Coração de Porcelana escrita por Monique Góes


Capítulo 41
Capítulo 40 - Scientia


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo foi meio engraçado de fazer... De certa forma, o Jim é o personagem com que eu mais me identifico.
E uma pergunta: A fic tem 2.802 visualizações. Onde está todo esse povo? .-.



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Capítulo 40 – Scientia

Não foi no melhor clima em que Vincent e Jim saíram do Túmulo.

Sinceramente, uma mulher o mandando ir domar um dragão E dizendo que poderia morrer até antes de oito de maio do ano seguinte não era uma boa maneira de deixar alguém com a melhor moral.

Mas tinham que ser rápidos, tinha algo além do Túmulo, havia pessoas possuídas tentando chegar naquele algo além de provavelmente terem coisas tentando mata-los no caminho.

Nossa, estava morrendo de animação.

Só que primeiro, iriam precisar da dita dragoa.

— Não acho que devamos levar os outros, eles já tiveram que passar por alguns sustos com os anjos. – Jim falou.

— Para dizer o mínimo. – Vincent bufou, pegando o cesto e o chifre que mencionara. – Bom, eu conseguir selar o meu pacto com Freyr com isso. Mas ele estava inconsciente e aparentemente as fêmeas são mais agressivas.

— Valeu Vincent, você está me dando muito apoio moral agora.

— Droga Jim, domar o Freyr já foi um saco e eu não passei a minha vida toda ajudando a esconde-lo para a völva vir e dizer que você pode morrer até ano que vem, terminar tostado ou algo parecido! – exclamou, e o dragão o olhou indignado ao ser mencionado, bufando.

— É, está ajudando muito. – gemeu. – Vamos provavelmente ter que passar pela vila, e não tem como saber se os anjos ainda estão lá.

— Talvez seja melhor nós irmos em Freyr. Ele tem uma capacidade melhor de achar um outro dragão e deve ser mais seguro em relação aos anjos.

Jim mordeu os lábios. Vincent poderia estar confortável com o dragão, mas ele nem havia chegado perto do ser ainda direito. Mas, novamente, teria que ir atrás da dita dragoa. Talvez ter a noção do que iria acontecer do era pior do que ser pego de surpresa, como fora com seu irmão.

— É, talvez...

Foram avisar os outros três que esperavam um pouco afastados dos habitantes da vila, e na parte exterior do Túmulo, Jim perguntou para Iàcob se todos os homens haviam retornado. Com a resposta aparentemente positiva, Vincent subiu de novo nas costas do dragão, e o mais novo encarou a criatura durante algum tempo antes de aceitar a mão de seu irmão e subir também.

Com certeza não estava preparado para aquilo. A sela de Freyr era longa o suficiente para caberem umas quatro pessoas ali, e sabia que seu tamanho era proporcional ao do dragão. Lembrava vagamente uma sela de cavalo, mas com certeza não era a mesma sensação.

— Se segura. – Vincent avisou logo antes do dragão correr para frente e levantar voo.

Normalmente odiaria ficar agarrado no irmão, mas quando o chão foi se afastando, viu a altura em que se encontravam e suas pernas de cada lado do dragão... Ficar agarrado em Vincent pareceu ser menos pior.

Sentiu claramente quando o peito de Freyr vibrando e ele lançava um som esquisito ao ar.

— O que ele está fazendo?

— Ele está tentando chamar a dragoa. Isso é...

— Um canto de acasalamento?

Logo depois ouviu o guincho da dragoa, parecendo vir das árvores próximas à vila. Freyr cantou mais alto e mais uma vez ouve resposta.

— Não quero ver dragões acasalando.

— Acho que estou mais preocupado com a reação da fêmea quando ela perceber que Freyr não quer acasalar.

— Ele não quer?

— Parece que essa fêmea é... Agressiva até para os padrões comuns das fêmeas. Freyr consegue perceber pelo “canto” dela. Ela o assusta.

— Maravilha! – gemeu.

O dragão voou até uma clareira em chamas. Vincent havia mencionado que quando havia caído encima dele, o dragão estava pondo fogo em árvores. Talvez fosse um costume de criar um local quente para ficar. Percebeu também que o fogo não soltava fumaça, e era vermelho. Mas claro que o calor o atingiu como um soco.

Deu para sentir Freyr ficando tenso. Nem ele nem Vincent estavam o ajudando.

