The Sages escrita por Maya


Capítulo 19
Liz - Seis Anos Depois (Spin-Off)


Notas iniciais do capítulo

HEEEY gente bonita! Como vão? Estão tendo um bom ano?
Bem pessoal, quero pedir desculpas pela demora para postar isso. Teria postado antes, mas tive uma viagem de última hora e fiquei cinco dias num lugar onde meu contato com a tecnologia era através de um celular sem internet. Aí depois aconteceram umas coisas meio chatas aqui em casa, eu fiquei totalmente fora de órbita por um tempo e demorou pra conseguir me focar de novo. Mas cá estou, com spin-offs prontos para serem postados!
Esse aqui, em especial, é bem importante para mim. Gostei muito de escrevê-lo porque pensava nele desde que comecei a escrever The Sages. Aliás, era para ter sido o final do último capítulo, mas ele obviamente ficaria assustadoramente grande. Então ganhou Liz ganhou um espaço todinho para ela ^^
Espero que gostem de ler tanto quanto gostei de escrever. Boa leitura!



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 Hoje é o dia pelo qual esperei nos últimos seis meses: o dia do baile. Não um simples baile do colégio; o baile, que minha turma e outras de nossa série esteve planejando desde a metade do ano. Queríamos ter algo como uma “pré-despedida”, tipo para relaxarmos bem antes de nosso último ano no colégio. Esta noite devia ser demais.

 Mas já acabou para mim. Tudo porque um idiota resolveu que seria divertido estragar minha noite.

 Eu estava tranquila, dançando com algumas amigas, quando a música animada acabou e começou um lenta, do tipo que só casais dançam. Então eu fui me sentar. Mas aí um garoto popular da minha classe, o Ian, me chamou para dançar. Bem, eu aceitei. Ele é simpático e muito bonito; quem não aceitaria?

 Só que o safado resolveu aproveitar que estávamos próximos e começou a descer sua mãozinha suja. E agora está com uma bela marca de mão no próprio rosto.

 Esse é o problema de ser legal com as pessoas: elas ficam achando que você está dando liberdade para qualquer coisa, desde piadinhas sem graça até coisas pervertidas como essa. Às vezes dá vontade de simplesmente parar de ser gentil. Seria muito mais fácil se eu mandasse todos eles para o lado obscuro da força.

 – Liz, não fica assim. Não deixa o babaca do Ian acabar com sua festa.

 – Eu tô cansada, Stacy. Vou pra casa.

 Mas minha melhor amiga continua insistindo:

 – Você também ajudou a fazer essa festa, merece aproveitar!

 – Considere um trabalho voluntário. – Vou andando até o carro. – Tire bastantes fotos e me mostre depois. Boa noite.

 – Se eu der um chute nas partes baixas do Ian, você vai ficar animada de novo?

 Na porta do carro, olho para ela e rio. É hilário com Stacy consegue falar algo assim com um tom engraçado e uma cara séria.

 – Muito. Mas não vou voltar.

 – Liz...

 – Olha, eu nem gosto muito de festa – minto. – Vou ficar bem. Tenho outros planos para a noite.

 Stacy bufa, põe as mãos na cintura e inclina a cabeça, fazendo sua melhor cara de “não acredito que você tá fazendo isso”. Reviro os olhos para ela e entro no carro que minha irmã me emprestou.

 Odeio que pareça que deixei me vencer por um idiota, mas perdi totalmente minha animação. Não estou a fim de ver ninguém agora. E se eu voltar para casa, Sophie vai me fazer milhares de perguntas e vai ficar preocupada, e eu não quero deixar uma mulher grávida preocupada. É por isso que eu vou para minha outra casa.

