Coração de Porcelana escrita por Monique Góes


Capítulo 40
Capítulo 39 - Völva Saga




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Capítulo 39 – Völva Saga

Jim estava com... Certo medo de Victoria.

Não porque ela quase o matara – sabia que era idiotice de sua parte, mas sabia que fora sem querer. Embora houvesse aquele “pequeno fato” do “ela quase me matou” -, mas sim foi quando ela matara a rainha das Filhas da Floresta. René havia percebido que havia algo errado e avisado Jim e Vincent. Niflheim e Freyr encurralaram uma das Filhas no estábulo e só precisou de uma... Persuasão de Lorde Macbeth para a mulher contar para onde os três haviam sido levados.

Agora... Chegar na hora em que a garota enfiava uma lança na boca da mulher nunca era uma cena agradável de se ver.

Com isso, o clima mudou em Sombra da Asa. Literalmente, o inverno se foi e a primavera chegara... O que era sinal que Victoria era a nova rainha das Filhas.

Nossa.

Tirando o ataque que ela teve quando percebeu que estava seminua e Jim, Vincent, René, alguns soldados – além de Ameen pendurado numa gaiola – estavam lá, aproveitando o show, tudo estava bem. Tirando também que ela e o rapaz ainda não haviam se falado muito desde o incidente do tronco na cabeça.

Ela havia mandado as Filhas procurarem um caminho seguro para eles. Isso mesmo, mandado. Depois do que havia acontecido, elas não soltaram um pio de protesto. Mesmo com os homens do Lorde Gregory, elas abriram caminhos que Caillech apenas permitira às filhas usarem.

E... Lá estavam.

Victoria estava usando o tartan de sua família preso por um cinto, por cima de uma cota de malha e uma túnica verde que havia retirado de sua sacola. Seu cabelo havia deixado de ser ondulado, e agora estava cacheado como o da antiga rainha, e quase tão comprido quanto, com algumas tranças finas em algumas mechas. Ouvira as mulheres dizendo que uma nova rainha sempre absorvia uma característica da anterior, então lá estava. Para completar, ela estava com uma cara de poucos amigos, acompanhada por uma ursa marrom que a seguia como Niflheim o seguia em sua forma de lobo, e voilá! Ela parecia pronta para chutar bundas, e Jim sinceramente esperava que não fosse a dele.

— Olha, desde que viemos para cá – Ameen lhe chamou a atenção – eu estou com a sensação de que eu virei o bode expiatório.

— Hã? Por quê?

— Literalmente, sou eu que estou me ferrando toda vez. Eu já perdi minha mão, e depois fui sequestrado por uma louca.

— As meninas foram sequestradas também.

— Elas foram mordidas por um anjo zumbi e tiveram a mão amputada?

—... É, você é azarado.

— Azarado? Eu? Eu sinceramente pensei que aquelas mulheres iam matar as meninas e me estuprar depois.

Jim franziu o cenho para o árabe.

— Sério, ela disse que iria matar as meninas e ver o que ia fazer comigo depois. Nenhuma das alternativas era boa, você não viu a cara dela.

— Não vi mesmo. – esfregou seus olhos. – Normalmente vemos a situação contrária, não é?

— Um bando de homens, que matam os homens primeiro e estupram a mulher depois?

—... É. E esse nunca é um bom assunto de se entrar.

— Bom, agora nós estamos indo para a vila da Völva, e eu espero que não nos metamos em algo muito ruim. Argh, nem acredito que o meu pai me meteu nessa.

— Você reclama do seu pai? No meu caso, foram meu pai e meus bisavós que me puseram. E tem a minha outra bisavó querendo minha cabeça. Além de todos estarem mortos.

— Você é esquisito. Ao extremo. Você só não bate o René porque você não parece um robô.

— É...

Estavam há uns dois dias na floresta. Nisso, pudera observar René melhor nesse meio tempo, e falar com todo mundo. Sabia que era hipocrisia falar aquilo, mas o francês era... Esquisito. Não tinha como não dizer.

No momento, ele estava sentado no chão e seu cavalo estava deitado perto dele. René era apático. Ele respondia quando falavam com ele contanto que fosse importante, mas na maior parte do tempo era fácil esquecer que ele estava no local, e ele nunca mudava de expressão.

Nunca.

Que era basicamente... Sem expressão. Uma cara morta. E Jim se achava esquisito. Tentar conversar com ele era basicamente fazer monólogos com alguns resmungos como resposta. Quando havia respostas.

