Minha Querida Alexandra escrita por OYASUMI


Capítulo 3
Meu Reflexo Em Cacos de Vidro




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Eu podia sentir a adrenalina correr cada vez mais concentrada em minhas veias, o som ensurdecedor dos meus batimentos cardíacos me deixava tonta e mesmo que eu desejasse chorar, infelizmente, minhas lagrimas se recusavam a cair. Era o momento de pânico mais terrível de toda a minha vida e eu estava sozinha, trancada com aquele sentimento, que como uma serpente se enroscava envolta de meu pescoço, sufocando-me.

–Alexandra... – Eu podia escutar sua voz fria e sarcástica do outro lado da porta.

Depois de escutar tudo aquilo, eu me desesperei e fugi na direção dos quartos, para o meu azar só havia um lugar onde eu poderia me esconder e era um lugar muito obvio: o guarda-roupa. Eu rezava para que, mesmo que ele descobrisse onde eu estava, me deixasse em paz por um tempo.

–Hum... Onde estaria minha belíssima amada? – Os passos foram se aproximando. – Embaixo da cama?! – Eu escutei algo sendo jogado com força contra as paredes e em seguida atingindo o chão. – Não... talvez atrás das cortinas? – O som de tecidos sendo rasgados me dava calafrios em todo o corpo. – Ah, também não... ou quem sabe, ela não esteja aqui...

Os passos se afastaram novamente e eu escutei a porta se fechar, empurrei vagarosamente a porta do guarda-roupa, deixando apenas uma brecha para ter certeza. “Ele foi embora”, pensei, mas nunca estive tão errada. A porta se abriu de uma vez e quando olhei para cima me deparei com Aeron sentado sobre o guarda-roupa, me encarando com seu grande sorriso.

–Enganei você! – Ele pulou para o chão, ficando de frente para mim.

Segurava aquela velha garrafa de vinho, ele foi se aproximando até ficar quase cara a cara comigo. Eu estava com medo dele, mas com certeza estava com mais raiva ainda. Ele estendeu a garrafa para mim e sem pensar duas vezes eu a quebrei em seu rosto, espalhando cacos de vidro presos em sua face esquerda toda. Ele me olhou enfurecido e me segurando pelos punhos aproximou seu rosto do meu e tentou me beijar, mas eu revirava meu rosto contra sua vontade.

–Eu prefiro comer vidro a passar mais um instante aqui com você!

–E eu já estou cansado dessa sua crise pré-conjugal.

–Como você espera que eu reaja a tudo isso?! Eu não sei o que você é, nem por quais grandes motivos tinha de ser logo eu com quem você quer se casar! Por que eu fui castiga desse jeito?! Eu nunca fiz nada de mal... pra ninguém... – As lágrimas finalmente puderam se libertar de meus olhos. Minha respiração oscilava entre os soluços, eu podia sentir meu rosto pegar fogo.

Ele libertou meus punhos aos poucos e voltou a aproximar seu rosto do meu, mas em vez de tentar me beijar novamente ele me abraçou, pela primeira vez eu escutei seu coração batendo. Era lento e forte.

–Me perdoe, por favor. Eu não suportei a ideia de ver a sua existência aparte da minha.

–Como assim...?

–O fato de você estar morta, seu espírito descansaria por toda a eternidade e eu nunca mais veria você de novo. Foi por isso que...

–Você me matou.

–Sim. Eu matei você e usei o dente para que eu transportasse seu espirito para o meu mundo.

Ele se afastou e se ajoelhou diante de mim, os cacos de vidro caiam de seu rosto como se nem o tivessem machucado de fato. Não havia sangue, não havia cicatrizes.

–O que é você?

–Eu tenho muitos nomes, mas para falar a verdade, a única coisa que sei sobre mim é que eu sempre existi e sempre existirei. Eu sou o rei de minha própria terra.

–E agora, o que eu sou?

–Você é você, só que será você para sempre. Nunca envelhecerá e nem mudará o seu real aspecto e sua real essência. O tempo nunca consumirá você e o mundo humano nunca lhe corromperá.

Eu nunca serei capaz de perdoa-lo, eu sacrificaria tudo o que ele havia me dado apenas para ver os meus pais de novo. Eles não mereciam isso, não deveria ter sido assim.

–Quer dizer que eu ficarei presa aqui até que você se canse de mim?

–Como eu poderia, só estamos aqui há um dia e você já me fez um grande show.

–Eu quero ficar sozinha... está tudo acabado para mim agora que eu sei da verdade... não me importa se vamos nos casar amanha ou depois de amanhã, não me importo de estar presa por uma aliança a você. Só quero ficar sozinha um pouco.

Ele se levantou devagar, hesitou um pouco antes de partir. Seus olhos não desviavam da minha imagem sentada e desolada em um armário, como uma criança que se esconde de um pesadelo.

