Antes de ir para Illéa achava que acordar cedo era uma das piores coisas na vida. Estava enganada. Quando conheci Silvia, a planejadora real do palácio, e as suas aulas minha vida virou um desastre. Essa mudança de rotina foi tão doentia que tenho calafrios só de ouvir sua voz.

“Sente-se como uma dama” “Não coma com as mãos” “Ajeite a sua postura”.

— Silvia precisa de um homem. – Falo enquanto Marilyn amarra o espartilho em meu busto – que foi mandado pela própria, ela praticamente me chamou de gorda. — Fico com dor de cabeça só de pensar nela.

— Você deveria ser mais compreensiva. – Em alguns momentos isso me irritava. Eu e Marilyn somos totalmente opostas. Enquanto ela é amável com as pessoas, sou azeda como um limão. — Ela deve ter muitos problemas, por isso que é assim.

— Pode ser, mas atrapalhar minha vida não será a solução.

— Agora você tem que ir, a Rainha América está lhe esperando. – Fala enquanto termina de ajustar o vestido em meu corpo. — Acho que é sobre o casamento. – Reviro os olhos e saio do meu quarto.

Desde a festa de noivado, consegui enrolar minhas novas criadas – fiz isso para que não descobrissem sobre as minhas cicatrizes –. Neste exato momento, elas estão cuidando do Prince. Basicamente, Dallas e Rose viraram criadas do meu cachorro.

Meus pais partiram na noite passada. Klaus implorou pelo meu perdão, mas meu coração de pedra não estava pronto para lhe perdoar. Minha mãe foi para Itália amargurada. Antes de ir embora, ela pediu para que eu perdoasse meu pai – por mim, isso não vai acontecer.

Bato na porta do quarto e uma criada – acho que se chama Mary – abre, revelando o cômodo. Fiquei em choque ao observar o local. Era possível fazer uma festa com vários times de futebol naquele lugar. As paredes e a roupa de cama tinham uma cor neutra. Havia uma parede com apenas um mural cheio de fotos. Encontrei a rainha América tomando um chá na varanda. Ela sorriu alegremente quando me viu.

— Nicole! Sente-se comigo. – Apontou para uma cadeira em sua frente. — Precisamos resolver sobre o casamento.

— Não está muito cedo para organizar o casamento? – Pergunto me sentando.

— Pelo contrário. Temos pouco tempo para planejar tudo. – Responde me entregando uma revista. — Eu separei alguns modelos de vestidos, espero que goste.

Analiso os vestidos marcados. Gostei de todos, mas havia um problema. Eles eram decotados nas costas. Ou seja, minhas cicatrizes seriam descobertas.

— São lindos, mas não posso usa-los.

— E por que não? – Pergunta arqueando as sobrancelhas ruivas — Há algum problema?

— Não. Apenas gostaria de usar um vestido de manga longa e sem decotes. – Abro um sorriso amarelo

— Mas é impossível você usar um vestido de manga longa na primavera. – A criada dela observava toda conversa de longe. — Escolha alguns vestidos e na próxima semana você prova.

— Tudo bem! – Escolhi os vestidos menos decotados – algo que foi difícil –, ainda não sei como vou esconder as cicatrizes.

— Você tem alguma ideia para a decoração? – Eu já estava começando a entrar em desespero. Odiava pensar que em menos de um mês estaria casada com um idiota

— Sinceramente, não sei nada sobre decoração. – Era agora ou nunca. Tinha que sair daquele quarto logo. — Mas confio cegamente no seu bom gosto.

— Já entendi. – Responde rindo. — Você já pode ir. Eu fico responsável pelo planejamento do casamento.

— Muito obrigada! – Faço uma reverencia exagerada.

— Não precisa de tudo isso. – Ela veio em minha direção e me deu um abraço. — Você precisa se preparar para hoje de noite.

— Me preparar para o quê? – Que não seja festa. Faço uma prece mentalmente.

— Para a gravação do Jornal Oficial. – Eadlyn havia me explicado sobre o Jornal Oficial. A família real e os conselheiros do rei aparecem toda sexta para Illéa. O rei Maxon informa sobre a atual situação do país. E há o mestre de cerimônia, Gravil Fadaye, ele é responsável por guiar os eventos no palácio. — Iremos anunciar seu casamento para toda Illéa.

