicas portas aqui são as que levam ao banheiro masculino e feminino, mas não ouço barulho vindo de nenhum deles.

– Fique tranquila – ela diz. – Estamos sozinhas aqui.

Ela diz isso com naturalidade, mas muitas coisas que L.C diz com naturalidade me deixam com os nervos à flor da pele.

– Eu sei que você quer me matar. Pelo menos faça isso depressa.

Mackenzie ri de forma elegante.

– O que seria de nossa missão se você estivesse morta, Luz? Eu nunca te mataria. Mas o que você fez foi muito errado.

Fico com medo. Ela está mais calma do que quando eu quebrei a Segunda Regra.

– Então... Como você vai me punir?

– Eu não preciso fazer nada. Você já foi punida.

É claro que já fui. Chase morreu. Sophie pode nunca mais voltar a andar. Liz pode ter sofrido um dano grave no cérebro. Nada do que Mackenzie faça agora pode ser pior do que tudo isso.

Mas ainda assim, ela dá outra risada elegante e balança a cabeça.

– Não é só disso que estou falando. Me refiro ao início de toda essa confusão.

– Mas o que... – Começo. E logo me toco. – Ah. Século XX.

– Também conhecido como a perdição dos Sábios. – Mackenzie suspira com lamento. – O século em que vocês ficaram mais... Humanos.

Ela não podia ter colocado de forma melhor. No século XX, todos nós cometemos grandes erros, e esses erros foram motivados justamente por termos ganhado mais humanidade. Nós cinco fizemos um acordo de não falarmos mais nessa época. Infelizmente, o passado não pode ser apagado por um simples acordo.

– Aquela época foi a mais desastrosa possível para vocês cinco. Vento quebrou a Primeira Regra só para defender umas crianças tolas. Terra se misturou demais com os humanos e acabou não conseguindo livrar os amigos do perigo. Fogo achou que sua família adotiva tinha mais importância do que nossa missão. E você e Água...

Não fale, penso em súplica. Não fale!

– Implorar não vai apagar o que vocês fizeram – diz L.C, mais uma vez lendo meus pensamentos. – Ou vai negar até o fim que você e Água tiveram um caso?

Cerro os punhos e me esforço ao máximo para não responder. Droga! Por que ela tem que falar nisso? Eu prometi a todos e a mim mesma que me esqueceria, e foi o que fiz. Consegui reencontrar o Água nesse século sem pensar naquele maldito dia em que fomos totalmente humanos. Por um momento, nós dois nos esquecemos de nossa irmandade e fomos julgados por isso. E prometemos nunca mais tocar no assunto.

Então, por que raios ela tem que falar disso agora? Não vai nos ajudar em nada, e estamos num ponto onde o que menos precisamos é de algo nos atrapalhando.

Um grito reprimido me sufoca. É exatamente em momentos como esse que sou obrigada a detestar Lady Crystal.

– Já percebi o quanto vocês estão próximos nesse século. – Minha chefa estreita os olhos. – Não estão repetindo a dose, estão?

Que idiotice. Nós nunca faríamos aquilo de novo e ela com certeza saberia se fizéssemos.

– Pare de besteiras. O que você quer de verdade? – Eu ataco.

O olhar debochado de Mackenzie se transforma num olhar severo.

– O que eu venho tentando fazer por todo esse tempo: botar juízo nas cabeças de vocês. Principalmente na sua. Eu nunca pensei que vocês seriam tão irresponsáveis a ponto de eu precisar tomar medidas extremas.

Abro a boca para perguntar, mas não demoro a perceber que não preciso. “Medidas extremas”...

Lembro de quando nos encontramos com Paco e ele contou que o emprego de seu pai tinha sido movido para cá, semanas depois de sua casa receber a visitinha de um monstro. “Coincidência”, dissera ele. Eu tinha estranhado na hora e continuo estranhando.

Lembro de que Dustin veio morar justamente com sua tia Kora após a morte de seus pais adotivos, e não com a família de sua mãe ou algum amigo na Austrália.

É coincidência demais para mim.

– O que você fez, Lady Crystal? – Pergunto, minha voz já trêmula de medo.

– Pense, Luz. Tenho certeza de que sua inteligência não desapareceu como sua responsabilidade.

Só agora percebo que o carro de Chase não poderia levá-lo ao aeroporto tão rápido; a casa dos Wattersons não é muito perto do local e ainda tinha o trânsito. Mas ele chegou cedo, foi arrastado até o grande caos em meu bairro e morreu diante de meus olhos. Também tem o pequeno detalhe de Michele e Sohan só terem chegado nesse dia. Pense, Hailey. Tem mais uma coisa...

