The Sages escrita por Maya


Capítulo 2
02 - Verdade


Notas iniciais do capítulo

Olá! Mais um capítulo lançado. Aproveitem!



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Achei que demoraria para dormir, mas caio no sono quando as luzes ainda estão acesas. E não sou a única: Dustin me aguarda num sonho.

Os Sábios têm a habilidade de se comunicar entre si através dos sonhos. Para isso, é necessário que o Sábio que fará o contato saiba a localização do outro. Assim, basta que os dois estejam dormindo ao mesmo tempo. É possível fazer o contato com mais de um Sábio se aquele que o abrirá souber onde todos estão. É preciso se concentrar bem naquele com quem quer falar antes de fechar os olhos, e então aguardar. Assim que o outro adormecer, o contato será iniciado e a contagem de dez minutos – o tempo máximo – começa. No sonho nós nos vemos com nossos corpos humanos, embora sem os machucados. Também podemos reutilizar nossos corpos antigos. Mas não fazemos isso com frequência.

Dustin se encontra deitado no costumeiro salão branco – local do encontro dos Sábios durante os sonhos. Ele está com as mãos juntas abaixo da cabeça, o olhar fixado no teto do salão. Então, o garoto percebe minha chegada e sorri.

– Mana! Como está?

– Razoavelmente bem. E você?

– “Razoavelmente bem”? Voltou a falar como Angélica?

– Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Mas o Sábio da Água continua com o sorriso brincalhão.

– Estou indo bem. Nada como uma boa cama de hospital para recuperar as forças. Recebeu visitas?

– Sim, da minha irmã adotiva. Ela disse que todo mundo está dizendo que os monstros no atacaram e que ninguém acredita nisso. Ela até acha que foram na verdade bandidos, mas estávamos tão assustados que pensamos que eram monstros das trevas.

– Ah! Humanos. Preferem dizer que estamos todos malucos a imaginar um pouco.

– Bem, não pode culpá-los. Isso é coisa de filme de terror. Não faz parte da realidade deles, e sim da nossa.

– Não acho que seja uma boa desculpa. Eles têm mentes muito estreitas.

– Nem todos.

Dustin me encara em silêncio por alguns segundos.

– Esse corpo gosta mesmo dos humanos, né? Isso é inédito.

Não tinha pensado nisso ainda. Como Hailey Miller, eu realmente gosto dos humanos mais do que gostei em qualquer outro século. Provavelmente porque me acolheram tão gentilmente, porque pela primeira vez compartilhei dores com eles, vi humanos que realmente foram importantes para mim sendo enterrados. Talvez isso e a solidariedade vinda de tantas pessoas fez os humanos subirem no meu conceito.

Apenas abaixo a cabeça. Ele entende o que quero dizer e suspira.

– Enfim... Até que essa história do ataque pode ser útil para nós. Não me olhe torto. Veja bem: com certeza a notícia terá uma repercussão internacional, ainda que não acreditem que tudo foi causado pelos monstros. Os outros Sábios certamente saberão do ocorrido e começarão a se apressar para nos unirmos o mais breve possível.

– Sim, se considerarmos que todos os três assistem ao noticiário diariamente ou lêem o jornal.

Dustin não presta atenção em mim. Ele está olhando fixamente para o teto novamente enquanto tamborila os dedos da mão esquerda no queixo.

– Pensando bem... Eles não precisam disso pra saber que está mais do que na hora de nos encontrarmos.

– Como assim?

Ele se levanta.

– As estrelas, Hailey. Estão desaparecendo.

Sinto minha respiração ficar mais pesada. Continuo encarando Dustin em silêncio até que minha visão começa a ficar borrada. Mal consigo escutar o que meu suposto irmão diz em seguida:

– Precisamos descansar, então estou encerrando o contato. Boa noite, mana. Sonhe comigo!

...

A primeira pessoa que vejo ao acordar é Chase.

Nós nos conhecemos dois anos atrás, quando ele chegou na cidade e foi estudar no mesmo colégio que eu. Não demorou muito para ele se tornar popular: bonito, inteligente e um dos melhores do time de luta. O que mais uma garota podia querer? Pois era exatamente por isso que eu não me interessei por ele: perfeito demais, chegava a me dar nojo. Claro, eu ainda não conhecia o verdadeiro Chase Watterson.

Ele percebeu que eu era a única pessoa do colégio que não dava bola pra ele e veio conversar comigo. No começo, o ignorei. Mas o carisma e o sorriso de Chase foram me quebrando aos poucos até que eu topei sair com ele. Meses depois, na festa de fim de ano do colégio, demos nosso primeiro beijo e começamos a namorar.