Ele pousou um tanto bruscamente no local, fazendo a cabeça de Jim quicar. Logo depois de se recuperar, ele viu a dragoa.

Já havia visto em algumas representações em livros de dragões com penas, e sempre os imaginou como galinhas gigantes.

Bom, a dragoa tinha penas, e não parecia em nada com uma galinha gigante.

Ela era menor que Freyr, e enquanto ele era musculoso e troncudo, quase como um leão, ela era esguia – e também musculosa. Suas pernas eram compridas com patas quase caninas, um pescoço longo, com uma cabeça estreita e triangular, semelhante à de um lobo, com dois chifres negros curvados para baixo. E tinham suas penas.

Ela brilhava no sol e no fogo. As penas passavam entre vermelho sangue, vinho, roxo, e preto. A sua cauda balançava, com penas como a cauda de um pássaro, que certamente a auxiliavam no voo. Os olhos violetas pararam nos dois nas costas do macho antes de começar a rosnar, a crista de seu pescoço se eriçando.

— Pula! – Vincent exclamou, puxando-o pelo braço literalmente um segundo antes dela pular sobre eles. Freyr pulou para a frente, virando-se para o lado e a acertando na base do pescoço com o ombro.

Ambos caíram ao chão quando ela foi empurrada para trás, empinando-se nas pernas traseiras como um cavalo, batendo as asas enquanto rugia, fazendo o fogo voar. Freyr rugiu em resposta, sua voz muito mais grave.

E caramba, era muito alto. Sentiu como se algo vibrasse em sua cabeça em resposta. Entendeu porque seu irmão achava que havia ficado surdo quando Freyr havia rugido contra seu ouvido.

Vincent se levantou no momento em que a fêmea se jogou novamente contra o macho, seus dentes tentando se fincar no pescoço dele enquanto ela acertava suas costas com as asas. Pelo barulho que estava dando, não queria estar no lugar dele.

— Bom, agressiva deu pra ver que ela é.

O outro lhe deu uma olhadela.

— Isso vai ser bem mais difícil do que Freyr. E acho que o nosso querido bisavô já nos deu a ajuda que ele estava disposto a dar. Vamos ter que agir.

Um rugido de Freyr soou vagamente parecido com um “por favor”.

Jim respirou fundo. Mesmo que sozinho, ele vinha praticando sua magia, mas considerando-se com Vincent, que a tinha desde que praticamente podia andar... Como um Rockstone, ele sabia que instintivamente possuía a intensidade e potência que muitos nem sequer sonhavam, mas lhe faltava precisão. Sem contar que ainda não entendera muita coisa sobre a parte prática de ser um scientia.

E precisava ter certeza que não deixaria todo mundo no escuro, como fizera antes.

— Eu vou chamar a atenção dela. – Vincent avisou.

—... Ok.

Se assustou quando percebeu que os olhos de seu irmão mudaram. A coroa dourada se expandiu, o verde azulado se tornou um azul elétrico que parecia se derramar e misturar com a esclera como se fossem faíscas. Isso tudo um segundo antes dele erguer a mão e a energia azulada sair com o barulho de energia estática.

A magia acertou a lateral da dragoa, que rugiu e saltou numa reação clara de quem havia levado um choque, a fumaça saindo de suas penas.

Vincent saltou para o lado e Jim precisou de alguns segundos para absorver que ele estava se movendo muito mais rápido do que era humanamente possível. Como efeito colateral ele ficava “elétrico” também? Ele se afastou rapidamente de Jim, e a fêmea deu um golpe com a asa na cara de Freyr que pareceu ter tido o efeito de um soco, dado como ele cambaleou desnorteado. Logo após, ela abriu a boca, e ao invés de cuspir fogo como já temia, o fogo saiu como uma bala silenciosa, explodindo no chão em que o mais velho estava um segundo antes.

— Maravilha! – Jim exclamou. – Um Banguela na vida real!

“Certo, faça alguma coisa.” Pensou. Talvez pudesse tirar a capacidade de visão dela. Conseguia deixar os locais escuros, concentrar aquela escuridão e atirar nos lugares. Não era muita coisa, mas considerando que só sabia magia há no máximo duas semanas... Era o melhor que poderia fazer.