O ataque dos monstros à escola. Foi justamente no primeiro dia de aula de Dustin e a maioria foi para cima de Chase. Quando estávamos no hospital, Mackenzie nos repreendeu por termos burlado as Regras. Mas, pensando bem, ela teve tempo o bastante para me avisar antes que alguma calamidade acontecesse – é o dever dela. Também teve tempo para avisar a Dustin, e só fez isso depois de seus pais morrerem. Como eu nunca tinha pensado nisso?

– Foi você, não foi? – Agora minha voz treme tanto que quase não sai direito. Meus olhos começam a marejar enquanto a fé que tinha em minha chefa vai por água abaixo. – Foi você quem enviou todos esses monstros.

Ela não nega nem confirma. Fico esperando que ela exploda em risos e diga que essa foi a maior bobagem que já disse em todos esses séculos. Entretanto L.C continua me encarando friamente.

– Por que você fez isso com a gente? Não só com a gente, com esses humanos todos? Tem noção de quantos morreram nesses ataques? Chase morreu!

– Foi exatamente por isso que precisei mandar os monstros. Achei que, se mostrasse a vocês que suas ações estavam botando em risco as vidas dessas pessoas, vocês entenderiam a necessidade de assumirem a missão a sério.

Minha cabeça dói como se tivesse passado um dia inteiro bebendo cerveja. Isso não pode ser verdade. Não pode!

– Mas como você pode ter mandado os monstros? Eles são nossos inimigos. Por que você consegue dar ordens a eles?

– Meu poder é muito maior do que você imagina, Luz. Eu não posso dar ordens aos originais, mas posso reproduzir minhas próprias criaturas.

Deve ser por isso que eles estão tão inteligentes dessa vez, imagino.

– Quer dizer que você fez tudo isso, matou todas essas pessoas, só para que nós ficássemos mais responsáveis?!

– Exatamente – Mackenzie responde, de um jeito tão tranquilo que me dá ainda mais raiva.

– E por que está me contando isso agora?

– Se não consegui despertá-los de forma indireta, não me resta outra opção a não ser explicar tudo de uma vez. Tenho certeza de que você poderá repassar isso aos seus irmãos, e então vocês podem finalmente voltar aos seus deveres da forma certa.

– Seu monstro! – Grito. – Você é pior do que cada uma dessas criaturas que enfrentamos. Elas estavam apenas cumprindo ordens; você planejou tudo isso.

– Às vezes, uma mãe precisa fazer coisas impensáveis pelo bem de suas crianças – L.C diz naturalmente.

– Então você é a pior mãe do mundo – murmuro. – Saia daqui. Agora!

– Não seja tola, Luz. Não pode concluir sua missão sem minha ajuda. Sou eu quem os guia sempre, lembra?

– Nós vamos dar um jeito. Desapareça!

Ela balança a cabeça, lamentado,e começa a brilhar, desaparecendo aos poucos. Mas antes de ir, me encara e dá seu último recado:

– Pode rejeitar minha ajuda, mas como mãe, eu vou lhe dar uma dica: para chegar ao fim, é preciso voltar à origem de tudo. Boa sorte, criança.

E Lady Crystal se vai.

Mergulho num choro de frustração e decepção. E quando me viro, percebo que não sou a única. Porque Michele está em prantos bem atrás de mim.

Ela balança a cabeça, tentando negar o que ouviu, mas eu confirmo com outro gesto. Michele soluça e vem até mim. Dessa vez sou eu quem abre os braços para recebê-la.

. . .

Voltamos à sala de espera depois de longos minutos chorando, uma no ombro da outra. Nossos três irmãos ainda dormem. Digo à Michele que irei me encarregar de contar tudo a eles e vou acordá-los.

A recepção por parte deles também não é nada boa. Dustin é o primeiro a demonstrar isso: ele se levanta depressa, chuta a lata de lixo e soca a parede com tanta força que não sei como seu punho não se quebra. Sohan levanta-se e vai para o fundo da sala, fica andando de um lado para o outro enquanto esfrega o rosto e solta resmungos em hindu. Já a reação de Paco me surpreende mais: ele simplesmente abre a boca e começa a chorar como uma criança de verdade.

O tempo todo, desde que Mackenzie contou a verdade, não consigo tirar minhas irmãs adotivas e Chase da cabeça. O que L.C fez alterou para sempre seus destinos – Chase, na verdade, não tem mais destino algum. Mas ao mesmo tempo em que sinto raiva dela, não posso deixar de ver meu próprio erro. Sinceramente, não sei o que aconteceu. Eu cheguei na casa dos Millers planejando parecer legal apenas para conquistar a confiança deles. Mas alguma coisa aconteceu nesse tempo, e quando Chase chegou, não fiz o menor esforço para me impedir de gostar dele.