Sei que não devia, mas eu amo Chase. Ele é uma das pessoas mais importantes que tenho nessa vida. E é por causa disso que agora não consigo olhar para ele sem pensar que, por minha causa, sua vida corre risco.

Chase percebe que acordei e abre um meigo sorriso. Forço um também. Tenho que ser forte; preciso terminar o namoro ou o garoto que amo morrerá. Sou forte o suficiente para fazer isso. Tenho de ser forte.

– Bom dia, dorminhoca. Você quase perdeu o almoço delicioso do hospital.

Chase está de pé, apoiado em duas muletas e com um curativo no queixo. Provavelmente não deveria estar aqui. Ele com certeza precisa deixar a perna imóvel devido ao ferimento. Um ferimento que eu causei.

Pisco assim que sinto meus olhos marejarem.

– Por que está chorando, Hailey?

Sou forte para isso. Sou forte...

– Desculpe – digo.

– Pelo que?

Minha garganta entala. Não sou forte.

– Desculpe por fazê-lo ficar tão preocupado a ponto de vir até aqui. Você precisa ficar deitado.

Chase continua me encarando. Não consigo esconder nada dele. Ele se aproximava e empurra a cadeira com a muleta até conseguir se sentar e segurar minha mão.

– Vamos, Hailey, você não chora por esse tipo de coisa. É muito mais forte do que isso. Seja sincera comigo, por favor.

Por que as pessoas insistem em dizer que sou forte?

Começo a gaguejar, a garganta ainda entalada. Agora que comecei, tenho que terminar. Mas como?

O momento é interrompido quando Dustin entra como um furacão no quarto.

– Chase, desculpe cara, mas você precisa dar o fora o mais rápido possível.

– Espera, nós estamos conversando.

– Conversem depois. Precisamos ficar sozinhos agora. Por favor Chase, pelo bem de sua namorada: dê o fora!

– Como isso pode ser para o bem dela?

Dustin perde a paciência. Pega as muletas, coloca-as nas mãos de meu namorado e o puxa. Chase geme de dor.

– Foi mal. Se você pudesse colaborar...

– Tá bom, tá bom. – Chase se vira para mim. – Depois nós conversamos.

E ele vai embora. Dustin se senta na cadeira e arruma o cabelo. Ele está respirando tão rápido que parece ter acabado de sair de uma maratona e quer recuperar todo o fôlego.

– O que aconteceu? – Pergunto.

– Mas o que aconteceu com sua cabeça que você nem sentiu a presença dela? Pra mim é como se um raio me atingisse toda a vez que ela está a um quilômetro de distância. E agora ela está lá embaixo!

– Ela quem?

Percebo o quanto a pergunta a idiota no momento em que sinto cada parte do meu corpo se agitar. Meu poder parece aumentar. Dustin pode até estar tremendo de nervoso, mas eu me sinto muito melhor. E logo vem o medo: não tem como a chefa não saber que quebrei uma regra.

– Ai meu Deus. Ela vai me matar.

– Se ela te matar por causa de várias sessões de beijos, nem quero saber o que vai fazer comigo.

– Por quê? O que você fez?

Ele não responde. A porta é aberta mais uma vez e por ela entram uma mulher e uma enfermeira.

A mulher é alta e tem olhos azuis muito brilhantes. A pele é muito branca e o vestido idem, dando a ela um aspecto fantasmagórico. Deve ter chamado muito atenção no caminho até aqui – a não ser que tenha se materializado na frente do hospital. A chefa tem o costume de fazer isso.

Seu nome é tão comprido e estranho que nenhum de nós, Sábios, consegue decorar. Ela também não faz questão disso. Entende que não há como gravar seu nome e nos permite chamá-la simplesmente pelo nome que inventou: Lady Crystal. Mas geralmente nós a chamamos de L.C ou de chefa mesmo. Quando vem a Terra – algo que acontece em geral quando quer nos dar uma bronca pessoalmente –, ela gosta de se chamar de “senhora Mackenzie”. Ainda não entendo o motivo disso. Vai ver é só mais um nome que ela inventou.

– Senhora, você não pode entrar aqui desse jeito – diz a enfermeira.

– Mas eu já cansei de explicar que sou muito próxima de Hailey. Diga a ela, querida.

L.C me olha de maneira calma e terna, apenas para disfarçar. Conheço esse olhar; ela quer dizer “fale ou sofrerá as consequências”. Na verdade, muitos de seus olhares têm significados semelhantes a esse.

– É verdade – eu digo. – A senhora Mackenzie era a melhor amiga dos meus pais antes de eles morrerem. Ela ajuda muito a mim e a minhas irmãs desde então.

A enfermeira se dá por vencida e se prepara para sair. Então, ela avista Dustin.

– Você devia estar em seu quarto. Ainda precisa descansar.

