Valentino escrita por TM
Era verão em Florença. Os camponeses eram, na maioria das vezes, castigados pelo sol e pelos seus senhores. Via meu pai constantemente falando do Papa Alexandre VI, e de como a corrupção reinava em seu mandato. Como se não fosse o suficiente, o representante de Jesus Cristo na Terra tinha três filhos, e exibiu a amante em público: La Bella Farnese; vários homens ficaram enfurecidos, penso eu, com inveja, pois La Bella Farnese era conhecida pela sua beleza rara.
Olhando pela janela de meu quarto, via mães ensinando boas maneiras a suas filhas e me dei conta de que nunca havia experimentado tal amor materno, nunca fui sortuda ao ponto de recebê-lo. Ouvi boatos de que minha falecida mãe era uma cortesã, talvez fosse por isso que Deus tenha a matado e me deixado em seu lugar. Diariamente, eu me perguntava o por quê de tudo aquilo, mas, como sempre, a mesma frase ecoava em minha cabeça "Deus age de formas misteriosas".
O pensamento do abandono de minha mãe me deixou com uma leve tontura, e decidi entrar para meu quarto para desviar meus pensamentos. Antes de ir deitar, me deparei com meu reflexo no espelho: estava mais bonita que dois verões atrás, meus cabelos louros tinham crescido a base da cintura, e meus cílios estavam grandes e grossos contornando os belos olhos azuis que herdei de minha mãe.
- Giorgia! - Ouvi Cecília, minha ama, me chamar, e logo depois ouvi passos pesados vindo em direção ao meu quarto. - Giorgia! Onde você está, menina?
- Estou aqui! - Gritei de volta, sem ânimo.
Com um baque, ela abriu a porta e entrou, ela cheirava a cravo, e exibia um sorriso que jamais vira antes.
- Giorgia, hoje a noite você terá um baile bastante importante para ir. E nesse estará o rei Luís XIII e Vossa Santidade e seus dois filhos, você servirá de dama de companhia para seu pai. - Seus cabelos negros estavam bagunçados, e seu vestido comprido, porém muito decotado para alguém de 30 e poucos anos, amassado. - Quer que eu a ajude na escolha de seu vestido, madonna?
Eu sei um sorriso de leve andei alguns metros e a abracei, isso a pegou de surpresa, mas depois começou a retribuir o abraço.
- Já disse que não gosto que me chame assim, me faz sentir superior a você, coisa que eu não sou e deixo bem claro todos os dias. Pra você eu sou apenas Giorgia. - Eu disse, ainda sorrindo. - Eu confio em ti, Cecília, quero que compre um vestido roxo, o mais bonito da loja. E não se importe de quantos ducados isso custará, pois sairá do bolso de meu pai, o senhor Chanceler da República.
- Eu ouvi alguém me chamar? - Nicolau estava parado na porta de meu quarto. Nunca o vi tão radiante assim, tão sorridente. Corri em sua direção para abraçá-lo.
- Claro que sim, meu pai. - Depois de alguns segundos, nos soltamos e começamos a encarar um ao outro. Foi nesse momento que Cecília percebeu que teria que sair, pois a família tinha que resolver uns "assuntos pendentes".
- Com licença, madonna. - Cecília se retirou do quarto como uma sombra; não deu pra notar sua ausência.
Andando de um lado para o outro, Nicolau colocava e tirava sua mão de seu queixo, e empinava seu arcado nariz, sua expressão era indecifrável, mas ambos sabíamos sobre o que ele estava pensando: meu casamento.
- Pai - Eu comecei. - eu estava pensando, será que esse... assunto, deve ser discutido agora? Estou prestes a fazer 15 anos, tenho muita coisa pra ver, muitos lugares para explorar.
Ele me encarou de cima a baixo, como se estivesse me avaliando; tanto mentalmente quanto fisicamente, afinal, ele entendia dessas coisas, era o grande Nicolau Machiavelli. Antes de antes mesmo sair uma palavra de sua boca, já estava com a cabeça abaixada, arrependida do que disse segundos antes.
- Minha filha, quero que entenda uma coisa: casamento como qualquer outra coisa aqui na Itália, faz parte de uma política. Agimos pela seguinte lógica: se somos rivais de uma tal família, casamos nossos herdeiros com ela, para que assim a destruição em massa não se alastre como um incêndio num estábulo. Não pense que eu estou fazendo isso por que eu não goste de você, é exatamente o contrário, eu gosto tanto de você que quero te dar um futuro melhor, uma vida melhor. - Como sempre, ele escolhia as melhores palavras para me fazer refletir sobre tudo que ele fez por mim até os dias de hoje. Sem rodeios, ele colocou a mão em meu ombro na tentativa de me acalmar, tirar um pouco dos pesos em minhas costas. - Giorgia, você foi a melhor coisa que aconteceu em minha vida, não me faça ordenar algo da qual me arrependa. Como parte de minha bondade, vou deixar que escolha seu noivo hoje no baile, e não vou interferir nisso, sim? O que acha, madonna Machiavelli?
Eu assenti com a cabeça; aquilo era melhor do que ser forçada a casar com um velho escolhido por quantos ducados, e quantas terras tinha.
