Here Comes The Sun escrita por Mayor Hundred


Capítulo 1
Capítulo Único




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O que aconteceria se o Sol simplesmente deixasse de aparecer todas as manhãs?

As pessoas acordariam para os seus trabalhos, como em um dia normal, e sairiam de casa. A princípio, poucos perceberiam. “Está mais escuro” ou “Acordei cedo demais”. Poucos prestam atenção na beleza infinita do astro de fogo no céu porque sabem que ele vai sempre estar lá.

Naquele dia, entretanto, ele não estava.

Até a maior das árvores morre, sem a luz solar. A comida se torna algo raro. Todas as maravilhosas cores se transforma em um moribundo cinza uniforme.

O mundo fica cada vez mais frio.

Os governos tentam achar na tecnologia uma saída para contornar a ausência do rei das estrelas enquanto a população vai à loucura. Guerras travadas por comida, roupas, cobertores. Mães matam seus filhos ainda no ventre, para que não vejam o inferno que a Terra se tornou.

Eu não era assim tão pequena quando o Sol desapareceu, mas não consigo lembrar.

Meu pai, toda noite, tenta descrever como era. E sempre chega na mesma conclusão: é difícil de expressar, mas fácil de ver. Mesmo ele, poucas vezes, ou talvez nenhuma, tirou alguns segundos do seu dia para encontrar-se em quietude e olhar para cima. Contemplar o imenso provedor de calor e luz.

E toda noite, antes de dormir, sussurro ao vento: Quando é que você vai voltar?

Talvez soe demasiadamente como uma pergunta feita por uma menina de coração partido. Esperando por alguém que foi e não voltou. As pessoas sempre vão e quase nunca voltam. Entretanto, é para o Sol que direciono essas palavras. Gostaria de sentir o calor novamente. Ver o brilho tão ofuscante que é incapaz de olhar diretamente por muito tempo. Gostaria de ver as cores.

Só uma vez. Só por alguns segundos.

As pessoas vão.

E o meu pai também está indo.

As tosses descontroladas, o sangue que escorre pelo queixo. Ele sempre sussurra “está tudo bem”. Mas não está. Tem sido um longo, frio e solitário inverno. Os sorrisos não encontram os rostos.

Escondidos naquela caverna, eu sabia que aquele seria o seu último dia. Sempre pude dizer quando a pessoa iria embora. Entretanto, pela primeira vez, eu não queria saber.

Tão confortável quando poderia ficar sobre o chão duro de pedra, ele tossia enquanto tentava inutilmente descrever o Sol. Pela primeira vez em anos, eu queria ouvir cada palavra daquela narração tão imperfeita.

Contudo, trocaria todas essas palavras por um pouco mais de tempo. Pedi para que se guardasse. E, como resposta, ele só apertou minha mão.

Devagar eu chorei. E voltei a ser menina. Mais do que isso, talvez. Uma menina com o coração partido. Queria sussurrar: Quando é que você irá voltar? Mas ele ainda não se foi.

E, com as lágrimas que fluíam pelos contornos do meu rosto, eu conheci o calor.

“Minha mochila”, ele resmungava. Com a visão embaçada, eu a alcancei. E com as mãos trêmulas, ele retirou um aparelho tão pequeno. “Só uma música”.

Música. Meu pai havia descrito isso também. Um amontoado de barulhos feitos em harmonia que conseguiam, de alguma maneira, transmitir beleza, emoções.

Uma tímida luz foi emitida pelo visor do aparelho, e eu conheci as cores.

As palavras não importavam, e eu mal conseguia as compreender. Tinha o meu rosto afundado no peito frágil de meu pai e senti-me abraçada, mesmo que seus braços não estivessem em minha volta.

Podia, mais do que ouvir, sentir o seu coração. E ele batia harmoniosamente, no mesmo ritmo que a melodia reproduzida por aquele minúsculo aparelho.

E, em algum ponto, o seu coração alcançou um auge junto com a música. Mas, ao contrário da canção, ele não continuava ritmicamente. Mas lentamente desacelerava.

Ouvi o seu suspiro final, mas não pude olhar em seus olhos. Eu precisava conhecer o brilho, não testemunhar o seu fim.

Sua roupa estava encharcada com lágrimas. Suas descrições imperfeitas sobre a perfeição se foram. Entretanto, o que foi me deixado fora aquele barulho:

Little darling
I feel that ice is slowly melting
Little darling
It seems like years since it's been clear
Here comes the sun
Here comes the sun
And I say
It's all right

E enquanto a canção diminuía até desaparecer, eu percebi que não me restou nada. Nem o calor. Nem as cores. E nem a música.

Vagarosamente, erguia o rosto, me livrando das lágrimas e o aroma particular do meu progenitor. Havia umidade em minha face, mas na dele era algo diferente. Algo raro. Algo que dizia, sem palavras, que estava tudo bem.

Um sorriso.

Por reflexo, olhei para frente, a entrada da caverna.

E, como um sussurro, um brilho conquistava devagar aquilo o que era cinza.


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Notas finais do capítulo

O fim?



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