 Seis anos atrás, um acidente – do qual não me lembro direito porque bati a cabeça, o que me fez esquecer de algumas outras coisas também – acabou com todo o bairro onde morava. Eu e minha irmã ficamos um tempo no hospital, e depois disso fomos morar numa pequena comunidade feita para as vítimas do grande desastre. Até que Craig, que era o fisioterapeuta de Sophie e agora é seu noivo, nos chamou para morar em sua casa. Minha irmã aceitou e eu fui junto. No ano seguinte, nosso bairro começou a ser reerguido, e nos perguntaram se queriam que nossa casa fosse reconstruída também. Convenci Sophie a aceitar. Só para o caso de seu lance com o Craig não dar certo ou aquela casa ser derrubada também.

 A verdade é que eu não fiz isso só para ter um plano B. O que eu queria mesmo era poder ter minha casa de volta, e usá-la como um refúgio. Levo a cópia da chave dela para todo o lugar desde que ela ficou pronta de novo, para o dia em que eu precisar ficar um pouco sozinha. E hoje é um desses dias.

 Paro o carro na frente do portão. A grama não cresceu muito desde a última vez que eu a aparei, e a mão de tinta que coloquei recentemente já secou. Faço questão de deixá-la com a mesma cara que tinha quando eu era menor. Sophie e Craig me ajudavam antes, mas seu relacionamento foi ficando mais e mais firme e eles passaram a não ver mais sentido nisso. Então eu faço tudo sozinha sempre que posso.

 Ninguém me faz muitas perguntas porque o bairro está mais vazio agora. Muitas pessoas ficaram traumatizadas ou sei lá, e recusaram a chance de ter a casa de volta. Parece que decidiram seguir em frente. Stacy já me disse para fazer isso também. Mas eu não consigo me desapegar. Tem uma coisa muito forte que sempre me chama de volta para cá, só não sei o que é.

 Por dentro, a casa não está com os mesmos móveis de antes. Agora são poucos e mais modestos, e só estão aqui porque eu insisti. Fiz questão de ter pelo menos um sofá aqui dentro. Ver esta sala vazia me deixava deprimida de verdade.

 Subo as escadas. Tem quatro portas aqui: a do meio era do meu quarto, à minha direta era o de Sophie, e no lado dela ficava o dos nossos falecidos pais. O quarto à esquerda do meu é o grande mistério. Ele realmente existia antes do desastre, nos lembrávamos perfeitamente dele, mas até hoje não conseguimos nos lembrar do que ficava dentro dele. Sempre me sinto meio perturbada quando vejo essa porta. É como se alguém tivesse apagado um bloco da minha memória, e se Sophie também não se lembra, então não deve ter a ver com minha batida na cabeça.

 Nunca entrei nesse quarto desde a reforma da casa. Sempre tive um pouco de receio. Mas eu preciso de alguma coisa emocionante para compensar a droga que foi o baile, então não custa nada tentar.

 Abro a porta bem lentamente. Por dentro, só a luz do luar me espera. Este quarto está tão vazio quanto os outros três. Deixo a porta aberta e entro. O quarto é um pouco mais espaçoso do que eu meu, mas no resto é a mesma coisa. Claro, qualquer quarto parece a mesma coisa quando está vazio.

 Assim que chego no meio da sala, tenho uma sensação estranha. Não é ruim, porém. É até agradável. Parece com aquela sensação que temos quando vemos algo nostálgico.

 Continuo até a janela. A abro e me debruço sobre o parapeito, recebendo a brisa fresca da noite direto no rosto. Fecho os olhos para aproveitá-la melhor. Pouco importa se está bagunçando meu cabelo; esta sensação é sempre deliciosa.

 “Liz? O que foi?”

 Me assusto. Quem disse isso?

 “Não consigo dormir.”

 Estou sozinha aqui, tenho certeza. Também não vejo ninguém no jardim. E, mesmo se tivesse, essas vozes não poderiam vir de alguém de fora. Elas estão muito perto de mim, e suas palavras ecoam. Quase como se estivessem na minha cabeça.

 – Tem alguém aí?