— Ótimo! Acho melhor escolher alguma roupa. – Falo com uma animação forçada. Me despeço da rainha e caminho rapidamente para fora do quarto.

­— Nicole? – Para melhorar meu dia, esbarro no meu ‘futuro marido’ – se ele ainda estiver vivo até lá. — O que você estava fazendo com a minha mãe?

— Estávamos organizando o nosso casamento. – O rosto de Ahren fica um pouco pálido. Isso não era normal. — Você está bem?

Não escuto sua resposta, pois ele me puxa para um corredor mais afastado. Coloca sua mão em minha boca, automaticamente eu a mordo.

— Sua louca! – Ele balança a mão, tentando amenizar a dor.

— Você que é louco. – Retruco indignada. — Essa mão deve ter milhares de bactérias.

— Esquece isso. Eu preciso da sua ajuda.

— Se for para te jogar da ponte. Eu aceito.

— Sem gracinha, Nicole. – Suas expressões eram sérias. — Ainda não acredito que estou pedindo sua ajuda.

— Seja breve. – Falo entediada. — Não gosto de ajudar ninguém, muito menos você.

— Não posso me casar com você. – Adivinha. Eu também não quero me casar com você. — Estou apaixonado por outra pessoa.

—Quem é a azarada? – O silêncio ecoa no local. — Eu mereço saber, certo?

— Ela se chama Camille. – Fala baixo

— Ótimo! Vou ser trocada pela boneca falsificada da França.

— Você a conhece? – Pergunta assustado

— Infelizmente. A perfeitinha foi com a mãe tentar fazer aliança com Itália. – Fico enjoada só de lembra nela. — Mas por que precisa da minha ajuda?

— Meu plano inicial era fugir no dia do casamento. – Por algum motivo não fico surpresa. — Mas não quero fazer isso com a minha mãe.

­— Você ia me abandonar no altar, amorzinho. – Tento parecer ofendida. — E ainda por cima, vem me falar na maior cara de pau.

— Pode falar mais baixo? – Ele reclama. — Os criados podem escutar.

— Que seja. – Reviro os olhos.

— Tive que mudar meu plano, mas preciso de você. – Ahren prosseguiu. — Irei me casar.

— E depois vai fugir casado, gênio?

— A única pessoa com quem quero ficar casado é a Camille. – Ele era loucamente apaixonado pela perfeitinha. Um sentimento estranho invadiu meu peito. Tentei expulsar aquilo. — Após nosso casamento, iremos nos divorciar.

— Vou ficar livre de qualquer ligação com você?

— Absolutamente. – Minha vida vai voltar ao normal. Algo bom vai acontecer. — No dia da fuga, vamos planejar tudo. Você aceita?

— Sim. Mas vou querer algo em troca.

— O que você quer? – Pergunta desconfiado

­— Na hora certa, você vai saber.

— Então nosso acordo está feito?

— Vou te ajudar Ahren. – Ele abre um sorriso satisfeito. E seus olhos brilhavam. Reparei que tinha uma carta na seu bolso. Provavelmente, era para Camille. ­— Tenho que me arrumar para o Jornal Oficial.

Ahren segura meu braço, me obrigando ficar no mesmo lugar.

— Não conte para os meus pais. – Concordo com a cabeça.

Deixo ele para trás e volto para o meu quarto. Marilyn, Rose e Dallas me esperavam ansiosamente. Percebi que o motivo da agitação, era o vestido azul escuro feito por um estilista famoso. Engoli em seco ao perceber os decotes. Troquei olhares com Marilyn e a mesma abriu um sorriso calmo.

— Você vai ficar divina nesse vestido. – Rose fala suspirando

— A banheira já está pronta. – Dallas tinha vários produtos na mão.

— Eu sou tão esquecida. – Marilyn coloca as mãos no rosto. Era evidente que estava atuando. — Meninas, vocês podem pegar o brinco de diamantes no meu quarto?

Rose e Dallas acenam com a cabeça, embora ambas estivessem com uma cara de suspeita. Assim, elas desapareceram da nossa vista.

— Pronta para ter um quilo de maquiagem no seu corpo? – Minha amiga abriu um sorriso maléfico.

— Pode colocar até cimento se quiser.

— Não fala isso. Se não, vou ficar tentada. – Infantilmente, mostrei minha língua.