– Também quero falar com o jovem Collins – diz a chefa.

– Dustin é meu melhor amigo e os pais dele também eram muito próximos dos meus. Nossos pais estavam indo jantar juntos na noite do acidente. Ficamos órfãos juntos e a Mackenzie ajudou ele também.

A enfermeira parece sentir algo de errado, mas mesmo assim acaba indo embora. A chefa solta um longo suspiro antes de sorrir para mim.

– Você mente bem. Era o que eu esperava da senhorita que ousou quebrar a Segunda Regra.

Apenas abaixo a cabeça e permaneço em silêncio para ouvir o sermão. De que adiantaria replicar? A bronca só duraria ainda mais tempo.

– Dois anos, Hailey? No que você estava pensando? Você é a líder, pelo amor de Deus. Não pode ser imprudente dessa forma. Me admira que aquele jovem ainda esteja vivo.

Ela se inclina um pouco para se aproximar mais de mim e praticamente grita na minha cara:

– Você vai terminar esse namoro hoje mesmo ou será amaldiçoada tal como se tivesse quebrado a Primeira Regra.

Espero a chefa se virar para Dustin antes de limpar o cuspe no meu rosto.

– E você, mocinho...

– Vamos, Lady Crystal. Eu já aprendi a lição e já encerrei minha carreira. O que mais você quer de mim?

– Você matou pessoas.

Dustin fica claramente perturbado com isso. Eu continuo sem entender do que eles estão falando.

– Eu não matei Clarisse e Lester – ele resmunga.

– Mas o fato de você ter quebrado a Terceira Regra causou a morte deles. Então dá na mesma.

Percebo que Dustin se controla para não gritar. Posso entendê-lo; a chefa já me tirou do sério muitas vezes também. Mas o melhor a se fazer é ficar calado, e disso todos nós sabemos muito bem.

A senhora Mackenzie se afasta de Dustin e esboça aquele sorriso ensaiado que ela adora tanto. É reconfortante às vezes, embora geralmente seja de dar nos nervos.

– Espero sinceramente que vocês se recuperem logo para poderem voltar aos estudos. Até mais, queridos.

E sustentado o sorriso como se nada tivesse acontecido, ela vai embora. Dustin encara os próprios pés e eu não tiro os olhos dele. Quero perguntar quem são Clarisse e Lester e como ele quebrou a Terceira Regra, mas não me parece certo fazer isso com ele agora. Então apenas toco seu ombro numa tentativa de consolá-lo. O garoto olha para mim com um olhar intrigado e em seguida dá um meio sorriso.

– Eu estou bem. Sério.

– Sei que não está.

E sei mesmo. Não sei como posso saber disso; simplesmente sinto. Conheço Dustin Collins há apenas um dia. Contudo, conheço o Sábio da Água há séculos. Mesmo que nossos corpos e personalidades mudem a cada reencarnação, sempre fica um pedaço de nossas entidades anteriores. E eu ainda consigo ver um pouco de Gregory em Dustin. Da mesma forma que sei que ele vê algo de Angélica em mim.

– Droga, Hailey. Como posso esconder qualquer coisa de alguém que me conhece há mais duzentos anos?

Nós rimos um pouco e ele torna a olhar para baixo.

– Você não precisa falar disso agora. Mas eu vou querer saber dessa história. Tudo bem?

– Tudo bem. Obrigado, mana – ele diz.

– Ah, e não alimente esse hábito de ficar me chamando assim, ok? Alguém pode ouvir – eu falo.

– E quem liga?

Apenas olho para ele. Dustin ri.

– Certo, a gente liga.

– Acho você devia mesmo ir para seu quarto agora.

Ele assente e se levanta. Bagunça meus cabelos e caminha até a porta. Com a mão já na maçaneta, ele se vira para mim e fala:

– Boa sorte com Chase.

Dustin abre a porta e sai. Não tenho tempo para pensar em como será possível terminar com Chase; o mesmo entra alguns minutos depois. Está sério. Chase normalmente é calmo e feliz. Não estou muito acostumada em ver essa expressão em seu rosto.

– Pode me explicar o que está acontecendo agora?

Certo, Hailey. Você não pode mais fugir disso. Cometeu um erro e agora tem que consertar antes que a situação piore.

– Sente-se, Chase.

Ele obedece. Se senta na cadeira ao meu lado e mais uma vez segura a minha mão. Não rejeito o gesto, pois preciso de forças para fazer isso e Chase é a melhor fonte que tenho.