Havia alguma coisa errada, só que não era exatamente fácil falar com ele, e sociabilidade não era o forte de Jim. E toda a sua habilidade ele estava usando com os outros.

Vincent acabava ficando com o dragão, que normalmente sobrevoava acima ou à frente. Aparentemente já havia Filhas da Floresta de olho nele, e o mais velho não estava muito feliz com aquilo. Para Jim era como se estivessem na escola de novo, já que aquela era a situação rotineira do dia a dia, com Vincent não muito feliz na época que ele namorava Rebecca porque ele tinha uma habilidade de se por em situações estranhas.

Agora eles estavam quase para chegar no vilarejo que guardava a entrada do Túmulo, e toda vez que ele mudava de lugar, os moradores pegavam suas coisas e mudavam junto. Esperava que o que quer que fosse, que encontrassem logo Michael. Sinceramente, Mike sempre fora o que menos soubera se cuidar. Claro, ele sempre fora o centro das atenções. Jim e Vincent sempre dividiam seus quartos, enquanto o mais novo ou ficava com a mãe deles ou ganhava um só para ele.

— Bom, estamos quase chegando. – Se assustou quando percebeu Vincent já ao seu lado.

— Quando você chegou aqui?!

—... Agora? Você foi para lua, não foi?

— É, fui. – esfregou os olhos. – Freyr percebeu alguma coisa esquisita?

— Nada. E Niflheim?

— Ele só está tentando comprar briga com a ursa da Victoria, então não está fazendo nada de útil.

O latido do outro lado do acampamento indicou que o familiar escutara.

Vincent soltou um suspiro pesado.

— Eu estava pensando em Michael. E no nosso pai.

— É, eu estava pensando no Mike também. Como será que ele está?

— Não sei. Sinceramente, é difícil pensar nele nesse lugar.

— É... Nisso você tem razão. Ele sempre foi meio...

Vincent não o respondeu de primeira.

— Do que você está falando do Michael? Porque isso pode se referir a várias coisas.

Pensando bem... Era verdade.

— Vive no mundo da lua? Delicado?

— Delicado como um elefante, mas entendi o que você quis dizer.

— Ele não é tão desastrado assim.

— Jim, ele já quebrou a TV. Ao meio.

Ele realmente havia feito aquilo. Fora a única vez que vira Melissa com raiva de Michael. Ele estava sozinho na sala, então ninguém sabia realmente como ele conseguira dobrar o aparelho ao meio. Parecia que ele havia pegado um taco e acertado a televisão, mas eles não tinham um taco em casa.

—... Poderia ser sobre ele ser gay, sabe.

Vincent o olhou.

— Que foi? Vai me dizer que você não sabe. Não é como se ele não comentasse sobre os caras da sala dele nem nada.

— Não é como se ele escondesse, mas não é isso, é só sobre você ter trazido o assunto do nada.

— Eu acho que se encaixa nos vários “meios” do Mike.

— É...

— Continuando no assunto. – Vincent continuou. - Seria estranho se eu não ficar surpreso se você for assexual?

Já havia pensado naquilo. Não dava muita atenção para a questão em si, mas havia percebido que não se interessava pelas “coisas”. Começara a perceber quando tinha o quê? Treze, catorze anos?, Em uma de suas escolas, um garoto roubara uma edição da Playboy de seu pai, e enquanto os outros meninos da sala estavam com seus hormônios a flor da pele, Jim estava apenas... Desinteressado. O que havia de interessante? Era uma foto de uma mulher pelada. E?

Quando foram lhe mostrar a revista fez pouco caso e foi tachado de “esquisito e gay”. Fez pouco caso do mesmo também.

— Você está num momento de auto reflexão profunda ou descobrimento interno ou...?

— Não, é só que eu nunca parei muito pra pensar nisso. Mas... É. Recapitulando a história da revista Playboy.

— Você lembra disso?

— Não foi há taaaanto tempo assim. Só há uns dois, máximo três.

— Não, mas eu lembro da confusão que deu por picharem a sua mesa e você dedurar todo mundo pela revista.

— É. Continuando, não é como se eu não fosse capaz de me interessar por alguém.

Vincent ergueu uma sobrancelha, e depois desviou o olhar. Jim não entendeu até seguir o olhar do irmão e ir parar em...

Victoria.

Quis esgana-lo.

