Cachinhos castanhos e os três negros escrita por Belle17


Capítulo 2
Dona Ivone




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Dona Ivone, quando criança, sempre era escolhida para fazer os papeis das bruxas nas peças teatrais da escola. Ora, e não é que ela se encaixava perfeitamente em tais personagens?

Mulher de 53 anos, Ivone não perdoava erros. Tudo tinha que ser perfeito. E, para ela, a perfeição começa desde cedo; por isso resolveu tomar posse do Orfanato Éden e provar que conseguia pôr em prática todos os seus planos.

Enganava-se quem achava que naquele estabelecimento só havia paz e tranquilidade por causa do nome "Éden", fazendo referência ao Jardim do Éden, retratado na Bíblia como um lugar bonito e incrível. Mas, na verdade, Ivone escolheu aquele nome por acreditar que o Éden se tratava de um lugar perfeito. Daí já viu, não é?

Eram 18:34 minutos quando a proprietária do Orfanato Éden ouviu um choro. Sentada em uma confortável, grande e particular poltrona vermelha, largou com força o jornal que estava a ler e subiu as escadas, segurando o longo vestido azul marinho que trajava pelas pontas para não tropeçar.

Ao dar de cara com uma porta estreita e amarela, dona Ivone a abriu com uma força inacreditável, pregando um susto nas crianças que ali estavam.

– MUITO BEM! QUEM É A PIRRALHA QUE ESTÁ CHORANDO? - gritou a mulher, deixando suas rugas aparecerem, apesar das várias camadas de maquiagem que passara havia pouco tempo.

Uma menininha loira e de sardas que aparentava ter seis anos murmurou, assustada:

– N-não foi a gente, tia Ivone...

– NADA DE "TIA", SUA SARDENTA INFERNAL! É "SENHORITA"! "SENHORITA"!!! VENHA! JÁ PRO CASTIGO!!

– M-mas, senhorita Ivone, foi só um err...

– SIM, FOI UM ERRO! E EU NÃO ADMITO ERROS! VAMOS, DESÇA AGORA!!

As catorze garotinhas que se amontoavam dentro daquele pequeno quarto se reuniram, amedrontadas. Uma delas murmurou:

– Coitada da Clementina...

Outra sussurrou:

– Quantas chibatadas será que ela vai levar, desta vez?

A porta foi fechada com força, da mesma forma que fora aberta. Como dona Ivone não perdoava erros, ordenou que Clementina fosse até a sala do castigo do orfanato para receber o que merecia. Sim, aquele estabelecimento aparentemente tranquilo possuía uma sala dedicada aos castigos: o sótão. Possuía diversas opções de punição, das mais variadas possíveis. A proprietária do local até inventava alguns, se fosse preciso.

Trancando a menina no sótão, dona Ivone gritou, do outro lado da porta:

– FIQUE AÍ! E ESPERO QUE SE PREPARE PSICOLOGICAMENTE PARA O QUE VOCÊ RECEBERÁ!

Sim, todas aquelas ameaças por ter chamado dona Ivone de "tia" Ivone.

Sem desistir de procurar saber de onde vinha o choro, Ivone subiu novamente as escadas, tendo cuidado extremo com seu vestido que valia uma fortuna. Desta vez, porém, dobrou à direita em direção ao quarto dos meninos.

Da mesma forma que fez com o quarto feminino, a mulher abriu com força a porta.

– QUEM É QUE ESTÁ CHORANDO AQUI???

Os garotos se entreolharam assustados, com os membros tremendo de medo.

– Ninguém, senhorita Ivone... - respondeu um deles.

– E DE ONDE VEM ESSA DROGA DE CHORO? QUEM ESTÁ CHORANDO?

Os rapazes, amedrontados, tentavam encontrar uma resposta. Um jovem de aproximadamente dezoito anos respondeu:

– Senhorita Ivone, não pode ser ninguém aqui dentro do Orfanato. É um choro de bebê, e todas as crianças daqui são de quatro anos pra cima!

Aquele menino havia deixado a mulher sem palavras. E isso era um perigo naquele Éden. Porém, desta vez, ela não levou nenhum para a sala do castigo. Em vez disso, falou:

– Hum... tem razão - dona Ivone nunca admitia seus próprios erros - e, Benedito... quando é mesmo o seu aniversário?

– 22 de março, senhorita Ivone! - respondeu ele, alegre.

– Pois deixe essa sua alegria de lado. Esqueceu o que acontece quando alguém aqui no orfanato completa 18 anos?

O sorriso do jovem murchou. A regra daquele lugar era: 18 anos? Rua.

Fechando a porta com força, voltou ao sótão para aplicar o castigo em Clementine.

– Vamos, 60 flexões, 95 abdominais, 123 polichinelos e depois ainda tem 60 chibatadas. Isso tudo para aprender a não me chamar mais de "tia", sua nojenta.

A garota revelou um olhar de espanto, soltando um gemido abafado.

– E agradeça por eu ainda não tê-la feito ajoelhar no milho por meia hora, hein? - continuou a bruxa das peças escolares. - É bom que não me enrole. Vou ali e já volto. Se eu perceber que você fez exercícios a menos, eu a faço carregar sacas de feijão pesando 230 quilos por cinquenta metros dez vezes, hein?

Fechando a porta com força, dona Ivone foi até o lado de fora de seu orfanato. O céu revelava grandes estrelas, e o vento estava gélido.

Olhou para o portão e avistou no chão a nenê, enrolada em um grande casaco amarelo.

– Ai, credo! Uma menina negra! - soltou dona Ivone - ainda bem que estou de luvas.

Sim, ela usava luvas pelo fato de haver crianças negras no orfanato. Para ela, pessoas com aquele tom de pele eram enfermas, demoníacas. E evitava qualquer forma de contágio - e contato - através de longas luvas brancas.

Dona Ivone só admitia crianças negras no Orfanato Éden porque tinha medo de ser presa se alguém da Justiça fosse fiscalizar o local e percebesse que só havia meninos e meninas brancas.

Pegou o bilhete sujo com a ponta dos dedos e leu em apenas um segundo.

– Bah! - resmungou ela, rasgando. A assinatura "S. Mendes", porém, ficou gravada em sua memória por muito tempo.


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