Mas como fazer isso? Confiaria minha vida a Chase. Então posso contar meu segredo? Devemos confiar um no outro o suficiente para não esconder nada. Tirando o fato de eu ser uma Sábia, sempre contei tudo a ele e ele sempre contou tudo a mim. Não seria lógico e nem justo terminar com ele assim, de uma hora para outra. O que eu usaria como desculpa? Que estou emocionalmente fraca por causa do dia anterior ou algo do tipo? Ambos sabemos que eu não sou assim.

O que me resta é a verdade.

– Chase... Você sabe o que viu ontem, não sabe?

– Sei. Eram monstros.

Meu futuro ex-namorado é mais que um corpo bonito: ele é muito culto. Lê sobre todo o tipo de coisa. Desde artigos científicos... A lendas.

– Por acaso você já leu alguma lenda sobre esses monstros?

Ele pensa um pouco.

– Sim... Sim, já li. A lenda falava sobre monstros que vinham à Terra de cem em cem anos com o objetivo de estabelecer as trevas no mundo. Mas com esses monstros vinham cinco espíritos que, com suas espadas, os derrotavam e ia embora para voltar no próximo século.

– É. É isso mesmo.

Meu coração bate tão rápido que parece que vai pular para fora do meu peito a qualquer momento. Não quero fazer isso. Preciso fazer isso.

– Esses espíritos se chamavam Sábios, que vêm a Terra para salvá-la e vão embora. Cada um dos cinco tinha seu respectivo elemento – eu continuo. – Havia o do Vento. O do Fogo. A da Terra. O da Água. E a líder deles...

Estendo a mão e concentro parte do meu poder na palma dela. Uma pequenina bola de luz aparece ali e Chase franze o cenho.

– A Sábia da Luz – concluo. – Eu, Chase.

Ele olha da bola para mim, de mim para a bola. Aos poucos, sua expressão se suaviza.

– Ai, meu Deus. Isso é sério?

– E por que eu brincaria com uma coisa dessas? – Respondo. – É muito sério. Eu tenho uma missão importantíssima para cumprir nesse mundo e não posso mais te envolver nessa história.

– Como assim?

Solto um suspiro. Chegou a hora cuja importância ignorei por dois anos inteiros.

– Namorando você, estou quebrando a Segunda Regra dos Sábios: não ter relacionamentos amorosos com humanos. Se continuarmos namorando, os monstros vão continuar indo até você para me atingir, até que um dia você será morto por eles.

Chase perde a cor por um momento. Depois balança a cabeça, se recusando a acreditar nisso.

– Isso é impossível. É só mais uma lenda que o povo conta em acampamentos, sei lá.

– Não é impossível. Atualmente, nós estamos esperando pela chegada dos outros três Sábios.

Nós? Quer dizer que...

– Dustin é o Sábio da Água. Ele é tipo meu irmão.

Chase se recosta na cadeira e olha perdidamente para algum ponto da parede. Segundos de silêncio depois, diz:

– E eu com ciúmes do seu irmão...

Eu até riria se não estivesse tão tensa.

– Chase, isso é sério.

– Eu sei. Desculpe. – Ele volta a atenção para mim. – Mas tudo isso continua soando como uma grande loucura pra mim.

– Sei disso.

Lentamente, solto minha mão da dele. É um movimento simples e doloroso. Parece que algo em mim se quebra no momento em que deixo de sentir o calor da mão de Chase.

– Mas só o que você deve entender agora é que não podemos mais ficar juntos. Acabou.

– Eu não quero que acabe.

Sua voz firme normalmente me dá confiança. Porém, dessa vez só me dá vontade de me jogar em seus braços e chorar. Só que não posso fazer nada disso; sou a líder dos Sábios, o que significa que devo ser a mais madura e responsável. Não poderei me considerar a líder se não conseguir ao menos terminar um namoro.

– Eu te amo, Hailey – insiste Chase.

Desvio o olhar. Quero dizer que também o amo. Quero dizer isso e beijá-lo aqui e agora. Mas não posso beijá-lo. Não posso amá-lo. Preciso engolir todos esses sentimentos para o bem dele.

– Por favor, vá para seu quarto. – Minha voz sai rouca.

– Hailey...

– Pelo amor de Deus, Chase. – Volto a olhar para ele. – Eu não vou poder salvar o mundo se não conseguir salvar você.

Ainda hesitante, ele se levanta com a ajuda das muletas.

– Só me esclareça uma coisa: eu sou o único que sabe dessa história?

– Dos humanos, sim.

– E quer que eu mantenha segredo?

Seu tom é quase frio. Chega a assustar.

– Sim, por favor.

– Certo. Como você quiser. Só quero que saiba de uma coisa: eu morreria por você com o maior prazer. E não vou me afastar de você só porque estamos terminando.

Espero ele sair para desabar na cama e chorar até cair no sono.


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Notas finais do capítulo

Que acharam?
Até o próximo!