— Ok, não me bata! Eu posso acabar chamando a atenção! – Ele exclamou quando percebeu a expressão de Jim. – E ela te bateu com aquele...

— Vincent. Chega. De onde você tirou isso?

— Eu tenho olhos?

— Que inventam coisas?

— Que veem os fatos?

— Você vai responder as minhas perguntas com outras perguntas?

— Talvez?

Grunhiu.

— Eu vou ir dormir. – respondeu. De qualquer jeito, escutou uma risada reprimida de seu irmão que o fez odiar ter que dar a vitória ao outro.

No outro dia, foram ter ideia de como as coisas estavam erradas.

A vila era algo parado no tempo, até mesmo para os padrões do Santuário. As casas eram basicamente, casas de turfa, com seus batentes apresentando diversos desenhos – certamente com propriedades protetivas. -, mas era mais que claro que elas haviam sido abandonadas às pressas. Tinham portas quebradas, paredes parcialmente derrubadas, e fumaça de resquícios de incêndios não muito grandes. Tenente Iàcob, que comandava os homens de Macbeth, estendeu um braço, pedindo a parada, e ninguém fez menção alguma de que iria contrariá-lo, nem mesmo as Filhas.

Um grande “merda” se formou na cabeça de Jim por um segundo quando um rugido alto foi ouvido, e as orelhas de Niflheim ficaram eretas, em alarme. Olhou envolta, atrás de Freyr, mas sabia que aquele não era o rugido do dragão. Era mais agudo, quase um guincho gutural, algo que fez os pelos de sua nuca ficarem totalmente eriçados.

Depois, ouviu os guinchos e grunhidos dos anjos.

Os cavalos começaram a se mover por conta própria, como se quisessem fugir, antes que o som de asas massivas se movendo começassem a soar e o vento soprasse loucamente. E então houve o brilho intenso e inesperado do fogo.

Não teve como os cavalos não se assustarem. Até Niflheim se empinou, pegando Jim de surpresa, e ouviu a ursa de Victoria rugindo e alguém – Não conseguiu distinguir se fora Anastasiya ou Ameen – exclamando alguma coisa numa língua esquisita. Tudo isso aconteceu um pouco antes do dragão levantar voo.

Com tudo acontecendo ao mesmo tempo, não conseguiu ver a criatura direito, mas viu que era vermelha, brilhando contra o sol matutino, e rugiu mais uma vez ao passar por Freyr, antes de sumir.

— A vila foi atacada. – Iàcob constatou. - Isto é um péssimo sinal.

Quase soltou um “não me diga”, mas preferiu não dar uma de mal educado. Agradeceu mentalmente às Filhas terem praticamente obrigado todos a usarem as armaduras ganhadas em Dhor Faldor, mesmo que a sensação de usá-las fosse esquisita – além de ter se enrolado um pouco para vesti-la corretamente da primeira vez. Felizmente não precisou de ajudar. -, portanto, se realmente fossem anjos de luz por ali, a probabilidade de acabar mordido como Ameen era bem menor.

Antes de se recuperarem totalmente, os guinchos dos anjos se tornaram mais altos, e Jim pensou seriamente que bateriam em retirada quando, em uma confusão, um anjo dourado caiu com outro, de asas prateadas por cima de si. Ele era bem diferente dos outros anjos que vira até então, o mais “humano”, de longe. Ele usava uma armadura completa e esfaqueou o anjo de luz com uma espada antes de olhá-los com olhos brilhantes sob o elmo.

— Anjos de Alphonsus! – Iàcob exclamou. – O Túmulo é no precipício, precisamos chegar lá, rápido!

— Correndo entre eles?! – Anastasiya exclamou com voz esganiçada.

— Sim!

Tudo o que conseguiu pensar foi “Pelo menos uma vez você ajuda”, antes de terem que disparar pelo meio da confusão. Curvou-se sobre o pescoço de Niflheim por instinto, e sabia que o ser seguia a liderança de Iàcob sem necessitar ser guiado. Assim, viu claramente o que estava acontecendo enquanto corriam.

Havia diversos anjos que ainda vestiam resquícios de vestes de lã e traziam cabelos ainda com resquícios de cores mais fortes, além da pele com um tanto de cor, o que lhe deu um calafrio ao perceber no que Ameen poderia ter facilmente se transformado. Havia os anjos de Alphonsus, que estavam claramente num nível diferente. Eram visivelmente racionais, com armaduras protetivas e dava para perceber que possuíam estratégias contra os outros.

