Faça o que eu mando escrita por Elie


Capítulo 3
Não vai dar em nada


Notas iniciais do capítulo

Terceiro ato - Cena I

Personagens:

O cobrador.

O policial.

O investigador.

O repórter.

O passageiro.



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Só há uma mesa. De um lado, o cobrador, do outro lado, um policial. O cobrador bate o pé direito no chão incessantemente por causa do nervosismo. O policial observa alguns papéis antes de iniciar um breve interrogatório.

POLICIAL – Estamos a sós aqui. Esta história tá aparecendo na televisão agora. Tem muita gente falando disso na internet. Bandido não precisa de conselho, mas se quiser um: fala logo o que sabe ou a situação vai ficar pior. Quer dizer que muitas pessoas foram feitas reféns hoje? O senhor tem como provar que isso aconteceu?

COBRADOR – Já falei o que aconteceu. Não tenho como provar nada, eles só me ameaçaram de longe.

POLICIAL – De longe?

COBRADOR – Exatamente. Eles mandaram aquela menina dizer que se eu não desse o dinheiro, muitas pessoas morreriam dentro do ônibus.

O policial arregala as sobrancelhas, incrédulo. Uma risada cínica aparece.

POLICIAL – O senhor me desculpe, mas esta história não faz o menor sentido. Paramos o ônibus há algumas horas e não havia ninguém armado ou que foi assaltado dentro do ônibus. E tem mais! Nem você e nem a senhorita Olívia possuem sinais físicos de agressão. Zero flagrante de qualquer outro criminoso. Precisaremos de um mandado judicial para averiguar o que realmente aconteceu?

COBRADOR – O que é que o senhor está querendo dizer? Eu sou um homem de bem! Não havia ninguém armado ou assaltado porque eles provavelmente saltaram para fora do ônibus muito antes de vocês chegarem. Aliás... A segurança dentro dos ônibus é uma vergonha! Nós trabalhamos nessas condições e ainda temos que ouvir um absurdo desses...

POLICIAL – O senhor não está cooperando com a polícia...

COBRADOR – Pela milésima vez: eu falei tudo que eu sei. A menina chegou lá dizendo que havia reféns dentro do ônibus. Ela estava branca. Uma pessoa naquela situação não poderia estar mentindo. Depois ela voltou sem nada no bolso. Eles tinham armas apontadas para nós e se a gente não cooperasse poderia morrer a qualquer momento. O que é que o senhor queria que eu fizesse?

POLICIAL – Como o senhor sabia que ela não estava mentindo?

COBRADOR – Você arriscaria? Você por acaso já viu um tiroteio dentro de um ônibus? Pois é! Além do mais, ela não parecia o tipo de menina que faria uma coisa dessas. Não tinha o que fazer.

POLICIAL – Ladrão não tem mais rosto nos dias de hoje, pode ser qualquer um. Ela poderia ser uma mentirosa.

COBRADOR – Eu sei disso. Eu poderia reagir, não dar o celular a ela e esperar homens armados responderem. Genial! Você tá vendo algum dinheiro comigo? Algum celular? E com ela? Que eu saiba a gente saiu de lá de mãos vazias.

POLICIAL – Tudo bem. E nem pensou na possibilidade dela estar envolvida nisso? Sério? Melhor cooperar.

COBRADOR –  Você viu aquela criatura? Eu vejo todos os dias um monte de meninas que vão pra faculdade naquele ônibus. Desconfiaria de muitas, acredite. Poderia apostar que essa daí não passa de uma coitada. Querem que eu coopere? Pode ir até minha casa, ver minha conta no banco, me seguir! Eu não tenho mais nenhum celular e nem esse dinheiro que roubaram aí. Graças a Deus que eles não exigiram mais nada e foram embora.

POLICIAL – Tudo bem, senhor. Obrigado por coope... Falar. Qualquer novidade avise para a polícia.

COBRADOR – Estou liberado?

POLICIAL – Pode sair.

O cobrador sai nervoso e indignado. Entra o investigador de polícia.

