Alguém havia me posto na cama. Havia vozes que eram graves e vinham da porta. Seja lá quem fosse estava discutindo. E parecia sério.

- Já são 1h30min da manhã! – o homem berrou.

- E daí¿ Fale baixo Roger! – pediu a mulher, nervosa.

- Abra essa porta e acorde eles agora Fernanda! – era meu pai, ele estava muito nervoso, mais nervoso até que minha mãe. – Ele está aí desde as 22h da noite, é ridículo.

- Ridículo é o que você está fazendo! Acalme-se Roger. – Fernanda pediu novamente – Ela está na cama e ele no chão. Não tem como eles...

- Não importa! E os pais deles¿ Sabem que ele está dormindo aqui¿

- Já devem saber; por favor, esqueceu-se que eles são amigos desde os quatro anos de idade¿! – perguntou minha mãe.

- Argh. Mesmo assim! Fernanda... – ele disse suplicante.

- Precisa confiar mais nela.

- Eu confio...

- Vá dormir, por favor! Eu cuido disso. Vai. Não cause problemas, ela acabou de chegar do hospital.

Roger resmungou mais alguma coisa que não consegui entender e depois saiu. Bem de vagar minha mãe foi abrindo a porta. Pude ouvir seus passos se aproximando, quase sem fazer barulho.

- Mãe. – chamei antes que ela acordasse o Nick.

- Acordou. – foi uma afirmação.

- É. Deixe-o dormir aqui...¿ - perguntei abrindo os olhos e me levantando para ver sua expressão. Ela estava séria.

- Filha, eu...

- Por favor. Eu preciso dele, mãe. – falei interrompendo-a.

- O.K. – Fernanda sorriu – Seu pai vai ter um infarto.

- Desculpe.

- Tudo bem, vou pegar um colchonete e um cobertor. Ele não pode dormir no chão...

- Obrigada mãe. Eu te amo.

- É, eu também, filha.

Ela saiu. Fitei o Nick dormindo no chão, perto dos meus pés. Ele parecia um anjo; seus cabelos loiros escuros estavam bagunçados e no seu rosto uma feição de dor. Meu coração se apertou.

Levantei e me sentei com ele, bem ao seu lado. Queria seu carinho e proteção novamente. Arrependi-me de ter chorado tanto na sua frente, ele devia ter sofrido a me ver daquele jeito, assim como eu sofreria se o visse na mesma situação.  Podia sentir os meus olhos pesados comprovando que eu havia chorado muito, eles deviam estar inchados. Muito inchados.

Nick ressonou e apoiou seu queixo na minha cabeça. Fechei os olhos, sentindo a segurança de estar com ele, passar pelo meu corpo. Era o que eu queria.

Meus olhos ainda ardiam quando resolvi abri-los. Já estava bem claro, deveria ser mais que 11h da manhã.

- Nick¿ - perguntei ao perceber que ele não estava.

- Sua mãe disse que ele já foi...

- Kimi! – gritei ao pular da cama para abraçar minha amiga, que permanecia encostada na porta. Fiquei feliz com sua presença.

- Oi Kay. Você está péssima, sabia? – ela riu.

- Que bom que veio... – ficamos abraçadas em silêncio, por um tempo.

- Eu te amo tá? – ela disse sem mais nem menos.

- Por que disse isso agora Kimi¿ - me afastei para olhar para ela.

- E-eu... Por nada Kay. Por nada. Só disse e...

- Para de mentir pra mim. Você mente muito mal... – disse a ela e sorri.

- Boba. – Kimi balançou a cabeça – Por que Nick dormiu aqui¿

- Eu precisava dele... Está sendo dificil... – fechei os olhos tentando não lembrar o motivo.

- Ah. – foi o que ela respondeu. Ela havia entendido.

- Pode ficar comigo¿ Não sei quando ele vai querer voltar, depois do tanto que eu o fiz passar e ver... E eu preciso...

- O.K. – Kimi me interrompeu – Eu sei disso. Vim pra ficar com você.

- Kimi, o Nick te disse se ele ia voltar¿ - não resisti e perguntei.