 “Você não costuma entrar no quarto da Sophie quando isso acontece?”

 Essa voz... Por que ela me parece tão familiar? E por que está falando da Sophie?

 “Sophie ficou muito brava com você hoje.”

 E essa outra... É minha?

 – Se tiver alguém aí, é melhor sair. Essa casa ainda é propriedade privada.

 “Minha família são vocês.”

 O que raios está acontecendo?

 Saio correndo do quarto e bato a porta. Que medo... Deve ter sido amaldiçoado ou sei lá. Por enquanto, só vou me preocupar em ficar longe dele. Espero que assim as vozes fiquem longe também.

 Desço para a sala. Me sento no sofá e procuro relaxar. As vozes pararam, graças a Deus. Já estava ficando preocupada com minha sanidade mental.

 “Eu conheço você! É o Aqua Boy!”

 Ah, não.

 – Estou falando sério! – Grito. – Quem quer que esteja fazendo isso, é melhor parar!

 Essa situação está me deixando mais nervosa do que o incidente com Ian. Mas, no fundo, sei que não tem ninguém aqui além de mim. Não tem nada fazendo isso além da minha própria mente. E não sei como fazê-la parar.

 “É isso aí. Sou eu mesmo.”

 Agora é um garoto?

 – Pare – murmuro, agora para mim mesma. – Por favor. Pare.

 “Quem é você?”

 “Oi. Meu nome é Paco.”

 — Pare!

 – Tem alguém aí?

 ... Essa voz não é estranha como as outras. Graças a Deus... Não tem nada de fantasmagórico nela.

 – Está tudo bem aí dentro?

 Acho melhor ir responde-lo, antes que ele pense que estou sendo atacada e chame a polícia.

 Abro a porta. Do outro lado está um homem de cabelos loiros bem cortados e olhos castanhos, com um óculos pendurado no nariz, e coberto por um casacão preto. Parece preocupado de verdade.

 – Oi. Eu estava passando por aqui e ouvi uns gritos, então vim checar.

 – Ah, não se preocupe. Estava só vendo um filme de terror. Não tinha percebido que estava tão alto.

 Ele assente, embora não aparente estar muito convencido. Depois, estende a mão.

 – Sou Miles. Miles West.

 – Elizabeth Miller, mas pode me chamar de Liz. Prazer.

 O tal Miles examina a casa.

 – Miller... Me lembro dessa casa. Passava muito aqui na adolescência, antes da destruição.

 – Você mora por aqui?

 – Morava. Estou só passando uns dias durante o recesso de fim de ano. Volto para a universidade daqui a algumas semanas.

 – E sua casa também foi destruída?

 – Não. Só levou alguns danos, mas nada que um pouco de cimento não resolvesse.

 Olho mais atentamente para ele, tentando me lembrar se um dia já o vi por aqui. Não consigo nada.

 – Eu já te vi aqui – Miles diz, quase como se soubesse o que estou pensando. – Às vezes, quando saía para passear um pouco, via você e suas irmãs brincando aqui no quintal.

 – Irmã – corrijo. – Só tenho uma.

 Miles assente de leve. Ele franze o cenho como se estranhasse o fato de eu só ter uma irmã, ou talvez de ele ter pensado que eu tivesse mais.

 Gostaria de ter mais de uma, na verdade. O problema de ter uma irmã doze anos mais velha que você é que, enquanto você é uma criança, ela já está conhecendo a vida adulta, o que só piora quando seus pais morrem. Sophie age mais como mãe do que como qualquer outra coisa. Gostaria de ter uma irmã mais nova, ou pelo menos poucos anos mais velha do que eu.

 – Bom, só queria saber se estava tudo bem mesmo – fala o West.

 Até que está melhor agora. As vozes me assustaram, e ainda quero saber o que foi aquilo, mas essa curta conversa com Miles foi o suficiente para me tranquilizar. Ele parece legal de verdade. E também é bonito; parece um universitário gênio e ainda vaidoso.

