Minha Querida Alexandra escrita por OYASUMI


Capítulo 2
Uma Moeda de Prata




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Creio que nenhum nadador olímpico ganharia de mim naquela situação.

–Pare de me seguir! Eu quero acordar dessa droga de pesadelo agora!

Eu estava nadando naquele lago na direção da mata há pelo menos 10 minutos ao mesmo tempo em que fugia daquele estranho. Ele parecia nadar vagarosamente, mas estava sempre bem ao meu lado.

–Minha querida, por que não tenta para de olhar para mim e para o fim do lago e não tenta olhar para trás? Já esta ficando exaustiva esta situação.

Ao olhar para trás vi que todo o esforço que fiz para me afastar havia sido em vão. Eu estava parada no mesmo lugar. Então me mantive imóvel, apenas balançando minhas pernas dentro d’água para não me afogar, aquilo era como um pesadelo clichê de uma pessoa correndo num enorme corredor, tentando chegar à porta no final e vê que isso só torna o corredor mais longo ainda.

–Mas que bosta.

–Por que não voltamos para casa e tentamos nos acalmar um pouco?

–Eu não vou pra lugar nenhum com você, eu prefiro ficar aqui flutuando e congelando quando ficar de noite.

Ele começou a rir, então começou a boiar de barriga para cima, levantou sua mão na direção do céu e começou a movê-la delicada mente. As nuvens e as cores magníficas daquele fim de tarde se moviam e dançavam com sua palma, como se fossem manchas de tinta fresca que eram espalhadas pelo pincel de um pintor em sua tela.

–As horas não passam aqui, a noite nunca chegará, pois eu sei o quanto você tem medo do escuro...

–E-Eu não tenho mais! – Eu menti. O que mais eu poderia dizer?

Ele olhou com seus olhos delineados como os de um gato para mim, seu sorriso travesso me incomodava. Começou então a se aproximar de mim, vagarosamente. Eu me senti imóvel novamente, sem conseguir protestar, pois estava com medo dele.

–Eu sou velho, Alexandra, mas não sou do tipo que imagina coisas... Veja, - Ele colocou suas mãos quentes como uma febre envolta de meu rosto. – olhe ao seu redor, tudo isso foi feito para você, são traços seus que eu colhi com o tempo.

–Eu não entendo...

–O por do sol é a sua parte favorita do dia, você gosta de nadar, sempre quis ter um mascote, sua fruta favorita é a cereja, sua cor favorita é branco. Eu sei muito sobre você.

Pegando em minhas mãos, ele me guiou de volta para o cais e eu não pude protestar, minha curiosidade estava sendo alimentada novamente. O pardalzinho ainda estava lá, esperando por nós, ao nos ver juntos ele se curvou e então foi embora na direção da mata. Eu queria que ele pudesse ficar por mais tempo, mas acredito que ele só estava de fato ali por perto somente para me fazer companhia até Aeron voltar.

–O seu nome, Aeron, o que significa? Cadeira?

–“Cadeira”? Por quê?

–Por causa de uma cadeira chamada Aeron.

–Não madame, meu nome não tem nada a ver com uma cadeira.

Era estranho como todos me chamavam de madame desde quando este sonho começou, eu tenho apenas 24 anos, não é como se eu tivesse 54.

–Sabe, as pessoas costumam me chamar apenas de Alex.

–Não, obrigado. Eu me sinto melhor lhe chamando de madame Alexandra.

Ele caminhou até a porta da casa e eu o segui, com apenas uma mão ele empurrou a porta sem girar a maçaneta e ela simplesmente abriu, como se eu não tivesse quase deslocado meu ombro tentando força-la.

–Mas por quê?

–Por que assim eu lembro a mim mesmo de que está noiva, minha querida.

–Noiva?!

Eu parei como uma estátua na entrada da casa, eu olhei espantada para ele. Eu, noiva? Que absurdo, quando eu sonhava com meu casamento eu sempre me imaginava com mais de 30 anos. Quanto mais tempo eu ficava naquele sonho, menos ele fazia sentido para mim.

–Sim, minha noiva, para ser mais exato.

–E-Eu não posso me casar com você! Eu nem te conheço!

–Não é como se você possuísse muitas opções agora... – Ele riu sarcasticamente enquanto adentrava a casa.

A casa estava repleta de belas pinturas e de estatuas, parecia bem maior por dentro do que por fora, por um segundo me senti em “Harry Potter”. Em uma prateleira havia centenas de portas retratos, mas o que me surpreendeu foi o fato de todas as fotos serem minhas, da minha infância e adolescência. Mas eu não me lembrava de ter tirado fotos minhas ou de ninguém da minha família tirando fotos minhas naqueles momentos exatos. Em nenhuma das fotos eu olhava diretamente para a câmera.

–É claro que eu tenho multas opções, a vida é minha.

Havia encima de uma modesta mesinha de centro um frasco de vinho do ano de 1965, Aeron se aproximou dela e a pegou, em seguida sentou-se numa enorme poltrona que ficava de frente para uma lareira completamente feita de pedra. Ele se inclinou para perto da lareira e com um estalo de dedos, fez uma pequena chama aparecer sobre a unha de seu dedão, como se segurasse um isqueiro invisível. Ele então relaxou em sua poltrona enquanto olhava para mim, ele me indicou a outra poltrona ao seu lado, mas eu continuei de pé e afastada dele.