- Não. Quer ligar pra ele¿

 - Não. Estou super envergonhada, porém adoraria que ele voltasse. Foi tão bom ter o apoio dele... – Kimi fitou o chão e eu achei melhor mudar de assunto – Vamos fazer o que¿

- Amiga você não pode exagerar. Então, que tal você começar com um banho e um café-da-manhã¿

- É. Boa ideia! – eu sorri animada – Escolhe uma roupa pra mim Kimi¿ - perguntei correndo para o banheiro.

 - Claro. – respondeu ela baixinho.

Minha cabeça latejava um pouco. A batida na pedra ao desmaiar deveria ter sido extremamente forte. Já havia três dias desde o acontecido, não era normal ela doer tanto assim.

Entrei no banheiro pensando em Kimi, no jeito dela minutos atrás. O que poderia estar ocorrendo¿ Não encontrei nenhum motivo lógico ou que pudesse ter a deixado daquela maneira.  Ela estava triste, parecia mais confusa do que triste na verdade. Eu a conhecia bem para ter certeza disso.

Meu banho foi rápido, no tempo necessário. Escovei meus dentes e arrumei meu cabelo em um rabo de cavalo frouxo; por último passei um lápis fraco nos olhos e um gloss labial, depois fui me vestir.

Kimi já não estava no quarto, mas havia separado um short jeans com uma blusa básica branca; uma típica “BBB”, como eu e Kimi nomeava. Não pensei duas vezes e coloquei minha rasteirinha branca com bolinhas pretas, só para deixar a roupa no mesmo tom. Ao passar pela porta puxei minha bolsa, talvez eu e Kimi saíssemos.

- Ele não está bem mesmo... – ouvi minha mãe dizer quando entrei na cozinha.

- Quem não está bem¿ - perguntei.

- Ah. Filha. – ela sorriu – Não, não. É o pai da Kimi, o encontrei no mercado hoje, mais cedo, e estava falando para ela que ele não parecia bem... Só isso. – Fernanda disse me tranqüilizando.

- É verdade Katy. – Kimi reforçou ao se aproximar de mim.

- Arrã. Tudo bem. – sorri ao olhar para bandeja em cima da bancada da cozinha. – É pra mim¿

- Claro. Vamos andar. E você precisa ficar forte! – Kimi respondeu animada.

 - Eu não estou doente, amiga. – reclamei.

- Mesmo assim, ficou internada e deve estar fraca ainda. – ela rebateu.

- Kimi tem razão, Kay. – minha mãe falou.

- O.K. – eu disse erguendo as mãos para as duas, me rendendo. – Vou comer.

- É... Kay, eu estou indo ali na frente rapidinho, pode ser¿

- Vai falar com o Nick¿

- E-e-u... É. Vou sim. – Kimi falou com dificuldade.

- O que está havendo¿ Você está nervosa. Está escondendo algo.

- Não estou. Eu só preciso...

Percebi que minha mãe já não estava mais presente. Olhei em volta e voltei para Kimi de novo.

- Kimi, somos amigas. – eu disse – Qual é¿ Não confia em mim¿

- Katylin, não é nada. Eu só... Terminei com o Luck... – ela disse envergonhada.

- Só isso¿ Quer dizer, deve ser difícil e triste, mas é por isso que você está agindo assim¿

- Não queria que ninguém percebesse, mas esconder de você é impossível... – Kimi sorriu um pouquinho depois voltou a ficar triste. – Ele...

- Shiii. Não precisa me dizer o que houve amiga – a abracei forte – Está tudo bem, estou com você.

- Não vou chorar Kay, eu só preciso de um tempo... Era só um namorado...

Kimi e Luck namoravam desde novembro do ano passado, uns três meses já. Eles sempre brigavam muito, mas no fundo se amavam. Estava curiosa para saber o motivo da separação, mas agüentei, não queria forçar a barra da minha amiga. Ela já não estava bem. Outra hora ela contaria.

- O.K, quer ainda falar com o Nick¿ Ele pode te escutar se quiser...

- Não. Era só uma desculpa para sair da sua frente, não queria te deixar triste ou preocupada.

- Nós não vamos ficar tristes. Vamos fazer compras!

- Você acabou de sair de um hospital, sua louca! – ela gritou.

- Vai, me diz o que você quer então¿

- Ah. Sei lá. – ela sorriu – Compras é bom. Eu pensei nisso, mas depois fiquei no passeio saudável e leve.

