Tenuto escrita por Menta


Capítulo 1
Tenuto.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo único. POV em primeira pessoa de Beth Greene, momentos antes de ser feita a troca entre os reféns policiais mantidos pelo grupo de Rick por Carol e Beth. Serve como um adendo ao episódio CODA, 5x08. Mostra os últimos pensamentos da personagem antes de sua morte. Apesar da Greene caçula não ser minha personagem preferida ou algo do tipo, acho que ela tinha potencial que foi infelizmente desperdiçado. O final dela na série foi um tanto malfeito, em minha humilde opinião, apesar de sua morte ter cumprido o propósito dramático inserido na trama. No fim, foi uma personagem que apenas serviu para desenvolver outros ao seu redor, e que não foi realmente desenvolvida por si só, diferentemente de Michonne, Daryl, Rick, Carol, Glenn, Maggie... Enfim. Tentei escrever essa one até para remediar um pouco isso, por meio de minha humilde escrita.
Espero que gostem!



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É tão estranho pensar em como tudo mudou em tão pouco tempo...

Quero dizer, há cerca de dois anos eu vivia na nossa fazenda no interior da Geórgia com papai e mamãe, além de Shawn na minha cola vigiando cada passo que eu dava, especialmente quando estava com Jimmy. Meus dias costumavam ser repetitivos e longos, frequentando a escola durante a semana e ajudando nos afazeres do campo, trabalhando com mamãe e Patricia nas horas vagas. Otis caçava e cuidava da segurança nos arredores, e tudo seguia o seu rumo de sempre.

Maggie nos visitava de vez em quando nas férias de verão e feriados que dispunha em sua rotina agitada. Eu confesso que ouvia suas histórias de viagem, faculdade e aventuras com certa inveja controlada. Ela sempre foi tão corajosa, desgarrada! Capaz de sair e ganhar o mundo... Sempre fiquei admirada com sua força e determinação.

Quando estava sozinha, vez ou outra eu arranjava tempo para tirar músicas que gostava e tentava compor algo – infelizmente, ainda não consegui esse objetivo, é muito difícil –, além de cantar. A vida era assim, um dia após o outro, na calmaria medida e bucólica do interior.

E pensar que a fazenda, nossa casa e nosso lar, passou a ser nosso refúgio, quando tudo começou. As notícias estranhas no rádio e na televisão. Os burburinhos na cidade local próxima. E, finalmente, o nosso primeiro contato com os errantes... Quando ainda achávamos que eram pessoas doentes.

Mas tudo isso são as memórias ruins, que conheço de cor e me recordo com frequência indesejável. Prefiro me lembrar de como tudo era antes, agora. Quando havia mais paz no mundo.

Deixe-me pensar... Foi na fazenda que dei meus primeiros passos. Onde aprendi a falar. Onde papai dançava comigo, quando criança. E eu me lembro das músicas! "Galway Girl", "Molly Malone", "Whiskey in the Jar", "Dublin in the Rare Old Times", e tantas outras mais...

Lembro-me que os vinis tinham cheiro de poeira, mofo e, ao mesmo tempo, tinham a fragrância da colônia que papai usava, sempre marcante no papel que embalava os discos. Eu e ele dançávamos juntos de noite, enquanto só conseguíamos ouvir o cricrilar dos grilos no terreno do lado de fora da varanda, e, do lado de dentro da casa, éramos embalados pelo som rascante e doce da vitrola tocando.

Era tão gostoso, tão acalentador... Acho que nunca me senti tão protegida e amada como quando eu me sustentava pisando em seus pés e segurava suas mãos, e ele me guiava aos sons da música irlandesa, uma de suas heranças de nossos antepassados.

Nossa família Greene.

Essa é minha primeira lembrança, eu acho. A primeira coisa de que lembro, na vida.

Papai me guiando dançando, rindo em meio a sua barba vistosa, com seu sorriso sempre gentil. Mamãe nos olhando, meneando a cabeça, com medo de que eu tropeçasse e caísse, mas ainda assim comprimindo um esgar nos lábios... Esgar de alegria! Maggie nos encarando, entediada com as músicas antigas, mas também me vigiando, alerta, assim como Shawn, os dois juntos, meus irmãos superprotetores, sentados ao pé da escada.