Somente depois disso eu pude perceber o estrago que ele fez no quarto, a cama estava virada e as cortinas rasgadas. Um furacão parecia ter passado por ali, até parecia o meu quarto em uma noite de domingo, minha mãe sonhava em um dia entrar lá e o encontrar organizado.

–Minha mãe... – Meu coração se apertou, o nó em minha garganta parecia maior do que quando eu estava chorando.

Eu podia imagina-la diante de uma lápide com meu nome escrito, se perguntando por que aquilo aconteceu. E meu pai... oh papai, eu queria ter visto um ultimo jogo de futebol com ele, sem reclamar que já estava na hora de ir para a faculdade. Na verdade eu não precisava estar assistindo o jogo de verdade, só queria ficar sentada em nosso sofá no meio daquele casal que me amou tanto, só por mais um dia. Se pelo menos eu pudesse esquecer esse sentimento, ou...

–Sim, essa é uma ótima ideia.

Eu me levantei e corri até a porta, ignorando o fato de eu ter corrido sobre o vidro, quando cheguei à sala Aeron estava olhando melancolicamente pela janela, eu fui até ele.

–Vejo que parece regenerada e... Mas pelas bolas de Stalin o que você fez com seus pés?! – Ele olhava para as pegadas de sangue atrás de mim.

Deu longos passos na minha direção e apontou seu dedo bem diante dos meus olhos com um olha repreendedor.

–Isso não é uma brincadeira, sua alma pode ser eterna mais você tem quase todos os defeitos de um ser humano normal! Isso inclui machucados e pelo visto a burrice também!

–Mas isso não foi quase nada, me escute só um instante...

–Não, me escute você! Quebre algo que pertence a mim e você vai ver o quão terrível eu posso ser.

De alguma forma aquilo mexeu comigo, ninguém nunca falou daquele jeito comigo. Eu não sabia se ele preocupado ou aborrecido, talvez os dois.

–Desculpe então...mas olhe, eu preciso saber se meus pais já sabem que eu estou morta...!

Sem mais delongas ele me levantou em seus braços e me carregou até a mesa de jantar e me sentou ali. Puxou uma cadeira e se sentou.

–Sim eles já sabem, você já está morta a mais de dois meses.

–Dois meses?! – Ele puxou um dos cacos de vidro. – Ouch!

Ele os tirava com suas próprias unhas, elas eram pontudas e afiadas como um alicate.

–Não mexe...

–Eles estão sofrendo? – Ao ouvir aquilo ele congelou, como se estivesse com pena deles.

–Sim... eles... estão sim. Eu não pude apagar a memoria deles da sua cabeça, achei que isso seria demasiada maldade.

–Não me venha falar sobre demasiada maldade. Foi você que arquitetou a minha morte!

–Eu já disse que sinto muito.

–E eu já disse que nunca perdoaria você...

–Eu sei... – Ele resmungou.

–... a não ser que você apague a memoria dos meus pais em troca.

–Eu sei... O que?!

Eu cruzei meus braços e pernas.

–Como assim “o que”, não acha que já me deve muito mais que isso?

–Eu não posso mudar o que não é meu, Alexandra.

Ele limpou meus pés e os enfaixou, ao terminar se afastou de mim, ele queria evitar aquele assunto, pois sabia que o que tinha feito comigo era errado e cruel, mas ao mesmo tempo ele não ligava muito. O importante era que eu continuasse ao lado dele.

–Mas eles são os meus pais. Eu pertenço a eles e eles pertencem a mim de certa forma, fariam tudo por mim. Agora que eu estou morta não pertenço mais a eles, mas eles sempre serão MEUS pais.

Ainda de costas para mim, ele não se movia, o silêncio torturava as minhas esperanças.

–Você, Alexandra Marrie Houbraken, entrega a vida de seus dois pais para mim?

–Sim, mas você não deve tranca-los depois de mortos em uma bolha. Apague a memoria deles para que vivam normalmente sem eu nunca ter participado... – Naquele momento senti uma lágrima desse em meu rosto, apenas uma.

Eu estava prestes a pedir uma vida nova para os meus pais, uma vida onde não á a perda de sua filha, uma vida onde eu não existo. Eu estava prestes a pedir para que alguém terminasse de me matar.

–Termine.

–Quero que você destrua os rastros da minha existência neles. Faça isso por mim e eu lhe retribuirei da maneira que você quiser.

–Seu desejo é uma ordem.

Ele retirou seu casaco azul marinho que parecia uma espécie de farda, seus cabelos negros se destacavam em sua pele, exibia dois pares de azas finas e delicadas como as de uma libélula, elas se abriam e ele começou a flutuar diante dos meus olhos.

–Obrigada.


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