Tinha também diversas casas meio pisoteadas e ainda flamejantes devido ao dragão, mas passaram direto e foram dar para um enorme campo aberto atrás da vila, e de lá não foi muito difícil de ver o Túmulo. Via que era uma enorme estrutura de pedra, porém percebeu mais uma espécie de barreira brilhante envolta dele, um tanto arroxeada e azulada.

— Ali! Vamos!

Uma flecha passou voando por cima da cabeça de Jim, assustando-o. Vários dos soldados de Macbeth também ajudavam, atirando contra os anjos para não se aproximarem demais. As Filhas se atiraram na batalha, com seus javalis e lobos ajudando. “Não olhe pra trás” disse para si mesmo, como havia dito quando chegaram ao Santuário. A imagem mental de si mesmo olhando para trás e levando uma flechada no olho se formou novamente, e a afastou o máximo que pôde.

Sentia Niflheim bufando sob si quando se aproximaram da barreira e escutou quando um anjo se jogou sobre o outro para desviá-lo do caminho logo antes de adentrá-la.

Lembrou-se repentinamente de uma caneta que Vincent tinha quando eram crianças, que dava choque. A sensação era de que o choque daquela caneta fora dado por todo seu corpo quando passaram direto pela energia da barreira antes de conseguirem frear.

Percebeu-se mais trêmulo e ofegante do que quando foram atacados quando tentaram chegar à Dhor Faldor, mesmo que houvesse mais pessoas ali.

Ergueu o olhar para perceber pelo menos uma dúzia de homens e mulheres com arcos, lanças, espadas e olhares ferozes bem na entrada. As paredes do túmulo eram de pedra, e altas, com um imenso portal de ferro que no momento estava fechado.

— Quem são vocês?! – um dos homens perguntou rispidamente. Seu cabelo era quase totalmente raspado nas laterais, com diversas tatuagens no lado direito de sua cabeça, seguindo para seu rosto.

Logo depois Freyr pousou estrondosamente e ele quase largou sua espada.

— Valeu Vincent. – murmurou, quase tendo vontade de rir quando o dragão ergueu o pescoço num claro tom de “temam-me, meros mortais”. E literalmente, vários soltaram suas armas quando viram seu irmão mais velho saltou de suas costas.

Decidiu que talvez fosse melhor saltar, e falou antes de Iàcob.

— Eu sou o príncipe Raphael Rockstone e este é o meu irmão, Alastair Rockstone. Fomos incumbidos de vir ao Túmulo por Lady Ailith e Lord Alphonsus, e estamos aqui com membros da família El-Amin e Tenov, além de Victoria, a nova rainha das Filhas da Floresta.

Ele olhou para a ruiva, que entendeu o recado e cruzou os braços para o homem, dando um olhar de autoridade misturado com algo que parecia muito com assassinato que aprendera provavelmente com as outras filhas – ou o adquirira quando quase morrera contra Caillech. Fora tão convincente que novamente, Jim esperava que ela não o atacasse. Isso teve efeito direto no homem, cuja disposição foi claramente cortada em pelo menos trinta por cento.

— Também recebemos escolta das forças do Lorde Macbeth de Sombra da Asa. Este é o Tenente Iàcob Gòrdan, que está no comando da dita escolta.

Esperava ter sido tão convincente quanto Victoria, no caso. Em sua cabeça, soava ridículo.

Ouviu um burburinho quase inaudível entre a linha de frente, e o homem deu uma boa olhada nos rostos tantos de Jim quanto de Vincent. Na realidade, sabia que ele estava na verdade checando seus olhos, atrás da coroa dourada. Ele soltou um grunhido logo após.

— Bom, vocês são Rockstones, e esse lugar é de vocês. Vocês vieram provavelmente falar com a völva, não é? – Jim assentiu. Ele se virou para os outros. – Vamos leva-los para dentro.

— Bom trabalho. – Vincent murmurou enquanto entravam. Algo lhe dizia que era melhor seguir desmontado, então Niflheim assumiu sua forma de lobo e seguiu ao seu lado.

O pórtico era grande o suficiente para Freyr passar tranquilamente andando, e foram dar no que era claramente uma antecâmara. Era simplesmente um recinto amplo e absurdamente alto, com algumas aberturas no alto que permitia a entrada de luz e vento, e era visível que os sobreviventes haviam se refugiado ali. As pessoas se assustaram com o dragão e houve um tumulto momentâneo até o homem que os recebera falou em alto e bom som que ele era a montaria de um dos príncipes Rockstone.