- Vamos logo vai! – rimos juntas.

Eu nem se quer toquei no café-da-manhã. Kimi não percebeu. Depois Fernanda nos levou ao shopping. Eu não gostava muito de compras, mas sabia o quanto Kimi gostava, por isso resolvi ir sem reclamar ou dizer algo.

Ficamos andando bastante, apenas olhando, até que resolvemos começar a comprar. Eu comprei duas calças jeans – uma das peças que eu mais amava -, um vestido, uma jardineira jeans e mais umas quatro blusas básicas, para ficar em casa. Kimi comprou bastante, bem mais que eu. Ela adorava shorts jeans e blusas básicas, mas dessa vez o que ela mais comprou foi vestido, umas cinco peças. Estávamos no verão, então esquecemos as roupas de frio, que já nem estavam mais nas vitrines desde o começo de agosto do ano passado.

- Vamos tomar um¿ - Kimi perguntou quando passávamos em frente a uma sorveteria já fora do shopping.

- Claro. Estou com fome.

- Sorvete não mata a fome Kay.

- Eu sei, mas mesmo assim, ele engana.

Entramos na sorveteria dando risadas. Algumas pessoas olharam e rimos mais ainda.

- Olá. Sejam bem vindas. O que desejam¿ - perguntou a garçonete mostrando uma mesa a nós duas.

- Obrigada. – eu sorri – Eu quero um Milk shake de kinder ovo, tamanho médio, por favor.

- Claro, e você¿ - ela se virou para Kimi.

- Um Milk shake médio também, mas de sonho de valsa, por favor.

- O.K. – a garçonete sorriu – Aguardem alguns minutos e já traremos seu pedido.

- Obrigada. – eu disse e me voltei para Kimi quando a garçonete saiu – Olha quem está trabalhando aqui... – eu sorri ao lançar um olhar para o moreno que estava do lado do balcão.

- Carlos... – Kimi falou ao perceber quem era – Nossa. Quanto tempo que não o vejo...

- É verdade, eu também.

- Vamos falar com ele. – ela propôs.

Kimi levantou e foi em direção do Carlos.

- Carlos¿ - perguntamos para ter certeza.

- Oi. – ele disse ao se virar – Uau. Kimi¿ Katy¿ - perguntou ao olhar de mim para ela. – Não acredito.

- Olá. – Kimi respondeu primeiro.

- Oi Carlos. Como vai¿ - perguntei sorrindo.

- Ah. De boa. As férias escolares são um paraíso, mesmo trabalhando. – ele olhou em volta.

- É verdade. Sabia que Katy ficou internada¿ Isso é bem pior. – Kimi falou animada – Mas, graças a Deus, por pouco tempo.

- Kimi. – a repreendi.

- O que¿

- Eu já sabia – Carlos falou – Conversei com Nick na terça, ele estava péssimo, então desconfiei que houvesse acontecido algo, só não sabia o que. Aí ontem Luck me disse que você estava internada, mas que já ia sair.

- Ah. – eu balancei a cabeça, me sentindo –sem saber por que- um pouco desconfortada. Talvez porque o assunto fosse eu.

- Vejo que já está bem melhor, está até fazendo compras. – Carlos riu ao olhar para as sacolas embaixo de nossa mesa.

- É. Estou bem já, com certeza.

- Vamos tomar nosso Milk shake¿ - Kimi perguntou ainda super animada. Ela já teria deixado o Luck de lado¿ Assim, tão rápido¿ Ela sempre me surpreendia.

- Vamos, vamos. – eu disse por fim – Vem com a gente Carlos. Só um pouquinho de diversão.

- Está bem, um minuto. – respondeu ele, depois entrou na cozinha da sorveteria, voltando alguns segundos depois.

Conversamos bastante. Carlos era da nossa sala ano passado, mas mudou de escola no meio do ano. Segundo ele, não deu nada certo, então ele voltaria para a nossa escola. Kimi gostou da ideia, ela ficou animada com isso. Comecei a perceber que Kimi queria se distrair com outra pessoa, esquecer do Luck.

- Temos que ir. Já está tarde. – falei distraída olhando para os lados.

