Entre Mundos escrita por Ca_Dream


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Mais um capítulo para vocês. A partir de agora, vocês começam a conhecer melhor os meus personagens. Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/624932/chapter/2

Na minha escola, quando se está no último ano do ensino médio, você pode escolher qual língua estrangeira prefere estudar. A maioria dos alunos escolhe entre inglês e espanhol por causa do vestibular. Quem já é fluente em uma das línguas, ou nas duas, geralmente escolhe o francês.

Eu, infelizmente, escolhi espanhol. Inglês estava fora de cogitação, já que eu sou péssima. Era a última aula do dia e eu não dava a mínima para a explicação do professor. Sentada na última fileira de cadeiras, bufei com mal humor.

Daniel fazia parte da minha turma de espanhol. Daniel, o garoto que estava em coma. O mesmo garoto que me viu parada ao lado de sua cama no hospital, enquanto ele acordava.

A ideia de esbarrar com ele durante a aula me torturou por oito longos dias. E se ele se lembrasse de mim? O que eu diria? Que minha imagem não passou de uma alucinação pós-coma. E depois eu rezaria para ele acreditar nisso.

Para a minha sorte, Daniel e eu erámos de turmas diferentes do 3° ano. As únicas vezes em que o vi, foram durante os intervalos das aulas. E como não tínhamos o mesmo grupo de amigos, nunca nos falamos.

Daniel vivia em outro estado antes de a família se mudar para a cidade. O pai dele tinha sido escalado para uma nova filial da empresa em que trabalhava. A escola inteira sabia dessa história. E durante dois meses e meio de aula, eu consegui ser invisível para ele.

Agora, enquanto eu encarava seus cachinhos três fileiras à frente, tive a certeza de que ele fazia de tudo para não olhar de volta para mim.

Doze dias antes, Daniel e a mãe sofreram um acidente de carro. De acordo com o jornal, um motorista bêbado havia provocado à batida. A mãe dele não sofreu nenhum ferimento grave. Já Daniel, por ter recebido todo o impacto do outro carro, sofreu traumas severos. Ele entrou em coma logo em seguida.

Oito dias atrás eu o visitei no hospital. Foi nesse dia que ele acordou. Pelo o que eu ouvi falar, Daniel passou mais alguns dias em observação no hospital. Quando os médicos comprovaram que não havia nenhuma sequela do acidente, ele voltou para casa.

E para a escola.

O sinal tocou e o professor começou a chamada para liberar a turma. Dei graças aos céus por meu nome começar com a letra “A”. Nem bem tinha pronunciado a palavra “presente”, já estava de pé, indo em direção à porta. Mas aparentemente, a turma tinha carência de alunos com as letras “B” e “C”.

Ainda estava na metade do corredor quando ouvi alguém me chamar.

–Ei, Alice!

Parei a contragosto. Podia ter saído correndo novamente. Mas isso não seria muito inteligente. Me virei para ele.

–Oi. – Daniel me encarou e não disse nada. Resolvi quebrar o silêncio. – Eu soube sobre o seu acidente. Fico feliz que você tenha melhorado.

–Eu vi você no hospital.

Merda!

–Não sei do que você... – nem terminei a frase. Daniel remexeu na mochila e tirou o meu casaco de lá. A droga do meu casaco. O casaco que eu tinha deixado no hospital.

–Você esqueceu isso. Na mesinha de cabeceira.

Ele me entregou o casaco e eu dei um riso amarelo.

–Obrigada. – respirei fundo antes de começar a mentir. – É que eu fui te visitar, sabe? Porque, puxa vida, nós estudamos juntos. E desculpe por sair tão de repente. Você me assustou.

Ajeitei as alças da bolsa no meu ombro. Queria que aquela conversa morresse.

Daniel suspirou. Não fui capaz de decifrar sua expressão.

–Você não me entendeu. Alice, eu estou dizendo que vi você enquanto ainda dormia.

–------------------------------------------------x-------------------------------------------------------

Eu me lembro de estar me divertindo. Volta e meia, o som daquelas risadas retornam a superfície. Assombrando-me sempre que podem. Eu lembro que de repente havia água demais. E não havia mais diversão. Tudo foi ficando escuro e mais escuro. E então, a escuridão foi a única coisa que restou.