POLICIAL – Não levaram nem tanto dinheiro do ônibus, o problema é que esse caso está se espalhando pela mídia. Já estão filmando entrevistas para o jornal local aí na porta, teremos que, pelo menos, dar uma satisfação para a população. Qualquer coisa serve.

INVESTIGADOR – Pois é, um monte de caso maior aí e a gente vai ficar preso nessa idiotice. Já vejo milhares de notícias falando que a polícia daqui é incompetente e por aí vai. O deputado vai ficar uma fera se não dermos nenhuma resposta. Quero nem ver quem está liderando.

POLICIAL – Beltrão, teremos que ter paciência. Por mim era só colocar a culpa nesse “cobradorzinho” mesmo. Ninguém está nem aí se ele vai ficar seis meses na cadeia. Além do mais, essa história está muito estranha.

INVESTIGADOR – O problema é que, como você falou, vai cair merda no ventilador. Esses ladrõezinhos de merda tinham que assaltar logo num bairro de classe média? Pelo menos hoje eles podiam assaltar alguém no centro. 

POLICIAL – Pois é, vai dar merda. Essa menina, Olívia, tem uma vizinha que é uma madame conhecida e ligou exigindo tratamento vip. Disse que quer estar a par tudo. Enquanto isso, nem sinal da mãe da menina. Já tentamos ligar umas cinquenta vezes. Provavelmente a família da menina conhece um monte de juiz ou pode pagar por eles... Ou seja, a culpa é de todo mundo menos da menina. Céus! Que pesadelo isso virou em poucas horas!

INVESTIGADOR – Na pior das hipóteses a gente paga para um moleque qualquer assumir a culpa.

POLICIAL – Não vai dar em nada mesmo. O povo vai se esquecer disso em questão de dias.

O investigador recebe uma mensagem pelo telefone.

INVESTIGADOR – Adivinha? 

Ele liga a tv e os dois assistem ao jornal.

ENTREVISTADOR – O que aconteceu hoje foi uma das provas do estado de inércia em que nossa polícia se encontra. Temos poucas notícias sobre o caso, que aconteceu há poucas horas, mas aos poucos as pessoas estão sendo liberadas. Estamos aqui com um passageiro do ônibus 67. Sr. Jorge Barbosa. O senhor pode me contar o que aconteceu?

PASSAGEIRO – Bem... Eu estava perto do cobrador e de uma moça. Eles estavam conversando e pelo que eu entendi eles estavam dizendo que muitas pessoas estavam sendo feitas reféns no ônibus, mas eles não avisaram a polícia porque os ladrões estavam de olho neles. Ninguém estava percebendo o arrastão silencioso no ônibus, mas eles não tinham chegado até a mim e eu avisei a minha mulher pelo aplicativo no celular e ela avisou a polícia.

ENTREVISTADOR – Então quer dizer que se não fosse você ninguém ficaria sabendo do que ocorreu hoje?

PASSAGEIRO – Quando a polícia chegou já era tarde. Os bandidos e as pessoas assaltadas já tinham corrido para longe do ônibus.

ENTREVISTADOR – Pois é! A segurança pública no nosso estado tem se mostrado cada vez mais ineficaz. O senhor tem alguma opinião sobre o caso?

PASSAGEIRO – Concordo com isso. Eles não estão conseguindo nem acessar as imagens nas câmeras! Essas câmeras que eles colocam no ônibus só serve de enfeite. E agora os bandidos sabem disso. Estamos perdidos!

ENTREVISTADOR – Agora os meliantes estão à solta e a polícia não conseguiu nem identificar os bandidos. Há um grande sentimento de impunidade no ar. Esperamos uma resposta do secretário de segurança e não ficaremos calados até que este caso seja resolvido. Se você foi um passageiro assaltado do ônibus 67 no dia de hoje, faça o B.O. aqui na polícia e ajude a fazer retratos falados para prender esses criminosos. Voltamos ao estúdio.

O investigador desliga a tv e faz uma expressão estressada.

POLÍCIAL – Isso não dura até o amistoso de Brasil e Colômbia no sábado.

INVESTIGADOR – Deus queira...


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Notas finais do capítulo

Trilha - https://www.youtube.com/watch?v=j5-yKhDd64s



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