Talvez seja por isso que eu tenha me apaixonado pela música. Talvez por isso que tenha aprendido a tocar piano e violão, e a cantar. Sei que enquanto outras crianças escutavam músicas como Itsy-Bitsy Spider, Hush, Little Baby ou Twinkle, Twinkle, Little Star, meus ouvidos eram agraciados pela canção do país de onde veio meu sangue. Minhas canções de ninar eram outras, cantadas pela voz afável, tão querida... E agora tão saudosa, de papai.

Papai, você me ensinou tudo.

Até por isso estou escrevendo, neste momento, para passar alguns minutos.

Na verdade, estou totalmente ansiosa. Está sendo difícil manter a caneta no papel, estou me esforçando muito para escrever, com minhas mãos trêmulas de tantas expectativas. Depois de dias que mais pareceram décadas, Rick e os outros apareceram na porta do hospital! Contra todas as chances, contra todas as probabilidades... Eles estão aqui, no Hospital Grady Memorial de Atlanta, nesse purgatório que Dawn tanto se esforça para transformar em um verdadeiro inferno.

Posso escrever essas palavras sem medo, nessa folha que achei, já que perdi meu diário. Vou guardá-la comigo ou deixá-la por aqui, tanto faz, finalmente estou livre! Dawn não poderá mais me atingir, nem machucar nenhum dos meus amigos. Eu e Carol, que já acordou e também aguarda ao meu lado, já estamos preparadas para sermos levadas de encontro a nossa família.

Eu sabia, eu sabia, papai sempre me ensinou, aja sempre do jeito certo, mantenha sua moral, não vá pelo caminho mais fácil... É preciso fazer o bem sem olhar a quem, é preciso merecer o céu por ser bom, e não ser bom para merecer o céu.

Papai, se pudesse ler isto... Estou tão feliz! Acho que deve se orgulhar muito de mim e de Maggie! Nós sobrevivemos para lutar mais um dia!

Mal posso aguentar para vê-los outra vez!

Meu coração já começa a palpitar só por ter descoberto que ainda estão vivos! Maggie, Rick, Judith (que saudades!), Carl, Glenn... Daryl. Tantos amigos queridos para reencontrar. Eu esperei tanto por isso, tanto... Acho que papai estava certo. Deus, anjos, ou alguma força boa, realmente existem, e zelam por todos nós.

Só precisamos acreditar. E confiar.

Por alguma razão estranha, a canção “Struggling Man” de Jimmy Cliff não me sai da cabeça! Passei alguns minutos de hoje cantando-a mentalmente, enquanto olhava Carol ainda desacordada. Papai adorava essa música, apesar de não ser de um artista irlandês.

Acho que todos somos “struggling men”. Papai e mamãe foram. Maggie e eu somos. Carol também, Rick, Daryl, Glenn, todos os nossos queridos amigos. Acredito que tiramos nossa força um do outro... Lembro-me daquilo que falei para minha irmã: muitas vezes nossa força e nossa dor vêm juntas, partem do mesmo ponto. Afinal de contas, quando nos importamos com as pessoas, sofrer é parte do pacote.

Não passo um dia sem me lembrar de papai e sentir um aperto no peito tão forte que parece que meu coração vai parar. Mas, ao mesmo tempo, é por causa dele que decidi jamais fazer de novo... Aquilo que fiz, um ano atrás. Não vou mais desistir ou me entregar.

Pela memória de papai, vou continuar viva, acreditando, esperançosa, como ele sempre quis. Mesmo que eu seja a única a acreditar, a garota vista como a idiota, a tola, a ingênua... Eu vou seguir os passos dele. Terei fé, até meu último fôlego.

Dawn apareceu agora na porta e nos chamou. Vou ajudar Carol, que está em uma cadeira de rodas. Levarei-a para a nossa família.

Não sei quando terei a chance de escrever de novo. Talvez hoje à tarde, se pararmos em algum local seguro, talvez de noite, talvez daqui a uma semana, talvez nunca mais. Não sei. Mas agora, estou muito feliz. Finalmente, depois de tanta espera, vejo algo de positivamente real no horizonte.

Vou de volta aos braços da minha família, papai. Não se preocupe mais!

Tudo vai ficar bem.


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Notas finais do capítulo

E aí, se emocionaram? =) Esforcei-me bastante para "entrar na pele" da Beth. Aguardo reviews!