Vincent olhou para o dragão, que simplesmente se deitou próximo à entrada com sua melhor expressão de “Eu não ligo” que Jim vira na vida. Aquele dragão deveria ser um ator.

— Só eles dois vem comigo. – o homem então disse para o resto do grupo antes de alguém fazer menção de segui-los, logo seguindo caminho entre as pessoas, não dando a Jim e Vincent outra opção senão segui-lo.

— Quando os anjos atacaram a vila? – O mais velho questionou.

— De madrugada. – ele grunhiu em resposta. – Se não tivéssemos o costume de sempre deixar vigias, poderiam ter matado todos enquanto dormiam. A maioria conseguiu fugir para o cá.

Falando em maioria, as pessoas os olhavam e cochichavam enquanto passavam. Era mais que claro que não confiavam neles, não naquela situação, não com eles chegando após o ataque. Será que os culpavam, ligando o acontecimento? Jim não tinha como saber.

Adentraram em um outro recinto onde havia um grupo de garotas que não deveriam ser muito mais velhas que eles, todas sentadas envolta de uma plataforma ligeiramente elevada onde uma figura recurvada, segurando com a mão direita um cajado de madeira escura e retorcida, com uma gema iridescente em sua ponta. Ela usava uma capa comprida e grossa, azul, com uma capa menor sobre essa, sendo feita inteiramente de penas de corvos.

Ela ergueu o olhar quando se aproximaram, o cabelo branco escapando do capuz. Jim engoliu o seco ao perceber que seus olhos eram completamente negros, com diversos pontos brilhantes formando uma galáxia em seu olhar. A völva era velha. Muito velha. Suas rugas eram tão marcadas em sua pele que ela quase parecia mumificada.

Ela lhes deu um sorriso quase sem dentes, então as garotas se levantaram sem dizer nada, saindo do recinto. O homem também os abandonou em silêncio, deixando-os sem saber o que fazer.

— Eu sabia que vocês chegariam logo. O Santuário percebe quando um Rockstone põe os pés aqui.

Jim sentiu como se uma pessoa invisível o empurrasse em direção à velha. Pelo modo que Vincent tropeçou, ele sentiu o mesmo. Foram sentar no chão em frente à plataforma dela.

— Alastair e Raphael, o que principalmente move vocês não são as ordens dos anjos, mas sim o desejo de encontrar Christian, não é mesmo? – ela estalou a língua. – Não precisam responder, é totalmente compreensível.

—... Qual seu nome? – O mais novo acabou por questionar.

— Nomes são coisas bonitas, mas perigosas nas mãos erradas. Erastus provou disso quando foi derrotado pelo bisavô de vocês. – os olhos delas faiscaram. – Mas se precisam de algo para me chamar, chamem-me de Saga.

Ela ergueu sua mão esquerda. Jim percebeu que ela era negra como se totalmente tatuada.

— Vocês dois estão cheios de perguntas apenas de me ver. Vocês dois são os dois primeiros do sangue do dragão a me verem desde os tempos de Brynjar. Muita coisa mudou desde lá.

— “Sangue do dragão”? – Vincent questionou. – Isso é por causa das montarias do rei Alphonsus?

Ela deu uma risada que deixou bem claro que ele havia errado.

— Não menino. As montarias do rei só puderam ser fiéis a ele por causa do sangue. A sua só pode ser fiel por causa do sangue. – A ponta do cajado adquiriu um tom de fogo um tanto quanto alarmante. – Eu já estava aqui quando o primeiro pôs os pés neste mundo. Dragão Branco. – Ela estalou a língua novamente. – Harok. Muitos caíram de joelhos e o chamaram de deus quando o viram.

—... Outro mundo?

— Isso está absolutamente intricado à tarefa que vocês carregam, crianças. Vocês acham que este mundo, Terra, Midgard, como quiserem chamar, é o único que existe? Vivemos uma existência menor dentro de uma maior. Há três mundos. – Ela ficou repentinamente séria. – O antepassado de vocês, Harok, veio de Aurtrai. A terra antiga. Os dragões surgiram lá e ele os trouxe.

Espera, do que ela estava falando? Jim estava tentando entender.

— Você está dizendo que... Existe mais de um mundo? – Vincent perguntou cautelosamente.