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A noite, Cecília me trouxe o vestido que eu lhe pedira horas antes. Era lindo, suas mangas eram bordadas com fios de ouro e pérolas juntamente com o decote. Coloquei-o com a ajuda de minha ama, e me examinei no espelho. Sim, aquele era o vestido certo para encontrar meu futuro noivo; ele realçava as curvas de meu corpo.
Minha ama disse que era melhor deixar o cabelo solto, sem muito spray para que não ficasse muito artificial. Eu sorri para meu reflexo, e sabia que aquela noite era a mais importante da minha vida, ela escolheria meu destino, mudaria minha vida.
Eu e meu pai fomos com a carruagem que tinha o brasão da família, a viajem foi longa, ainda mais com o cavalariço falando de como sua amada Raffaella era linda, sua beleza superava a de Vênus.
O lugar era um enorme castelo, com várias tochas iluminando o local. Se não estivesse com meu pai, sairia correndo, com medo da visão assustadora da paisagem.
- Por favor, seus nomes. - Disse um homem sorridente com uma folha em mãos.
- Nicolau e Giorgia Machiavelli. - Meu pai soltou uma voz potente, quase que orgulhosa.
O homem sorriu e nos entregou duas máscaras, uma preta de seda para meu pai, e uma branca para mim. Colocamos as máscaras antes de finalmente podermos entrar, mas antes disso, a música já era ouvida pelo lado de fora.
Estaria mentindo se dissesse que o lugar não era bonito por dentro, por que era. O chão brilhante e os vários lustres de ouro davam um certo charme ao lugar. Em meio da multidão alegre e dançante, saiu um homem do qual eu nunca tinha visto. Ele veio sorridente em nossa direção, e eu deduzia que fosse o rei.
- Nicolau! Que surpresa agradável! Achei que você não viria. - Ele e eu trocamos referências. - E quem és essa lindíssima moça?
- Minha filha, Giorgia Machiavelli.
- Encantada, senhor. - Estiquei minha mão e ele a beijou com delicadeza.
- Encantado fiquei eu com sua belíssima filha. - Ele sorriu pra mim, meu estômago revirou. - Sejam bem-vindos ao meu baile, fiquem a vontade. Se misturem, por favor!
- Luís, temos uns assuntos para resolver. Está lembrado?
- Sim, sim, me lembro. Vamos lá antes que o vinho faça me tornar outro homem. - Os dois saíram andando, me deixando sozinha naquele imenso castelo.
- Pai.. - Tentei gritar, mas já era tarde, seus passos eram abafados pela música e pelos cochichos do salão. Não tinha escolha, a não ser me misturar.
Vários olhares foram direcionados a mim, e percebi que as mulheres me olhavam com desprezo, como se eu fosse a culpada por fazer seus maridos se dirigirem a mim. Por fim, me sentei e comecei a observar o mundo a minha volta. Aos poucos, fui deixando de ser a estrela da festa, e isso me deixou parcialmente feliz.
Mas, em meio aqueles olhares, percebi que alguém não me parava de olhar, e isso queimava minha nuca. Olhei para trás e parado na escada estava um homem, cuja roupa era inteira preta combinando com sua máscara. Quando percebeu que minha atenção era toda sua, abriu um sorriso e veio em minha direção.
A medida que se aproximava de mim, as mulheres ficavam mais inquietas, curiosas sobre o tal homem.
- O que uma moça faz sozinha nesse imenso baile? - Ele perguntou com seus olhos castanhos vidrados nos meus.
- Quem disse que estou sozinha? - O desafiei.
- Eu te observei desde que você pós os pés dentro deste lugar, e sim, agora tenho a confirmação, você está sozinha. - Ele estava gostando do jogo. - Me daria a honra de uma dança, my lady?
- Por que não? - Estiquei minha mão e senti sua mão macia como a pele de um bebê.
Os casais estavam formados, e a dança começou. Eu e o jovem rapaz trocávamos olhares misteriosos, cheios de desejo e curiosidades. No meio da dança, ele me perguntou:
- Parece muito nova para estar aqui, quantos anos você tem?
- Vou fazer 15 na próxima semana, senhor. - Ele pareceu pensativo por um momento, mas depois sua expressão serena voltou.
- E a senhorita gosta de bailes? - Ele sorria, mas evitava me olhar.
- Este é meu primeiro, senhor.
Ouvimos vários aplausos, e só aí que percebemos que a música havia acabado. Eu fiquei tão encantada com sua beleza que acabei me perdendo do tempo, me desligando com o mundo a minha volta.
Como se fosse um fantasma, meu pai se projetou em meu lado antes mesmo que eu percebesse, e ao seu lado, estava o ilustre rei Luís.
- Quem é o senhor? - Meu pai perguntou, mostrando um sorriso que não era seu.
- Cesare Borgia ao seu dispor. - Cesare fez uma reverência e deu um sorriso de canto, como se fizesse isso justamente para me provocar. - E o senhor, quem és?
- Nicolau Machiavelli, e essa moça com quem dançou com tamanha graça, é minha filha, Giorgia. - Eu dei um sorriso nervoso para Cesare e estendi minha mão.
Seus lábios eram macios, e seu olhar intrigante. Como poderia, um homem simples me fazer delirar?
- Prazer. - Eu disse.
- O prazer será todo meu. - Essas foram suas últimas palavras antes de voltar para sua casa, para Roma.
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