 – Então eu vou indo...

 – Não, espera. – Seguro seu braço sem pensar. – Estava mesmo precisando conversar com alguém. Sei que acabamos de nos conhecer, mas...

 Miles sorri.

 – Não há ninguém melhor para conversar do que um estranho.

 Sorrio também, agradecendo. Tranco a porta de casa e vou com o loiro para a calçada. Caminhamos lado a lado, sem nenhum dos dois determinando uma direção. Sei que qualquer um consideraria perigoso andar com um desconhecido no meio da noite, mas... Às favas. Já tem um tempo que quero conversar com alguém que não seja Sophie ou Craig ou qualquer que tenha alguma conexão com eles.

 – Parece que tudo virou de cabeça para baixo depois do que aconteceu aqui – desembucho. – Eu bati a cabeça perdi vários pontos da minha memória. Minha irmã perdeu o movimento das pernas. Depois ela começou a namorar com seu fisioterapeuta. Nós fomos viver na casa dele. Reconstruíram nossa casa, mas nada voltou a ser como antes. É como se minha vida antes do acidente fosse um grande buraco vazio.

 – Acha que foi a batida na cabeça que causou isso?

 – Não. Às vezes parece que Sophie, minha irmã, se esqueceu de algumas coisas também, só que ela está feliz demais para se importar tanto quanto eu. É tão difícil... Fico tentando entender o que aconteceu, mas parece que é uma busca inútil.

 Ficamos em silêncio por um tempo. Metros à frente, Miles diz:

 – Talvez você devesse parar de procurar e seguir sua vida.

 – Você não é a primeira pessoa a me dar esse conselho. O problema é que essa história toda é uma grande incógnita que não consigo ignorar.

 – Eu te entendo.

 – Entende mesmo?

 Paramos de andar e ficamos de frente um para o outro. Miles está mais sério agora.

 – Seis anos atrás, alguns dias depois de seu bairro ser destruído, alguma coisa aconteceu com a minha cabeça. Peguei uma fixação estranha pelo hospital. Sempre ia até lá, e quando chegava, me esquecia do que estava fazendo ali. Só me lembrava quando voltava para casa. Se me irmão não tivesse me parado, acho que teria enlouquecido.

 – E você conseguiu passar por isso?

 – Não totalmente. O estudo me ajudou muito. E aí eu fui admitido na Universidade de Virgínia, o que me aliviou ainda mais. Mas sempre tive essa sensação de ter algo faltando. Seja lá o que tiver causado aquele acidente, parece que várias coisas que aconteceram antes dele não passam de um borrão.

 – O próprio acidente é um grande borrão também – o acompanho. – Será que mais alguém ficou assim?

 Miles dá de ombros.

 – Espero que não. É horrível.

 – Concordo.

 Voltamos a caminhar. Tem poucas pessoas andando na calçada do outro lado, e quase nenhum carro passando pela rua. Não é só por causa do horário; esse bairro ficou realmente deserto.

 – Pode me responder uma coisa? – Meu parceiro de caminhada pergunta.

 – O que é?

 – Você tem algum primo ou um parente qualquer com minha idade, vinte e dois anos, que tenha estudado no colégio daqui?

 – Quer dizer, na sua época?

 – Sim.

 – Não. Por quê?

 – É que Miller é um nome familiar demais. Parece que eu o escutava todos os dias. Sabe, como na chamada da escola.

 Miles franze o cenho de novo.

 – O que foi?

 – Não sei... Sempre que falo na minha escola, tenho uma sensação estranha.

 – Desde o acidente?

 – Sim.

 Não sei muito bem o que falar, mas de certa forma eu o entendo. No fim das contas, somos duas pessoas atormentadas por um passado do qual não nos lembramos. Nunca pensei que fosse tão reconfortante conhecer alguém que passa pela mesma coisa que eu – na verdade, nunca pensei que conheceria uma pessoa assim.