Quando foi que eu fiquei tão... Humana?

– “Origem de tudo”... Ela não pode estar falando do século XX – pondera Michele. – Apesar de tudo, nós não podemos voltar no tempo.

– Acho que ela estava se referindo a algo além disso – proponho. – Talvez, à nossa origem.

Todos olham para mim.

– E qual é a nossa origem? – Pergunta Dustin.

– Esse é o problema. Eu não faço a menor ideia. – Suspiro. – Ultimamente tenho tido dúvidas sobre nós mesmos. De onde viemos? Qual foi a nossa primeira missão?

– Também não me lembro – diz Sohan. – Tenho certeza de que não estamos aqui desde o primeiro século, mas...

O silêncio retorna. Não sei se os outros ainda estão lamentando em silêncio ou se só estão pensando. Eu não estou fazendo nenhum dos dois de verdade. Em minha cabeça só se passam alguns flashes de imagens e lembranças, mas não me concentro em nenhuma delas.

Dustin diz que precisa de um ar e sai da sala. Ninguém o segue. Sohan volta a se sentar e permanece de cabeça baixa. O rosto de Michele ainda está vermelho, mas agora não está chorando mais. Paco também não. Agora, ninguém está fazendo nada além de refletir. Imagino no que eles possam estar pensando. Imagino se estão sentindo tanta culpa quanto eu. Acredito que não.

– Eu tinha um irmão adotivo – Michele começa. – Seu nome era Gabriel. Ele tinha a mesma idade que eu e até éramos um pouco parecidos, então as pessoas brincavam falando que éramos gêmeos que tinham se separado. Ele era um pouco irritante às vezes e muito ciumento, mas na maior parte do tempo era carinhoso e atencioso. Eu o amava de verdade. Só que... Amá-lo não me fez capaz de protegê-lo.

Ela não dá detalhes do que aconteceu e nenhum de nós insiste nisso. Michele também não conseguiu proteger alguém que amava e todos nós entendemos como isso pode te destruir por dentro.

– Os meus pais adotivos sempre trabalharam muito para manter seu dinheiro – agora é a vez de Sohan. – Acho que eles me adotaram acreditando que eu poderia herdar suas riquezas, mas eu sempre era deixado na casa de meus avós quando eles estavam fora, o que acontecia com bastante frequência. O vovô e a vovó eram incríveis, então eu nunca me incomodei com isso. – Ele faz uma pausa. Tenta continuar, mas se impede. – Eu não preciso dizer o que aconteceu, preciso?

Nós três balançamos a cabeça em negativa.

– Eu menti – Paco diz de repente. – Ou melhor, eu omiti uma coisa. Naquele dia em que um monstro apareceu na casa dos meus avós... É verdade que eu o destruí quando o vi entrando no banheiro. Mas ele era só uma isca. Quando eu voltei para o jardim, meu primo... – Ele volta a chorar. – Droga, esse corpo sensível de criança... Meu primo e eu tínhamos a mesma idade. Meus tios adotivos sempre iam lá em casa com ele, então nós meio que crescemos juntos. Eu não devia ter saído do lado dele. Devia ter sido mais atento.

Penso em dizer que não foi culpa dele, que de qualquer forma alguém teria morrido naquele dia. Contudo, fico quieta. Todos ficamos.

Por mais que estejamos com raiva, seria errado colocar toda a culpa em Mackenzie. O que ela fez foi errado, mas ela fez o que fez porque nós não soubemos o nosso lugar. Acredito que todos estejam pensando a mesma coisa. Devíamos ter nos lembrado do século XX para não cometermos os mesmos erros nesse século, mas nós falhamos de novo. Não há nenhum lado certo nessa história. E se não tem um lado certo, também não tem um lado errado. Há apenas uma mãe que queria ver os filhos amadurecendo e os filhos que insistiram em permanecer crianças.

. . .

Acordo na manhã seguinte sem saber direito quando eu fui dormir.

Noto que mais uma vez acordo antes dos outros. Porém está faltando um aqui: Dustin. Eu não o vejo desde que ele disse que ia dar uma volta. Não sei se ele já acordou ou se apenas não voltou.

Me levanto e acordo Sohan, perguntando se ele viu Dustin. Ele diz que não. Tento Michele e Paco. Ambos negam.