No caso, Vincent estava fazendo um bom trabalho em irritar ela longe de Jim e ser rápido o suficiente pra sair com vida.

Respirou fundo. “Calma, com um cara atirando raios e um dragão macho ela não vai ver o magrelo insignificante no canto.”. Tentou ignorar o tanto que estava suando com a armadura mais o fogo ao redor deles, concentrando-se na sensação da magia e olhou para a mão direita, vendo a ponta de seus dedos ficando negras antes da energia sem qualquer luz ou reflexo surgir. Alimentou-a até ficar mais ou menos do tamanho de uma bola de baseball, então verificou a distância que se encontrava.

Do modo em que cada pisada dos dragões levantava poeira, estava feliz de não estar muito próximo, mas precisava de uma posição melhor para a cabeça dela. E para isso, precisaria seguir Vincent, já que a dragoa parecia mais empenhada em pegá-lo – era compreensível.

Correu para dar a volta, e na metade do caminho se deu com um imenso obstáculo chamado “cauda do Freyr” que veio em sua direção com todos os seus espinhos. Jogou-se no chão, sentindo passar raspando por cima de si.

Que diferença, considerando-se que há alguns dias estava muito feliz mofando dentro de casa.

Levantou-se com um pouco de dificuldade, e caramba, ela já havia virado de novo. Soltou um suspiro de exasperação antes de voltar por onde havia vindo.

Percebeu Vincent ir deslizando para trás, as faíscas ficando no caminho. A dragoa esticou o pescoço e rugiu para ele.

Perfeito.

Jogou a esfera como um arremessador. Tinha uma mira relativamente boa, e era uma questão de honra não errar um alvo daquele tamanho.

E deu certo. A bola acertou a lateral do rosto da dragoa, abrindo-se como se fosse um balão cheio d’água, penetrando então nas pequenas escamas de sua face. Viu claramente quando o único olho visível de seu ponto de vista ficando negro e a dragão travando.

Foi até engraçado. Ela parou por um segundo, piscando, e então sacudindo a cabeça. Vincent saiu logo de perto, enquanto ela a sacudia mais vigorosamente.

E então ela ficou com raiva, fazendo com que a situação deixasse de ser engraçada.

Ela soltou um rugido que até Freyr se encolheu, antes de correr desgovernada, soltando fogo para todos os lados. Na visão de Jim, era como se o mundo estivesse explodindo. Sentia o chão tremendo com todos os impactos, fazendo com que parecesse difícil ficar de pé.

Sentiu uma mão fechando-se em seu braço esquerdo e quase gritou com o choque que lhe deu antes de Vincent o arrastá-lo mais para longe da fêmea. Freyr havia literalmente se alojado no outro extremo da clareira, sua cabeça baixa, as orelhas jogadas para trás, as pernas flexionadas mantendo seu corpo próximo do chão e as asas caídas.

— Seu dragão está morrendo de medo, não está?

— Eu também e você também, nem vem. – Ele o largou próximo à asa, enquanto a dragoa corria desorientada. Os rugidos dela já estavam lhe dando dor de cabeça. – Certo, você tirou a visão dela. E agora?

Ela havia parado novamente, as asas caídas e a cabeça baixa, porém o corpo ainda ereto. Aquilo lhe dava uma péssima sensação.

— Acho que ela está tentando se concentrar em nos encontrar de outra maneira.

Dito e certo, no momento em que falou, ela levantou a cabeça, virando-a na direção deles.

Merda.

Vincent o pegou novamente – lhe dando mais um choque no mesmo lugar—, e o arrastou naquela velocidade de novo, porém Freyr não foi tão rápido. A bola lhe atingiu no pescoço, explodindo. Como um dragão, ele era resistente a fogo, só que claramente o desnorteou.

O que foi ter efeito direto em Vincent. Ele largou Jim e tropeçou em seus próprios pés, fazendo os dois caírem.

E viu então uma dragoa furiosa vindo na direção deles.

Sentiu como se levasse um banho de água fria. “Faça alguma coisa, faça alguma coisa, faça alguma coisa...”. Alguma coisa pareceu se contrair dentro de si.

— Não ande!

Literalmente, ela tropeçou nas próprias patas e caiu estrondosamente ao chão.

Piscou quando percebeu que ela não conseguia sequer levantar, como se suas pernas fossem as moles e incapazes de um bebê. Ela soltou um rosnado particularmente irritado, deixando claro que também sabia que Jim era responsável por aquilo.