 – Você lembra de algo sobre quando ela foi atacada? – Miles pergunta – A escola, digo.

 – Não. Eu nem estava lá no dia, e não conheci ninguém que estivesse.

 – Bem, eu estava. Esse é outro grande borrão na minha vida. Lembro de pessoas sendo salvas, mas não lembro quem são essas pessoas ou seus salvadores. E tudo acabou tão rápido... E o mais estranho é que, pouco tempo depois, duas pessoas morreram. Uma coincidência muito bizarra.

 Quando ele diz isso, me lembro de uma coisa:

 – Miles, você conhecia um garoto chamado Chase Watterson?

 Um dia, quando fui com Sophie visitar os túmulos de nossos pais, vi um com esse nome escrito. Me pareceu tão familiar que fiquei parada ali por alguns segundos, e ficaria mais se Sophie não tivesse me chamado.

 – Chase... Sim, lembro. Ele foi um dos que morreram. Se não me engano, foi no mesmo dia do acidente aqui no bairro.

 – Era seu amigo?

 – Não. Só o conhecia de vista. Mas fui em seu enterro; todo mundo do colégio foi. Teve um amigo dele que chorou muito lá, o Trevor Lewis. Ouvi que esse cara tá na vida do teatro agora.

 Não muito importância para isso, embora o nome desse tal de Trevor seja familiar. Mas o de Chase é muito mais, como se eu o tivesse conhecido.

 – Pelo menos essa coisa toda me deu uma motivação – o West continua. – Formei o objetivo de ser repórter investigativo. Quero fazer matérias, descobrir coisas que todo mundo quer saber e mostrá-las à todos com detalhes. Deixar que todos saibam da verdade.

 – Isso é muito bom.

 Paro de andar quando percebo que Miles também parou. Ele está olhando para o céu, com a expressão bem mais serena agora. O acompanho. O céu noturno está cheio de estrelas, sem serem impedidas por nuvem ou sintomas de poluição. Parece que a única coisa com a qual elas têm que competir é com o brilho da lua.

 Ultimamente tem sido comum ver um céu bonito assim à noite. É como se algo lá em cima estivesse dando energia às estrelas. Sempre que olho para elas, me acalmo. Devia ter feito isso desde o começo da noite. É quase como se alguém me abraçasse.

 – Está vendo aquelas cinco estrelas ao redor da lua?

 Olho para onde ele está apontando. De fato, ao redor dá lua há cinco estrelas ainda mais brilhantes que as outras.

 – Tenho alguns amigos que fazem Astrologia. Eles as chamam de “Constelação Lunar”.

 – Não é muito criativo.

 – Também acho. Mas é uma formação muito recente. Ninguém sabe qual foi a primeira vez que apareceu, ou se tem alguma explicação para isso.

 Dou de ombros.

 – É uma das coisas mais lindas que já vi. Não acho que precise de alguma explicação.

 Miles ri – não um risada debochada, mas uma risada admirada.

 – Belo argumento. No meio científico, dizem que é como se a lua ganhasse um anel. Sabe, como Saturno. Mas algumas pessoas mais sensíveis dizem sentir algo a mais. Uma delas até postou dizendo que sentiu mais esperança.

 Esperança... É, é uma boa palavra para descrever a sensação que essas cinco estrelas passam. Aliás, é mais ou menos o que muita gente tem sentido ultimamente.

 Nos últimos tempos, algo aconteceu com as pessoas e de repente elas começaram a melhorar gradativamente. Os índices de assassinato diminuíram enquanto os de natalidade cresceram. Uma pesquisa recente registrou uma baixa nas taxas de poluição. É como se uma semente de bondade tivesse sido plantada em cada lugar do mundo e estivesse crescendo lentamente, passando e sendo alimentada pela esperança.

 De repente, aquelas vozes passam por minha cabeça de novo, mas dessa vez, por algum motivo, não me assustam.

