A única coisa ruim, porém primordial, de você se preocupar só em tirar notas excelentes e fazer tudo certo no colégio, é de você se esquecer de escolher alguma coisa para fazer no seu futuro profissional. É isso aí Felícia! Sua burra!

Fiquei tão preocupada no Ensino Médio em ser a aluna perfeita que me esqueci de escolher algo pra fazer! Perfeito!

– O que está fazendo? – Du perguntou me vendo ler o jornal.

– Cozinhando.

Ele fez cara de tédio.

– Fala, merda.

– Procurando emprego.

– Pra que?

Revirei os olhos e pus a mão na testa. Ele riu.

– Você é nova, fala sério. E pensei que ia tentar o vestibular.

– Hum... – Pensava torcendo o bico – Não quero fazer faculdade.

– Por quê?

– Por que nada me atraiu a atenção.

– Tem certeza?

– Tenho. Eu vi tudo, pesquisei tudo.

Ele suspirou e balançou a cabeça, assentindo. Do jeito que eu era, havia pesquisado tudo mesmo! Du se sentou comigo.

– O que você gosta de fazer?

– Ouvir música.

Ele riu.

– Idiota. No que você é boa... Ou sei lá. – Ele deu de ombro.

– Ah, sei lá! Eu gosto de escrever, mas não tenho boas ideias. Gosto até de pintar, mas iria falir com isso. – Eu ri – O que me resta é...

Uma luz surgiu!

– Que foi? – Du me olhava sem entender.

Estalei o dedo e saí correndo, subindo as escadas. Desci com um álbum na mão. Pus na mesa fazendo um estrondo, estava um pouco eufórica. Abri procurando o que eu queria.

– Lembra do casamento da tia Ana?

– A solteirona? – Ele riu.

Dei um tapa em seu braço.

– Ela não é mais solteira. Lembra ou não?

– Hum. E daí?

– Lembra quem tirou as fotos quando o fotógrafo furou? – Sorri largamente.

– Vo...Cê? – Ele não lembrava!

– É! Olhe.

Era uma foto dos noivos e ao lado a das madrinhas.

– Ah é! Você conseguiu deixar a noiva menos gorda.

Bufei.

– Mas olhe! Olhe a luz, a posição, onde a luz bate.

– Vai botar na cabeça que quer ser fotógrafa? Fala sério Fê, você tinha 16 anos.

– Dois anos a menos do que eu tenho agora. Eu posso me candidatar a ser fotógrafa em casamentos pequenos ou festas, e fazer um curso. Eu vou ganhar alguma coisa e aprimorar minhas habilidades.

– Tem certeza? – Ele apoiou o rosto na mão.

– É a única coisa que eu acho que sou boa. – Disse com as mãos juntas.

– Tá. Isso até seria bom. – Ele disse, levantando – Você pode tirar fotos do meu casamento.

– Hum... – Pensava – Eu posso tirar fotos da sua despedida de solteiro.

– Como assim?

– Do jeito que você é, vai dormir com todas as stripers, beber até cair e esquecer que tem uma noiva.

– Você me vê desse jeito?! – Ele dramatizou pondo a mão no peito.

Fiz bico querendo rir. Ele não aguentou e deu risada. O babaca chegou, jogando a mochila na entrada.

– E aí? – Ele e Du bateram as mãos – Babaca. – Me cumprimentou.

– Otário. – O cumprimentei de volta.

– O que é isso? – Ele se aproximou – Não é sua tia solteirona? – Ele riu.

– Parem de chamá-la assim. Ela se casou! – Exclamei fechando o álbum com raiva e saindo da cozinha.

...

Na minha saída com Derek, fomos a um café e ficamos conversando. Ele é divertido, bom para conversar, engraçado e às vezes muito sério. É advogado e trabalha numa firma com os amigos. O que explica sua seriedade. E para minha sorte, o amigo idiota dele que se esfregou em mim era amigo de colégio, então eu não iria me preocupar de encontrá-lo quando estivesse com Derek.

Conversamos tanto que perdemos a hora. Ele me levou em casa e me acompanhou até a porta. Já estava escuro, ficamos na escada da varanda. Eu estava um degrau mais alta, ficando da altura dele.

– Foi divertido. – Sorri.

– Muito. – Ele disse pondo as mãos nos bolsos – Quer sair de novo?

– Claro. – Pus as mãos para trás, sorrindo.

– Legal. – Ele sorriu – Eu te ligo depois.

– Certo.