Em menos de dez minutos, tomei banho e Marilyn cobriu as cicatrizes com maquiagem. O processo foi doloroso. Quando a base e o corretivo tocaram na minha pele, as cicatrizes começaram a arder. Mas tenho que admitir, valeu a pena. O vestido ficou ajustado ao meu corpo.

— Vou ter que usar salto? – Ela balança a cabeça rindo

Quando as duas criadas chegaram aprovaram o vestido, algo que era previsto. Dallas ficou encarregada do meu cabelo e Rose a maquiagem. Elas finalizaram com expectativa. Encarei no espelho o meu reflexo, aquilo não era eu. Parecia uma verdadeira dama – algo que eu não era –. Silvia vai ficar orgulhosa.

— Príncipe Ahren vai gostar do resultado. – Rose parecia animada. Revirei os olhos. Ahren só tem olhos para apenas uma pessoa.

***

— Você está fantástica, querida. – Rei Maxon me cumprimenta com um beijo na bochecha.

— Obrigada, majestade.

— Ahren está lhe esperando. – Ele acena para seu filho.

Aliso meu vestido e tento não estragar a obra das minhas criadas. Em seguida, vou em direção do meu lugar ao lado do idiota – vulgo Ahren –, que abriu um sorriso malicioso para me provocar.

— Nestes trajes, até parece uma mulher de verdade.

— É melhor você ficar quieto. Afinal, seus pais irão amar saber que vou ser trocada por uma boneca falsificada.

No mesmo segundo, o sorriso murchou e sua face adotou uma expressão séria. Tentei não sorri, mas foi em vão.

O lugar estava cheio de conhecidos da família Schreave. A amiga da rainha, Lucy, estava com o general Leeger ao seu lado. A rainha América e o rei Maxon estavam conversando alegremente com o Sr. e Sra. Woodwork. Próximo às câmeras, encontrei Kile – que abriu um sorriso quando nossos olhares se cruzaram. Perto dele estava Josie, sua irmã simpática – sintam a ironia –.

Os conselheiros do rei começaram a aparecer no lugar, saudando com uma reverência a família real antes de sentar. Eadlyn estava com uma expressão focada em seu rosto. Sentou-se no assento ao meu lado. Ela tinha uma postura de rainha – algo que nem se eu quisesse teria.

O rei Maxon fez a introdução do jornal, com um breve relato sobre Illéa, e logo após os ministros e conselheiros tiveram a oportunidade. Eu estava quase desmaiando de sono, quando o apresentador voltou-se para mim e a Ahren.

Gavril Fadaye tinha cabelos grisalhos penteados para trás e, embora estivesse com uma certa idade, havia um rosto bonito.

— Esta noite, Illéa, para encerrar nosso programa, temos uma novidade empolgante. – Ele piscou em nossa direção. — Na semana passada, a princesa Eadlyn anunciou sobre sua Seleção. Algo que deixou Illéa em total animação.

Eadlyn apenas se limitou a abrir um pequeno sorriso. Nos últimos dias, ela esteve bastante tensa.

— Mas nesta noite temos um anuncio do príncipe Ahren Schreave. – Ahren estendeu a mão na minha direção e eu abri um largo sorriso, embora fosse forçado, enquanto cruzávamos o palco acarpetado.

— É uma honra tê-la conosco, princesa Nicole. – Gavril deu um breve abraço e logo após um beijo em cada bochecha.

— Obrigada!

— Ahren, meu rapaz, ainda não acredito que faz mais de dezoito anos que anunciei o seu nascimento e de sua irmã.

— O tempo não para. Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo... – Gavril concorda com um sorriso.

— Mas tenho certeza que você não veio falar sobre o tempo. – O apresentador fez piada. — Conte-nos a novidade, meu caro.

— Nos últimos anos, eu estive sem rumo e sozinho. Não tinha um objetivo de vida. Queria distância das pessoas que mais amava. Mas como a luz no fim do túnel, certa italiana apareceu na minha vida. Foi como um bálsamo para as minhas feridas. E não consigo me imaginar sem ela. – Ele deu uma pausa. Ahren realmente era um excelente mentiroso. — Por isso, estou aqui diante de toda Illéa, para anunciar meu casamento com Nicole.

Abro um sorriso discreto em meio aos aplausos. O discurso ecoa em minha mente. Consegui concluir que esse pedido foi feito para Camille. O amor de Ahren é real, então não irei prejudicá-lo.