Na Idade da Loba escrita por April Lefroy


Capítulo 1
O que não te mata, o que não machuca


Notas iniciais do capítulo

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''What doesn’t kill ya
What doesn’t hurt
Sometimes you feel you’re up against the world
What doesn’t kill ya
What doesn’t break
This life it seems
To bring you to your knees
You try you bleed then finally you breathe''

Jake Bugg, What Doesn´t Kill You


Olho em direção ao relógio colocado estrategicamente na bancada por mim mesma e sou noticiada de que são oito horas da noite. Limpo minhas mãos no pano também situado na bancada e desisto de fazer o jantar. Eu não sabia cozinhar mesmo.


Tiro o avental do meu pescoço e o coloco de qualquer maneira na mesa da cozinha e me dirijo para o escritório, passando pela sala, onde encontro Cairo mergulhado em sua própria arte. Eu o invejava por só ter aquela preocupação, enquanto eu tinha que cuidar da casa e ainda terminar o meu livro, que por sinal não estava nem na metade, o que fazia com que minha agente arrancasse seus próprios cabelos. Eu simplesmente estava andando num ócio criativo.


–Cairo – chamei pelo seu nome, enquanto me aproximava do mesmo. Ele, porém, parecia imerso em seus pensamentos e seguia digitando furiosamente todas as ideias que vinha na sua cabeça no notebook. – Cairo! – insisti mais uma vez, contudo usando um tom de voz mais alto.


– Hum – ele murmura em resposta, enquanto digita mais uma frase.
– Cairo, eu acho que nós vamos ter que pedir comida... de novo. Você tem algum problema com isso?


– Hum – murmura ainda sem me dar a mínima atenção.


– Cairo, eu estou cansada disso! – grito o assustando e o tirando de seu próprio mundo. – Eu estou farta de ter que fazer tudo e não ter tempo pra nada! E... e faz tempo que nós não conversamos! Tudo o que você faz é passar o dia inteiro na frente dessa tela de computador, enquanto eu tenho que cuidar da porra da casa! Você sabe muito bem que eu não nasci para isso e não gosto do trabalho doméstico e você não faz nada em relação à isso! Você passa o dia todo com essa bunda gorda sentada na frente do computador!


– Querida, se acalme. – fala ele calmamente e lentamente, tirando os seus óculos de leitura de coloração amarronzada e os colocando na sua escrivaninha, girando em seguida sua cadeira giratória em minha direção. – Você quer que eu te leve até a cama para você descansar?


– NÃO! – grito furiosamente como uma criança mal compreendida. – Você não está entendendo... É como... é como aquela frase. ‘’ Descubra o que você ama e deixe que isso te mate’’. – eu gaguejo pela falta de palavras que parecem ter deixado minha mente no momento em que eu mais precisava delas. Algo bastante conveniente para uma escritora.


– Hemmingay?


– BUKOWSKI! Olha... eu amo escrever, mas eu não aguento mais esperar que a minha criatividade tenha a boa vontade de me presentear com alguma ideia fantástica para eu colocar no meu livro de merda. E essa espera eterna está aos poucos me matando. Isso se já não me matou, né! Eu posso ser uma morta que anda por essa casa!


– Querida, você está ficando paranoica! – diz com o semblante preocupado e noto suas marcas de expressão na testa– não é assim. Você deve estar apenas cansada, apenas isso. Venha que eu te acompanho até o quarto.


–Não! Mil vezes, não! Eu não estou cansada. Quer dizer, não disso que você está pensando. Eu estou cansada dessa vida de escritora. Dessa vida de merda que a gente leva! Aposto que até o cemitério está mais animado do que a nossa vida! E você sabe disso, Cairo! No fundo, no fundo, você sabe disso assim como eu.


– Libéria, você está me tirando dos nervos com seu comportamento de uma adolescente rebelde. Eu não sou seu pai, sou seu esposo e não tenho que aturar suas crises de meia idade antecipadas! Vá tomar um calmante. – murmurou a última frase como se aquela pequena discursão nunca tivesse acontecido e tornou a girar sua cadeira de volta para o lugar em que antes se encontrava.