–Como queira... – Ele revirou os olhos para mim e tomou um gole de seu vinho.

Eu me virei de costas para ele e caminhei de volta para a entrada da porta, mas ela se fechou na minha frente como em um filme de terror, o estrondo fez com que todos os meus ossos tremessem. Ele jogava um jogo em que quem fazia as regras sempre ganhava, voltei meu rosto para ele e lhe lancei meu olhar de indignação.

–Você é mesmo um pé no saco.

–E você de fato é adorável, minha querida. Por que não se senta, vamos... quero lhe contar uma história engraçada.

Eu não tinha outro lado para ir embora, eu resmunguei insultos inaudíveis sobre ele, então fui até a outra poltrona para escutar o que ele tinha para me dizer.

–Comece.

Ele sorriu e estendeu a garrafa de vinho para mim.

–Tome, depois dessa história vai precisar mais disso do que eu.

–Se você diz. - Eu coloquei a garrafa ao meu lado.

–Hum... por onde eu começo? – Ele coçou seu queixo. – Que tal com o seu aniversario de 8 anos?

–Parece ótimo.

–Sim, você tinha apenas 8 anos quando o seu dente molar direito caiu. Ah... como você adorava quando seu dente caía, assim poderia coloca-lo embaixo do seu travesseiro e dormir, aguardando a querida Fada dos Dentes lhe recompensar. Foi um erro você ter se esquecido de avisar aos seus pais, pois eles geralmente são os responsáveis por essa crença. Mas não foram eles que inventaram isso, nem os pais dos pais deles, nem mesmo os avós dos avós dos pais deles. Havia uma época em que o ser humano era mais ligado ao mundo oculto, sempre curioso sobre os seres incomuns aos que viviam na terra... As histórias eram quase as mesmas, com exceção dos resultados. Seres místicos não tinham o poder de controlar a vida do ser humano, pois enquanto você for vivo, sua vida pertence somente a você, é ai que a “Fada dos Dentes” entra na história. – Ele olhou para mim, com seu sorriso travesso novamente. – Se um ser místico possuir uma parte de um ser humano, ele é capaz de controla-lo depois, mas as crianças são desastradas e descuidadas, afinal, do que lhes serviriam um dente que já caiu? Elas se desfaziam deles sem cerimonia alguma, para elas aquilo era nada mais do que lixo, mas na verdade acabaram sendo banquetes para todos os tipos de criaturas imortais. Porém, os sacerdotes antigos e até mesmo as anciões das velhas vilas e feudos começaram a notar o comportamento estranho de algumas crianças, que morriam de repente de uma doença misteriosa, mas que depois de alguns segundos abriam seus lindos olhinhos de novo, espalhando a alegria nos rostos de seus pais, mas nunca mais eram as mesmas, agiam de forma estranha e às vezes sumiam no meio da noite e nunca mais voltavam. Eles ensinaram aos pais a ensinar as crianças a esconderem seus dentes embaixo de suas camas, lençóis ou travesseiros, para que as criaturas não tivessem fácil acesso.

–Mas estavam errados... – Eu não pude me conter.

–Sim, estavam errados. As criaturas entravam escondidas nas casas e convenciam as crianças a trocarem seu dente por uma moeda de ouro ou prata, para comprarem brinquedos novos ou doces. Essas criaturas se identificavam como “Fadas Madrinhas” ou “Fadas dos Dentes” ou até mesmo “Anjos”, pois possuíam uma beleza anormal que seduzia as crianças. Vendo que seus planos falharam, os pais começaram a trocar eles mesmo os dentes de seus filhos por moedas ou doces, entravam nos quartos quando as crianças dormiam e então guardavam para si os dentes. Por que afinal das contas, igualmente as criaturas eles compraram aquele dente, pertencia a eles incluindo a vida salva de seus filhos. Os séculos se passaram e esse ato era passado de geração para geração, com o tempo as pessoas se esqueceram do verdadeiro motivo de tudo, acreditavam que aquilo era apenas mais um folclore para divertir as crianças. Agora eu lhe pergunto. Você se lembra de quando eu lhe dei essa moeda?

Ele apontava para meu bolço direito, minhas mãos começaram a suar... não... isso é um pesadelo, só um pesadelo...

–Não pode ser... – Agora eu me lembro, de quando encontrei embaixo de meu travesseiro uma moeda que lugar nenhum aceitava, eu me lembro de que passei o dia todo procurando por uma loja de doces que trocasse aquela moeda estranha por qualquer coisa. No fim, acabei perdendo ela em algum lugar na bagunça de meu armário.

–Eu paguei pelo seu dente, eu tenho direito sobre ele e já realizei o ritual que faz da sua alma propriedade minha.

–Você não pode...! – Eu me levantei com tanta força que a poltrona foi jogada para trás.

–Sim, eu posso. – Ele se levantou e me confrontou com um olhar psicótico e com um sorriso que mostrava grandes dentes afiados. – Está na hora de acordar para sua nova realidade, “Madame”.


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