- Oh. Nem vi o tempo passar. – Kimi se surpreendeu ao ver que já estava escuro.

- Estamos conversando desde as cinco e pouco da tarde... – eu disse.

- Eu acompanho vocês. – Carlos se ofereceu.

- Não, não. Obrigada Carlos, mas Fernanda vai me matar se eu não ligar pra ela vir buscar. Desculpa.

- Tudo bem. A gente se vê segunda então, na escola. – Carlos deu um beijo na Kimi e depois em mim. Pagamos a conta e saímos.

Liguei para Fernanda, já esperando a bronca.

- Katylin, até que em fim. Por que desliga o celular¿ Para eu não encher, aposto.

- Acertou. – eu ri baixo - Mãe, desculpa, pode vir nos buscar¿

- Eu estava quase pra te buscar pelos cabelos. Já são nove e pouco da noite Katylin. Você acabou de sair de um hospital...

- Mãe, desencana. Eu e Kimi estávamos com um amigo, não exagerei em nada, só tomamos sorvete e conversamos. Caso eu tivesse pulado de tirolesa você poderia enfartar, mas não fiz isso. Vem me busca, por favor, pode ser¿

- O.K. Seu pai já vai, eu estou ocupada, onde vocês estão¿

- Na KIGOSTOSO sorveteria, quase em frente ao shopping. A gente vai esperar no banco aqui na frente, pede pra ele não demorar. Beijos.

- Arrã, beijo. – Fernanda desligou.

Olhei para Kimi, ela estava séria.

- Amiga... – Kimi começou.

- O que foi¿

- Acho que vou pegar o Carlos... – ela sorriu descaradamente.

- Não acredito... – eu ri – Você é foda Kimi, você é a pior!

- O Luck que vá catar coquinho. Não vou me trancar por causa dele...

- Está certo. O Carlos está mesmo muito gatinho, vale a pena. – rimos juntas. Carlos era negro, com a pele de uma cor linda, de altura média, cabelos cacheados e pretos, os olhos castanhos claro. Ele era realmente lindo. – Ai, só você viu.

- É lógico, ele é tão fofo, além de lindo por fora e por dentro também. – rimos de novo.

- Claro.

Tagarelamos por mais alguns minutos, até Roger chegar. Tentei convencer Kimi a dormir em casa mais ela não quis de jeito nenhum. Ela propôs ficar até mais tarde, mas não dormir, eu aceitei, pois eu queria conversar mais com ela.

- Oh. Estava me esquecendo que já está chegando. – Kimi falou colocando a mão na cabeça.

- O que¿

- Dia 20 de fevereiro...

- Eu não me esqueci. Em nenhum momento esqueci. – a interrompi já entendo o que estava chegando – A estréia de The First, não é¿ Nem que for pra perder alguma prova, eu vou mesmo assim.

- Você é louca. Queria ir com você, mas acho que não vai dar...

- É amiga, eu também queria. Como antigamente, quando éramos mais novas, que íamos juntas a todo lugar, como no cinema. Lembra¿ - perguntei animada ao relembrar os velhos momentos passados com Kimi.

- Claro. Ah. Eu te amo amiga. Amo muito. – ela correu em minha direção, se jogando na cama em cima de mim. – Eu te amo – ela repetiu gritando.

- Eu te amo muito também amiga. Somos as melhores e únicas amigas! Pra sempre! – eu a abracei forte.

- É. Vamos casar! – Kimi soltou-se de mim para me olhar – Lembra disso não é¿ A nossa promessa...

- Éramos apenas crianças Kimi e gostamos de homem. Pelo menos eu sim. – eu ri.

- Sua boba. Não vamos casar de verdade, e é lógico que gosto de homens. – ela riu dessa vez – É que... Essa promessa tem sua explicação; ela quer dizer que mesmo depois de casarmos, arrumarmos filhos e maridos, ou até namorados, não podemos nos separar. Não podemos nos esquecer...

- Sim, sim, sim! – repeti gritando dessa vez – Nunca vamos nos separar amiga, somos eternas irmãs! Eu te prometo. – a abracei de novo.

- Eu também. - estávamos rindo juntas, como duas crianças novamente.

Terminei minha quinta-feira e o meu final de semana todo com Kimi, apenas com ela, a minha eterna amiga.