Continuo em silêncio digerindo o que havia acabado de acontecer, enquanto ele volta a escrever o que antes estava escrevendo.


Eu não sei o que fazer. Eu não sei nem qual é a raiz do problema que tanto vem me abatendo e me irritando ultimamente. Sinto que a atmosfera da minha casa está pesada demais devido às toneladas de ideias que dois escritores tem nela e que ela não consegue as absorver mais. Ou apenas só consegue absorver as do meu marido. Provavelmente seja isso, já que eu não ando tendo nenhuma ideia boa o suficiente para o meu esperado livro. Isso e o fato de eu estar, segundo o padrão e o consentimento da população mundial, dentro do prazo de validade. Ou entrando nele. Eu só preciso respirar um ar que não seja tão carregado de poucos diálogos e muitos pensamentos. Então decido.


– Vou sair. – falo baixinho e vou andando até a porta, em que agora pouco havia entrado.


– Vai para aonde? – pergunta, enquanto eu já me encontro na sala, pronta para sair.


– Para fora. – respondo vagamente e passo pela porta da frente, a fechando logo em seguida.


Não sei para onde vou. Paro um minuto ainda de costas para a porta de entrada da minha casa e começo a pensar em lugares para ir. Nenhum me vem à cabeça.

Decido então apenas vagar pelas ruas da minha tão conhecida cidade.


Os postes de luz mal iluminados emitiam uma luz alaranjada nas ruas, que davam à noite um ar estranho. Persisto andando pela calçada por uns bons minutos até que eu avisto uma velha pracinha repleta que bancos e árvores esverdeadas, que no momento, contudo, parece estar vazia. Rumo até um banquinho de pedra e sentei nele de qualquer jeito. Fecho os olhos e contemplo o tudo e o nada ao mesmo tempo.


– Dia difícil, garota? – alguém fala de repente e abro os olhos bruscamente, assustado por aquela voz desconhecida. Percebo o dono da respectiva voz sentado num banco em frente ao meu. O tal dono é um homem de idade calvo e com um bigode bem cuidado. Sua face aparenta estar cansada, porém seu sorriso simpático aparenta negar esse fato. Veste um paletó e uma calça de alfaiate preta, um par de calçados igualmente negros, juntamente com uma simples blusa branca.


– Você nem sabe o quanto. – solto isso e ele parece se satisfazer por eu ter respondido algo. Decido parar por ai, porque não é legal falar com estranhos, mas não consigo resistir ao impulso. – Eu não sei o que fazer da minha vida. E isso não devia estar acontecendo, porque eu tenho 40 anos de idade. Eu já deveria ser uma pessoa bem resolvida e bem esclarecida até esse ponto. Mas a minha cabeça está mais bagunça do que nunca e por mais clichê que seja, meu coração sente que algo está errado na minha vida. Acho que não é isso o que eu quero. Pelo menos não mais.


– Senhora... – ele começa perguntado pelo meu sobrenome, o que eu acho bastante formal para a ocasião e para a época em que nós nos encontramos então apenas peço para que me chame pelo meu nome.


– Libéria, não tem isso de ter que saber o que quer e o que fazer da vida em determinada idade. Nós simplesmente não sabemos. E lidamos com isso. Eu aprendi que a vida não é um conto de fadas... mas também não é nenhum filme de terror. Temos que adaptá-las para nós mesmos, de acordo com os nossos sonhos e não nos importarmos em como nós devemos nos portar devido a besteiras como a idade. Desde quando isso importa? Sabe... meu pai, Deus o tenha, costumava dizer para mim que mundo é uma fábrica de desejos e você só precisa ser sábio o bastante para escolher o seu. Hoje eu acredito piamente nisso. E você deveria fazer o mesmo.


Fico a pensar no que ele disse e depois me despeço e volto para casa.


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Notas finais do capítulo

E obrigado ainda mais por ter chegado até aqui. :)