6 de fevereiro de 1481

   Sevilha - Espanha

      Todas as manhãs, tardes e noites dos últimos meses temos presenciado cenas ridiculamente violentas á praça aberta. Um massacre aberto ao publico. Como se fora uma obra teatral. Somente no dia de hoje seis pessoas foram queimadas vivas, de modo cruel e desalmado. Duas mulheres, dois homens e até mesmo uma criança; supostamente condenados por heresias e principio de bruxaria.

       Hipócritas desgraçados.

       Se estão fazendo isto com pessoas extremamente dentro dos padrões de normalidade, o que poderá acontecer conosco, seres mantidos na mais obscura descrença. Os sugadores de sangue.         

       Chavier continua dizendo de que é errado matar para sobreviver. Mas quem disse que me importo. Eles matam pessoas de forma tão descriminada quanto nós. Porém, tomamos mais cuidado ao esconder os corpos. Poucas pessoas tinham alguma idéia de nossa existência, e estas eram geralmente queimadas nas chamas alaranjadas.

      Chavier preocupava-se tanto em fazer parte da sociedade que até abriu mão do sangue humano, matando animais para se alimentar. Isso fazia seus olhos ficarem em tons claros, perdendo o brilho do carmim. Uma atitude ridícula na minha opinião. Humanos eram apenas uma raça hipócrita, não mereciam ser poupados.

       A Inquisição era dura em suas regras, e qualquer um que ultrapassasse os limites impostos para a fé ou normalidade seriam mortos.

       O rangido da porta do aposento anunciou a entrada de Chavier, que não costumava dar passos tão rápidos. Voltei minha atenção para ele, tirando os olhos das cinzas produzidas pela última queima na praça.

-         Hattwell. Teremos de sair daqui ás pressas. – Suas palavras, ditas em Inglês com forte sotaque eram corridas, desesperadas. Ele buscava por algo nas prateleiras empoeiradas.

-         O que aconteceu, meu caro? – apressei-me á seu encontro.

-         Nossa espécie foi revelada para a Inquisição. E ao que parece, nós não somos os únicos por aqui, e este por sua vez não conseguiu esconder-se com tanta perfeição.

-         E o que isto quer dizer?

Chavier não me respondeu, apenas foi até a porta da torre, descendo alguns degraus e voltando rapidamente.

-         Escute-me com atenção, Hattwell. – Suas mãos agarraram as minhas, me entregando um medalhão prateado. – Você deve guardar isto com sua vida, me prometa isso. Agora vá, esconda-se.

-         Mas e você Chavier?

-         Vá!

  Um pouco relutante, saí pela janela da torre, mas permaneci ali.

-         Senhores? – falou a voz de Chavier educadamente assim que passos se anunciariam sobre o chão de tábuas.

-         Ora, durante todo este tempo entre nós... Maldito parasita. Peguem-no! – gritou um homem de voa rouca. – Você irá queimar junto com aqueles malditos hoje a noite, caro senhor.

  Meu instinto falou mais alto quando saltei para dentro do aposento novamente, em posição de ataque.

-         Vocês não o levarão!

  Algemas de ferro foram colocadas em meus punhos, que eram seguradas por homens duas vezes maiores que eu.

-         Sabíamos que você não agia sozinho...

  Um homem de cabelos brancos e vestes pretas apareceu por trás deste, nos olhando com curiosidade. Em seu pescoço, um crucifixo pendurado.

-         Não há necessidade de matar os dois. Queime Chavier, este demônio maldito que se infiltrou em nossa sociedade. O outro, deixe para que tenhamos maiores informações. Podemos aprender sobre a espécie.

-         Malditos sejam todos vocês! – berrei em plenos pulmões.

  O que não pude perceber enquanto éramos retirados da torre foi que o medalhão escorregou entre meus dedos, ficando no chão da torre, perdido.

  Chavier morreria, e eu havia falhado com minha promessa.