 Quase comento isso com Miles, mas meu celular toca em minha bolsa. O número de Craig aparece no identificador. Atendo com um pouco de receio, esperando alguma bronca, que Stacy tenha dito a ele e à Sophie que saí da festa e queiram saber por que não fui para casa.

 – Oi, Craig.

 – Liz, sei que está na festa e o quanto esperou por ela, mas preciso que venha para o hospital rápido.

 Meu coração bate mais rápido à medida que minha preocupação cresce.

 – O que aconteceu?

 Craig demora um pouco para responder, o que piora a situação. Parece que está chorando.

 – Você está prestes a se tornar tia.

 Ele diz mais alguma coisa, acho que uma despedida, e desliga. Não ouvi. Só consigo pensar que minha sobrinha deve ser muito esperta porque decidiu nascer numa noite linda.

 – Preciso ir para o hospital – digo à Miles.

 Ele também fica preocupado. Reação normal, acho.

 – Aconteceu alguma coisa?

 – Sim. – Sorrio, para tranquilizá-lo de uma vez. – Minha irmã está entrando em trabalho de parto.

 – Que ótimo! Eu até te daria uma carona, mas não estou com meu carro...

 – Não, não, eu estou. Deixei ele lá em casa. Tchau, Miles. Até alguma dia. – Começo a correr de volta, mas paro e me viro de novo para Miles. – E muito obrigada. Foi ótimo conversar com você.

 – Eu também – ele diz com um sorriso sincero. – Se precisar de novo, gosto de passear por aqui sempre que posso. Pode me encontrar antes de eu voltar à Charlottesville.

 – Me lembrarei disso. Obrigada.

 Corro de volta para minha primeira casa, entro no carro e dirijo até o hospital. No caminho, passo de novo por Miles, que acena com a cabeça e continua sua caminhada noturna.

. . .

 A recepcionista me diz onde Sophie está depois que eu me identifico. Corro pelos corredores, esbarrando com enfermeiras. Algumas mais velhas olham para mim duas vezes; devem me reconhecer da época que passei aqui. Também as reconheço, mas não consigo me lembrar de seus nomes agora, então passo direto.

 Finalmente encontro os pais de Craig, que conheci na festa de noivado dele e de Sophie. Eles esperam de mãos dadas. Quando me vê, a senhora Stanford estende a mão para mim, e eu a seguro.

 – Vai dar tudo certo – ela diz. – Tenho certeza de que será um bebê lindo e saudável.

 Sorrio de volta. Ela me lembra muito a minha mãe. Chego a invejar Craig, porque ele tem seus pais vivos para ver o neto nascer. E também fico feliz em saber que meu sobrinho terá pela menos uma casa de avó para ir aos domingos e comer uma comida caseira gostosa e inconfundível.

 O senhor Stanford só acena com a cabeça. Ele é mais durão e rígido, diferente do meu pai, mas acho que pode ser um bom avô também.

 Esperamos por mais ou menos meia hora. Os primos de Craig também chegam, um atrás do outro. Eu não tenho primos. Tenho uma tia, mas não a vejo há muito tempo. Meus avós também morreram. Essas pessoas que estão aqui agora, que eu mal conheço? Elas são minha família agora.

 Depois de mais algum tempo, Craig chega ainda com a máscara e as luvas. Está vermelho de suor como se fosse ele quem acabou de parir um bebê. Respira rápido e chora um pouco, mas isso não me preocupa; Craig também chorou quando soube que Sophie estava grávida. É um cara sensível.

 – Ela é linda – é tudo o que diz.

 E só com essas três palavras, todos os seus parentes explodem em comemoração. Seus pais e primos vão abraçá-lo, um por um. Quando chega a minha vez, Craig diz:

 – Sophie pediu para chamá-la. Quer que você esteja lá quando darmos o nome.