Ele ia se inclinar pra me beijar, mas naquela hora Micael bateu a porta do carro, chegando. Tentei não franzir a testa de raiva. Ele subiu as escadas esbarrando propositalmente em mim e passando direto. Derek me olhou sem entender.

– É o babaca do amigo do meu irmão. – Sorri forçadamente.

– Certo... – Ele deu risada.

– Então... Hum... – Sorri, lembrando do que pretendíamos fazer.

Íamos tentar nos beijar de novo, mas de repente Micael puxou meu braço me fazendo subir as escadas.

– Ei!

Derek ficou parado em duvida.

– Hora de entrar. – Micael disse.

– Argh! Você é um idiota!

– E você me adora. – Ele cantarolou sarcástico.

– Droga. – Bufei, entrando – Tchau. – Disse a Derek antes de Micael bater a porta.

Derek ficou estático. Me ouviu dizer “Por que você sempre tem que estragar tudo?!”. Ele riu e foi embora.

Fiquei com tanta raiva que comecei a bater dele. Meu irmão estava na sala.

– Por que você tem que ser tão idiota?!

– O que houve? – Du perguntou sem entender nada.

– Esse babaca se intrometeu enquanto eu estava me despedindo.

– Coitadinha. – Micael fez bico – Deixou de dar um beijinho.

– Idiota! – Gritei e subi.

– O encontro foi tão bom que ele já quis te beijar? – Micael me seguiu.

– Pára de me seguir! – Gritei.

Du esfregou a testa e voltou a assistir televisão, tentando ignorar os gritos. Gritei com Micael até o quarto. Tentei fechar a porta na cara dele, mas ele pôs o pé e entrou, fechando-a.

– Sai daqui, babaca! – Andei até a cama – Você estraga tudo!

– E você queria mesmo beijar aquele cara. – Ele ironizou.

– Pra falar a verdade eu até queria. – Cruzei os braços – Ele é legal, inteligente e conversa muito bem. Eu até gostei dele.

– Gostou mesmo dele ou ele fez você gostar mesmo dele?

– Por quê? É isso que você faz com as garotas que você quer transar? – Perguntei irritada – Deve ter sido bem fácil seduzir aquela idiota que você comeu aqui em casa.

– Por quê? – Ele riu sarcástico – Está com ciúmes?

– Claro que não imbecil! – Me inclinei pra frente indignada – Vocês dois trazem duas qualquer pra casa onde eu também moro e eu tenho que sorrir por acaso?!

– Duvido que seja só por isso.

– Por que quer tanto saber? Por acaso você ficou com ciúme por eu estar prestes a beijar um cara? – Disse irônica – Você estraga tudo. Só quero entender por que está se importando tanto com o que eu faço ou deixo de fazer. Pára de me perturbar. – Me virei.

Eu ia para o banheiro batendo o pé, mas Micael me agarrou pelo braço e me jogou na cama. Ficou em cima de mim segurando meus braços. O encarei com raiva, mas receosa.

– Quer mesmo saber? – Ele perguntou.

Ele se aproximou do meu rosto, soltando meus braços. Comecei a ficar nervosa. Ele não podia me beijar! Ele é o idiota, é o babaca que eu odeio! Há centímetros da minha boca, pus as mãos no peito dele, parando-o. Ele se afastou um pouco e olhou pra mim. Meus olhos estavam marejados.

– Sai... – Disse quase chorando.

Ele saiu de cima de mim, suspirando. Sentou na cama, esfregando o rosto. Peguei o travesseiro e o abracei.

– Sai.

– Já saí. – Ele disse.

– Sai do meu quarto! – Exclamei já chorando.

Ele me fitava, espantado.

– Felícia...

– Já saiu? – Disse, virando o rosto emburrada.

Ele continuou me olhando, mas desistiu. Quando escutei a porta ser fechada, comecei a chorar abraçando o travesseiro. Deitei na cama, fungava sem parar. O que aquele idiota queria comigo? Ele estraga tudo!

...

Eu fiquei longos dias sem sair do quarto depois que Micael tentou me beijar. E quando não ficava no quarto, ficava o tempo todo na rua me distraindo com Ellie. Derek me ligava para repetirmos a saída, só que dessa vez no cinema. Mas eu ficava desmarcando o tempo todo dizendo que estava resolvendo assuntos sobre minha futura vida profissional. Ele compreendeu perfeitamente, já que ele trabalhava e eu acabara de me formar e procurava algo pra fazer. Porém ele sequer imaginava que eu estava tentando resolver um dilema da minha conturbada vida emocional.