Nós quatro resolvemos ir a sua procura. Assim que saio da sala, a primeira coisa que noto é que os corredores do hospital está cheio. Meu coração salta e por um breve momento me ocorre o terrível pensamento de que toda essa gente está aqui para ver Dustin, mas logo me toco de que ele não pode ter se relacionado com tantas pessoas.

Minha preocupação só volta quando identifico Kora vindo em nossa direção.

Nós paramos. Troco um olhar preocupado com Paco. Kora para a nossa frente e também olha para nós dois.

– Aí estão vocês. Sabem onde Dustin está?

– Na verdade, nós também gostaríamos de saber – respondo. – Por que veio até aqui?

– Imaginei que você estaria aqui e que estivesse com meu sobrinho. Dustin não voltou para casa ontem, então eu entrei em seu quarto para procurar alguma pista. Então eu achei isso. – Ela tira do bolso um pedaço de papel e me entrega. Nele está escrito o meu endereço e depois tem uma setinha, seguida pelas palavras “Casa da Hay”. – Eu vi que o seu bairro era o mesmo que foi destruído e pensei que podia te encontrar aqui. Ouvi falar que alguns jovens tinham saído ilesos de lá. Que bom que você é uma deles. Por favor, garota, me diga: Dustin estava com você naquela hora?

– Sim – respondo. Ela solta um arquejo de aflição e eu logo conserto: – Mas ele também é um dos que saíram ilesos. Dustin ficou no hospital comigo porque minhas irmãs estão internadas, mas ele saiu ontem à noite e ainda não vou. Estávamos justamente indo procurá-lo.

– Por favor – Kora pede –, me deixem ir com vocês.

Olho para os outros. Eles não dizem nada.

– Claro – respondo. – Acho que sei onde ele pode estar.

. . .

Assim que Kora estaciona diante do portão do Gosnold’s Hope Park, sinto um rastro da aura de Dustin.

Digo a ela e aos outros Sábios para esperarem e sigo para a passagem entre as árvores que leva ao meu cantinho secreto. Meu palpite é certeiro: Dustin está sentado no mesmo aglomerado de pedras em que tantas vezes sentei para ler algo e pensar, o mesmo lugar onde conhecemos Paco.

Me sento ao seu lado sem dizer nada. O Sábio da Água nem olha para mim. Depois de alguns segundos de puro silêncio, resolvo quebrá-lo.

– Você nos deixou preocupados.

– Desculpe. Não era a minha intenção. Eu estava precisando tomar um ar fresco e aqui é realmente um lugar ótimo para se pensar.

– Eu sei – digo. – Já passei horas e horas aqui, só pensando.

– Também é bom para dormir. Esse musgo é mais confortável do que parece.

– Acho que isso não é muito diferente de dormir na rua.

– Acho que eu não estava me importando muito com isso ontem à noite.

Olho para ele. Dustin retribui o olhar logo depois.

– Kora está lá fora. Ela estava tão preocupada que nos procurou para saber de você. Você tem que conta a verdade a sua tia também, Água.

Dustin concorda com um gesto e logo em seguida franze as sobrancelhas.

– Ela foi até vocês? Como os encontrou.

Mostro-lhe o papel com meu endereço.

– Dedução. Desde quando meu apelido é “Hay”?

Dustin ri.

– Na verdade, eu comecei a escrever seu nome errado, e quando fui apagar eu percebi que “Hay” dava um apelido legal. O que achou.

Dou de ombros.

– Não sei. É a primeira vez que tenho um apelido.

– Então vai ser esse. Que tal seguir essa linha e me dar um apelido também?

– Tipo... Dusk?

– Dusk... É, nada mal para uma iniciante.

É a minha vez de rir.

– Sabe que eu nunca vou te chamar assim, né?

– Sei. – Dustin abre um grande e contagiante sorriso. – Mas eu agradeço pela força, Hay. – E se levanta. – Eu vou falar com Kora. Desculpe por ter sumido.

– Tudo bem. – Também me levanto. – Todos ficamos chocados. Mas ainda precisamos nos unir para entender o que Mackenzie quis dizer com “origem de tudo”, então não faça isso de novo.

– Ah. Quanto a isso...

Dustin tenta dizer algo, mas hesita. Não o pressiono, muito embora essa demora me deixe agoniada.

– O que foi?

– Eu tive um sonho essa noite – ele conta –, e acho que posso ter descoberto de onde nós viemos.


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Notas finais do capítulo

Bem, é isso pessoas. Lembrem-se: mantenham os objetos cortantes de fora ^^ Já sabem: qualquer sugestão ou crítica construtiva, podem mandar. Até o próximo :3
(O link do álbum com os banners, dreamcast e wallpaper tá no meu perfil. O Nyah tá meio estranho com essas notas iniciais).



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