 Fico feliz por ela ter pedido algo assim. Acho que Sophie quer me mostrar que a família Miller continua de pé, que não foi substituída pela Stanford.

 Craig explica seu pedido aos outros e me guia até o quarto da minha irmã. Ela está ainda mais suada que seu noivo, com um pouco de sangue nos braços – deve ter pego a filha antes de o limparem –, mas está um sorriso que nunca tinha visto antes, com um brilho no olhar que pertence unicamente ao bebê em seu colo, uma coisinha macia e gordinha enrolada em um manto. Está mais linda do que nunca. Essa deve ser aquela beleza de mãe que ninguém sabe descrever.

 Quando me vê, Sophie faz um gesto para que eu me aproxime. Paro bem ao seu lado e me inclino um pouco para ver o rosto da minha sobrinha. É mesmo linda.

 – Temos mais uma garota na família – Sophie fala.

 – E é uma garota muito bonita.

 – Sim. Deve estar no sangue.

 Nós rimos. Craig está do outro lado da cama, admirando calado a sua filha.

 – E saudável, o que é mais importante – continua a mais nova mãe de Hampton. – Quer pegá-la um pouco?

 Aceito, mesmo tendo um pouco de medo de deixá-la cair. Sophie a passa cuidadosamente para meus braços. Minha tensão vai desaparecendo quando finalmente entendo o quanto é bom ter um bebê em seu colo. Me dá vontade de protegê-la, de ser a melhor tia do mundo.

 – Qual vai ser o nome? – Pergunto depois de devolver a menina à sua mãe.

 Craig responde:

 – Sophie fez uma lista de nomes que gostaria de dar caso fosse menino ou menina, logo nos primeiros meses de gestação. Fez até pares específicos para o caso de serem gêmeos! Eu também dei algumas sugestões, mas ela é a mãe, e ela que escolhe.

 Sophie ainda sorri e balança gentilmente a filha quando responde:

 – Quer saber? Acho que ela não tem cara de nenhum dos nomes que listamos. Mas tem um nome em que pensei assim que vi seu rosto.

 – E qual é?

 Minha irmã olha para mim, para Craig, e volta para o bebê.

 – Hailey. Ela vai se chamar Hailey.

 E, assim que o escuto, penso que é o nome perfeito.

 Meu cunhado ainda está acariciando a pequena Hailey e beijando Sophie quando olho pela janela. Assim, do nada. E vejo uns vultos do outro lado, o que é estranho, já que estamos no segundo andar.  

 E então, também do nada, sinto algo estranho, uma urgência de descobrir a origem desses vultos. Penso de novo nas vozes. Algo mais forte do que eu me faz sair correndo do quarto.

 Ouço Sophie gritando para Craig ir atrás de mim. Corro mais rápido porque sei que, se ele me alcançar, vai me atrasar ou me impedir. Passo pelos Stanfords e percebo seus olhares preocupados. Acelero, desço pela escada mesmo, e avanço para o lado de fora.

 Paro depois de mais alguns metros. Há alguns carros por aqui, mas nenhuma outra pessoa além de mim. O que eram aqueles vultos? E por que senti tanta necessidade de segui-los?

 Então, olho para o céu. De novo: do nada. Olho direto para as cinco estrelas ao redor da lua, que parecem brilhar mais ainda agora. Talvez seja problema de visão ou algum efeito das luzes dos postes, mas elas parecem ter cores distintas agora.

 Craig enfim chega. Não diz nada; deve estar contemplando a vista também.

 Ainda acho que “Constelação Lunar” não é um bom nome para essa formação tão linda. Sei lá, é muito sem sal. Mas também não tenho outro nome para dar. Não sou boa para dar nomes de estilo científico para nada.

 Então, decido chamá-las simplesmente de Cinco. As Cinco Estrelas.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Gostaram? Não gostaram? Digam, o feedback é extremamente importante :)
O segundo spin-off sai em breve! Até mais!



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