Cachinhos castanhos e os três negros escrita por Belle17


Capítulo 4
Benedito




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Benedito, assim como Laura, é um jovem negro. Abandonado com aproximadamente um ano e meio de idade, o garoto fora encontrado dentro de uma lata de lixo próxima ao Orfanato Éden.

Da mesma forma que aconteceu com a garotinha, dona Ivone também sentiu nojo do menino. Tudo começou quando sua empregada Mia fora mandada ir à uma padaria pegar um bolo que havia encomendado em comemoração ao aniversário de 86 anos do orfanato, em 1867. Recebeu, como parte do troco do padeiro, umas balinhas de menta.

Não contendo a ansiedade ao olhar para aqueles deliciosos doces, Mia abriu a embalagem de um no caminho de volta ao Orfanato Éden e o saboreou. Porém, apesar da doce aparência, o bombom tinha um gosto terrivelmente amargo.

– Ugh - gemeu a mulher, retirando a bala da boca imediatamente com as pontas dos dedos - deve estar estragado.

Avistou uma lata de lixo de mais ou menos um metro e meio de altura e descartou o doce. Ao fechar o lixeiro, contudo, a jovem mulher ouviu um choro. Olhou para um lado e depois para o outro. A rua estava completamente deserta.

"Quem está chorando?" pensou.

Encarou a lata de lixo de forma sombria e lentamente voltou a levantar sua tampa.

Ali, encolhido, estava um bebezinho negro. Seus olhos clamavam por ajuda e seus pulsos revelavam machucados.

Sem pensar duas vezes, Mia colocou o lindo bolo no chão e cuidadosamente retirou a criança de dentro do lixeiro. Estava com um odor horrível. Suas pernas estavam lambuzadas de chorume e seus cabelos necessitavam ser lavados.

Mia sabia que dona Ivone era bastante preconceituosa com relação aos negros. Para evitar possíveis doenças, a dona do orfanato trajava longas luvas e possuía também máscaras, que usava ao sair na rua. Todavia, estas não puderam mais ser usadas depois de vários ataques de asma. Sua respiração era dificultada sempre que usava as máscaras. Entretanto, apesar disso, Mia resolveu levar a pobre criança abandonada ao Éden.

Apesar do comportamento repulsivo de dona Ivone, as criadas do orfanato eram bem diferente. Hannah, mulher branca, alta, de olhos verdes e cabelos compridos e cacheados, desejara sempre ter um filho. Porém, sua saúde não permitia que seu sonho se concretizasse: era infértil.

Mia, moça nova, loira e baixinha, também esperava um dia ter filhos. Mas não tinha sequer marido! Então se contentava com as crianças do Orfanato Éden.

As duas mulheres amavam tanto as pessoas brancas, como as negras.

Naquela manhã de 1867, Mia voltou para o orfanato com um semblante preocupado. Andando desajeitadamente, equilibrando a criança em um braço e o bolo em outro, passou pelo portão verde que estava entreaberto, dando acesso ao grande estabelecimento. Algumas crianças olhavam felizes pela janela. "Mia voltou!", gritava uma delas.

A doce mulher caminhou rapidamente pela trilha no jardim que levava à grande porta do orfanato Éden. Como estava com as duas mãos ocupadas, chutou o acesso.

Ouviu resmungos vindo do lado de dentro. Era a dona Ivone.

A porta se abrira e a ex bruxinha das peças escolares arregalou os olhos.

Isso é... uma... criança negra?? Você trouxe para meu orfanato uma criança negra, Mia? - indagou Ivone, com um olhar de desprezo e nojo, arrumando suas luvas inconscientemente.

– Desculpe-me, senhorita... eu sei que ninguém nunca trouxe aqui um bebê desta cor, mas... veja o estado do pobre menino!

O bebê tremia de frio e gemia, ameaçando chorar. Não havia nenhuma roupa o envolvendo.

– Não estou nem aí, Mia! Devolva já essa porcaria pro lugar que você a encontrou. Aqui, no meu orfanato, só entra criança branca! Branca! Está me ouvindo? - gritava a mulher.

– M-mas senhorita Ivone...

– Não quero nem saber, Mia! Agora, me dá esse bolo aí, me dá, vai!

A empregada passou desajeitadamente o bolo para as mãos da patroa. Com receio, tentou pensar rapidamente em uma desculpa para acolher aquela criança.

Seus olhos brilharam quando ela se lembrou de um detalhe:

– Dona Ivone, eu sei que o mundo de hoje está bastante conturbado em relação aos negros... mas lembre-se de que algumas leis foram sancionadas para melhorar isso! Se alguém da justiça vir aqui fiscalizar o orfanato e perceber que só temos crianças brancas, a senhora pode levar uma multa ou até ser presa!

Mia havia deixado Ivone sem palavras. Os olhos da patroa olhavam para todos os lados de forma rápida, a procura de alguma resposta.

A moça loira continuou:

– E a senhorita deve lembrar também que, tantos nos asilos como orfanatos são os locais que mais aparecem pessoas desta cor. Porque são justamente elas as mais abandonadas. Se a polícia vir, vai estranhar ao perceber que aqui, no Éden, é justamente ao contrário! E ainda tem a questão dos direitos da criança e tudo o mais. A senhorita ter certeza de que quer que eu devolva este bebê para o lixo, onde eu o encontrei?

Depois de alguns minutos pensando, dona Ivone desistiu.

– É... acho que você tem razão, Mia. Podemos acolher a criança.

Os olhos de Mia brilharam e um sorriso quis aparecer em seu rosto.

– Mas tem um porém - disse a patroa, com voz grave - você é que vai cuidar dele. De negros, eu não chego perto nem morta!

– Sim, senhorita! - respondeu a moça, deslumbrante.

– Qual é o nome dis... dele? - indagou dona Ivone, sem olhar para a criada.

– Não sei...

– Pois trate de inventar um oras!

Resolveu chamar o garoto de Benedito.


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