— Nem... Cuspa fogo. Ou faça nada.

Ela já estava de boca aberta, mas nada saiu. A dragoa rugiu em resposta antes de sua cabeça cair no chão. Os olhos totalmente negros estavam irados.

— Jim? Desde quando você sabe latim?

Olhou para Vincent, que estava se levantando, com o cenho franzido.

— Eu não sei latim.

— Você acabou de falar latim. Você falou e ela caiu no chão.

Não tinha mais a mínima ideia do que estava acontecendo. Quando sua pulsação parou de soar como um tambor em seus ouvidos e sua cabeça pareceu voltar a funcionar, percebeu que aparentemente havia feito o que Alphonsus lhe dissera no que parecia ter sido uma vida atrás. Mas ele não havia mencionado nada sobre ter que falar em latim.

De qualquer maneira, a dragoa estava parada no mesmo lugar sem tê-los tostado ainda. Era alguma coisa.

— Bom, acho que é agora. – Vincent gemeu enquanto se levantava. – Não garanto que ela vá ficar feliz como o Freyr, mas já que precisamos dela...

— Tem certeza que nada queimou ou foi quebrado?

Vincent tirou a caixa do bolso. Não havia reparado que ela encolhia, mas de qualquer jeito, ele a abriu, tirando o cesto de dentro e uma pedra de amolar.

— Use isso na sua espada. – disse, lhe atirando a pedra. – E se prepare que vai doer.

— Eu vou cortar os meus pulsos agora?

— Vai.

Estava brincando, mas não gostou da resposta. Ainda assim, fez o que Vincent mandara. Amolara a espada, vendo o fio ficar cada vez mais brilhante enquanto o mais velho tirava um pedaço de carne monstruoso de dentro do cesto, que jogou no chão. Freyr deu uma cheirada na carne e o outro lhe deu um tapa no focinho, fazendo-o voltar.

— Aqui. – ele pôs o cesto próximo de Jim. – Eu cortei o meu pulso, e logo que o sangue saiu, o fio da espada o fechou.

— Queimando?

— É.

Estava tão animado para fazer aquilo, estava até pulando de excitação. Retirou uma das braçadeiras de seus braços, e de qualquer jeito, apoiou a ponta no fundo do cesto, respirando fundo antes de encostar a pele na lâmina e deixa-la correr.

Ofegou quando o corte foi feito, mas para si, o que doeu mais foi quando sua pele foi queimada, fechando-se logo após. O sangue escorreu pela lâmina, e a sacudiu para que caísse mais rápido. Quando algumas gotas alcançaram o fundo, Vincent tampou o cesto.

A dragoa moveu a cabeça quando o objeto foi destampado, ainda rosnando continuamente. Não estava com tanta vontade de se aproximar dela, só que era um mal necessário, assim como a quantidade absurda de sangue ali, que seu irmão despejou sobre a carne.

— Bom... Foi assim que eu selei o meu pacto com Freyr. – disse, tirando o suor da testa. – Agora você vai ter que levar para ela.

Grunhiu, pegando a carne. “Coisa horrorosa”, pensou, carregando-a sem muito esforço. Virou-se para a fêmea, que movia a cabeça fracamente no chão. Respirou fundo, “coragem”, e foi até ela cautelosamente, já que não sabia se ela poderia dar-lhe uma bocada quando menos estivesse esperando.

Pousou a carne no chão próximo à cabeça dela, que se virou imediatamente em direção à comida. Olhou para Vincent, que o sinalizou para se afastar com Freyr o olhando com os grandes olhos leitosos.

Deu vários passos para trás e para o lado, antes de dizer:

— Ande. Faça tudo.

Caiu no chão quando ela se levantou como um raio, abocanhando a carne e partindo para cima dele.

— Jim!

Porém, ela parou bem na frente dele, o focinho a alguns centímetros de seu rosto. Ela estava mastigando, com uma expressão de quem estava avaliando o sabor, o que fez a mente do garoto entrar em pane e só conseguir pensar que não queria se tornar o acompanhamento da carne.

Ela no fim fez uma expressão emburrada, como se ele houvesse a posto num beco sem saída. A fêmea rosnou para ele, antes de puxar uma de suas asas e mordê-la, fazendo o sangue verter.


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