Quando desisti de tentar encontrar a resposta para o que Micael pensava, me concentrei no curso de fotografia que eu entrara há quase duas semanas. Eu estava tão feliz por começar alguma coisa de verdade que rapidamente me esqueci sobre o episódio com Micael.

Eu estava na sala com os dois, limpando minha câmera. Há muito tempo eu comprara uma câmera profissional. Uma loucura por ter gostado de tirar fotos. E eu estava muito feliz por saber que o dinheiro que gastei não foi em vão.

Analisava a câmera quando Du chegou sorrateiramente.

– Pra que serve isso? – Ele disse apertando o botão.

Bufei. Tirou uma foto.

– Idiota... – Resmunguei.

Ele riu.

– Acho que consegui uma parada pra você. – Du disse sentando.

– Como assim?

– Um amigo nosso da empresa vai se casar e a maluca da noiva dele gastou um dinheirão no vestido de noiva.

– E...? – Já sorria.

– “E” ele quer um fotógrafo baratinho.

Abri um sorriso.

– Eu falei com ele que minha irmãzinha virou fotógrafa e ele quer falar com você. – Ele disse lentamente abrindo um sorriso.

– AH! – Gritei correndo pra cima dele.

O abracei. Ele ria, quase sufocando.

– Meu Deus! Te amo, te amo, temo!!!!!!

– Tá! – Ele riu – Se me sufocar não vai ter como eu dar o número.

O soltei e fiquei sorrindo eufórica com as mãos nas bochechas. Pulava sentada entre os dois.

– Eu quero um também. – Micael disse com o olhar pidão.

– Um soco no saco?! – Eu disse, séria.

Meu sorriso desapareceu olhando para ele.

Ele riu pondo a mão no rosto. Levantei com uma expressão que nem parecia que tinha recebido uma possível primeira oferta para trabalhar. Peguei minhas coisas e subi para o quarto. Du ficou rindo da minha cara.

Não importava a notícia ótima que eu recebesse, se Micael falasse qualquer coisa pra mim, eu me transformava e meu sorriso sumia.

...

Depois que cheguei do curso, me deparei com Ellie em casa. Ela estava com Du na sala.

– Oi! – Sorri, mesmo sem entender o porquê de ela estar ali.

– A gente tem ótimas notícias! – Ela disse pulando em minha direção.

– Virou... Um coelho? – Brinquei.

– E por que isso seria bom?! – Ela perguntou indignada.

– Sei lá. Você gosta de páscoa? – Ri.

Ela revirou os olhos.

– A gente conseguiu uma casa de praia nesse fim de semana. – Du disse, parando a palhaçada.

– Que legal! – Exclamei sorrindo – Espera – Desconfiei – Só a gente?

– É. – Ele disse.

– O babaca não vai com a gente?

– Não. – Ele riu.

– Ah é? – Cantarolei – Quer dizer que seu melhor amigo, cujo você é grudado, não vai? – Desconfiei. Tinha que ter alguma coisa de errado ali.

– É, cara! – Ele exclamou – Ele vai estar ocupado esse fim de semana.

– Hum... – Pensava ainda desconfiada.

– Vamos, vamos! – Ele implorava – Você tem que ir também!

– Argh. – Bufei rindo – Tá bom.

Ela pulou em cima de minha, me abraçando. Quase caí!

No fim de semana, ficamos quatro horas dentro do carro até chegarmos à casa de praia. Agradeci por ter tido um engarrafamento de quinze minutos. Consegui esticar as pernas um pouco! Du quase me batia por ficar com as pernas em cima do painel e do porta-luvas.

Passamos pela cidade antes de irmos para a casa. Já havia decidido que iria à cidade! Quando chegamos, fiquei deslumbrada. O lugar era lindo! A casa era grande, havia um pequeno quintal e uma escadaria de madeira que dava para a praia. Perfeito!

Quando nós entramos eu sabia que amaria ficar ali. Seria maravilhoso! Uma casa bonita e confortável, uma praia ao lado e sem Micael por perto o fim de semana todo! Eu estava tão feliz!

Porém... Logo que pus a mala no chão, Micael desceu as escadas.

– Demoraram!

Olhei para trás. Du e Ellie estavam com caras de culpados. Quis apertar o pescoço dos dois!

– Seus filhos da...!

– Ah! – Du levantou o dedo para mim.