Quando acordei, meu corpo estava sobre um leito de hospital. Aparelhos me ajudavam a respirar. E o mais estranho de tudo. Eu olhava para mim mesma na cama. Foi uma sensação estranha. Eu estava acostumada a me ver em espelhos. Ali eu parecia tão pálida. Tão sem vida.

Demorou um pouco para eu entender o que estava acontecendo. E principalmente, para eu me acostumar àquela situação.

Ninguém era capaz de me ver ou me escutar. Gritei como uma louca pelos corredores do prédio. Ninguém esboçou reação. Eu fiquei assustada. Muito assustada. Eu era um fantasma mesmo sem estar morta.

Dia e noite, sozinha. Comecei a vagar por todo o lugar. Até assisti uma cirurgia cardíaca. A coisa mais nojenta que já presenciei na vida. Tentei sair do hospital uma vez. Não consegui. Meu corpo literalmente parou de se mover. Eu simplesmente não conseguia me afastar.

Mais do que enlouquecendo, eu estava aterrorizada. Não havia nenhuma outra pessoa lá. Um fantasma, nada. Só eu e o tempo infinito. Eu ficava ao lado do meu corpo durante a noite. Esperando alguma coisa. Algum tipo de milagre.

Quando eu acordei, minha mãe chorou o dia inteiro. Ela disse que eu fiquei apagada por uma semana e que os médicos não tinham certeza se eu ia acordar. E aí ela chorou, chorou e chorou. Eu nunca a vi tão desesperada.

Minha recuperação foi lenta. Passei três meses na fisioterapia para recuperar o controle dos movimentos dos braços. Tive que reaprender a comer e a escrever. Iara, uma enfermeira muito simpática, me acompanhou durante todo o processo.

Em um dos meus exames de rotina, passei em frente ao quarto onde havia vivido aqueles dias turbulentos. Não sei o que deu em mim. Foi como se uma sensação se implantasse na minha cabeça. Não foi um simples impulso. Era mais que isso. Foi um instinto recém-descoberto que me fez entrar naquele quarto.

O bip-bip dos aparelhos foram os primeiros sons a me atingir. Na cama um senhor dormia tranquilamente, embora sua respiração fosse entrecortada.

Até hoje não sei explicar como fiz o que fiz. Peguei a mão daquele senhor entre as minhas e o ar no mesmo instante mudou. Na cama, o homem permanecia dormindo. Mas atrás de mim, pude ouvir soluços esganiçados.

Me virei, hesitando ao ver uma pessoa agachada contra um dos cantos da parede. Caminhei devagar como se cada passo me causasse uma onda de dor. Abaixei-me ao lado da pessoa, tocando seu ombro de leve.

O rosto virou-se para mim e era o mesmo senhor que dormia na cama. No entanto, ele parecia mais velho e cansado. Seu olhar era alucinado e febril.

Ele chacoalhou meus ombros com força, pegando-me de surpresa.

–Você precisa me ajudar! Por favor, por favor, por favor. Eles vão chegar logo. Me tire daqui!

Engoli em seco. A única coisa que pude fazer foi tentar acalmá-lo.

–Está tudo bem. Eu vou ajudá-lo. – o homem pareceu não acreditar e eu lhe ofereci minha mão. Tentando conseguir um voto de confiança. – Por que você não vem comigo?

O médico disse que meus exames estavam ótimos. Meu quadro evoluía bem e eu não demonstrava mais nenhum sinal de risco. Tirando a fisioterapia, podia seguir com a minha vida normalmente.

Quando estava de saída, encontrei Iara carregando um monte de travesseiros. Me ofereci para ajudá-la. Com um sorriso que brilhava como o sol, Iara perguntou como eu estava.

O primeiro quarto em que entramos foi justamente o último em que eu gostaria de entrar. Na cama, o senhor estava desperto. Ao seu lado uma jovem o beijava sem parar.

–Ah, papai! Estou tão feliz que o senhor acordou.

Ofereci um dos travesseiros à menina. Ela prontamente o ajeitou nas costas do pai. O homem sorriu, agradecido. Ele olhou bem dentro dos meus olhos. E não me reconheceu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O próximo capítulo sai ainda essa semana. Opiniões são bem-vindas. Até a próxima.