— Não estou falando de planetas. A palavra certa seria... Dimensões. – uma imagem saiu de dentro de seu cajado, pondo-se entre ela e os príncipes. Era como se fosse um círculo, e dentro dele havia três esferas de delimitações desformes, ora se fundindo, ora se separando. – Aurtrai, Terra, Darnelyian. Nossos três mundos, cada um influenciando e sofrendo influencia do outro silenciosamente. Eu sou a única observadora de nosso mundo. Não a única possuidora deste conhecimento, mas a única que enxerga claramente seus movimentos até o fim de nosso ciclo.

Existiam outros mundos agora? Jim já achara difícil engolir o fato de anjos existirem.

— Muito tempo atrás, um líder de Aurtrai foi banido para a Terra. Ele atravessou a barreira dos mundos com um casal de dragões.

— Harok.

— Um rapaz triste que lamentava a perda de seu lar. Criou sua nova casa nesse mundo e um dia desapareceu, deixando a família que formara e tudo para trás. Uma tragédia, realmente. Mesmo em seu mundo, apenas uma raça é capaz de montar dragões. A raça dele. O sangue pode ter se diluído muito com o passar dos milênios, mas oh, a magia tem de apurar alguma coisa.

Alguma coisa fez sentido afinal.

— Então... Alphonsus conseguiu montar dragões, e Alastair conseguiu domar Freyr por causa disso?

— E Christian.

Demorou um tempo para conseguir engolir o que ela dissera.

— Você está dizendo que M... Christian domou um dragão? – o mais velho questionou num tom que era uma mistura de incredulidade e choque.

— Oh sim... Ele passou por aqui. Um imenso dragão branco, e mais outras três pessoas com ele. Akinyi e Anyu, além de arrastarem Stephania. – ela ficou ainda mais séria. – Eles não pararam na vila. Passaram direto para o Túmulo como uma tempestade e logo em seguida os anjos atacaram.

— O que eles estão fazendo? – Jim questionou.

— O Túmulo não serve apenas para dar uma entrada aos espíritos Rockstone ao mundo dos vivos. Ele é um posto. Um vigia. Ele guarda algo desde a grande guerra. E aquelas crianças não estão controlando as próprias mentes.

Um “merda” maior ainda se formou na mente de Jim.

— Eles estão tentando chegar nessa... Coisa que está guardada aqui?

— Provavelmente.

— Provavelmente?

— Além do túmulo é uma das poucas áreas que não consigo enxergar. Não sei o que tem após isso, e Brynjar com seus anciões guardaram o segredo daqui cuidadosamente durante os séculos.

— Estamos perdendo tempo aqui, então. – Vincent murmurou.

— A passagem deles foi tão brusca e intrusiva que não duvido que eles tenham ativado as armadilhas do Túmulo.

Jim deixou um suspiro cansado escapar. Mais problemas.

— E mais uma coisa. Eu não aconselharia vocês seguirem em frente com apenas Freyr.

“Apenas Freyr”?

— Você está dizendo de maneira bastante sucinta que Raphael deve domar um dragão?

Saga riu.

— Você sabe como o fez, e para a sorte de vocês, há um dragão nas redondezas.

—... O que pôs fogo na vila. – murmurou sem muita animação. “Maravilha Jim. Maravilha.”.

— A que pôs fogo na vila. – Ergueu uma sobrancelha para a völva. – As fêmeas são mais agressivas. A confusão dos anjos deve tê-la atraído.

— Vincent quase morreu pra domar Freyr, e eu tenho que ir atrás de uma mais agressiva?!

Saga deu uma risada mais vigorosa.

— Você é um scientia, você pode saber o que fazer. – Ela então respirou fundo e sentiu como se o ar mudasse envolta deles. – Ora, mas esta é uma era interessante... Dois scientia em uma mesma geração. Um puro e um mestiço entre os amaldiçoados, nascidas no mesmo ano, ambos possuindo a clara cor...

Outro? Alphonsus já falara como se fosse algo muito raro ter um, então existia outro? E mais do que aquilo, Jim com certeza não estava gostando do tom de voz da mulher. Era... Agourento para dizer o mínimo.

— Quando o forte viver no escuro, os filhotes surgirem, o Véu se abrir e as estrelas tocarem o firmamento... Um de vocês não verá seu décimo sétimo ano chegar.

A única coisa que veio à mente de Jim foi que tinha dezesseis anos.


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Notas finais do capítulo

:D



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