Apertei a campainha e a mãe do Kentin apareceu na porta. Com um avental sujo de farinha e um coque no cabelo, ela sorriu para mim.

– Oi, querida! Faz tanto tempo que você não vem aqui – disse ela, me abraçado.

– Kentin e eu nos afastamos um pouco, mas agora tentarei vir com mais frequência – sorri.

– Venha sim, ele fica muito feliz quando você vem. Vamos, entre! – ela me levou até o sofá e voltou para fechar a porta.

– Por que não sobe, querida? Ele deve estar terminando de se arrumar – disse dona Lisa, antes de voltar para a cozinha.

Assenti e subi as escadas. Fazia um tempo que eu não via aquela porta marrom e bateu até uma certa nostalgia. Entrei sem bater e me arrependi amargamente - não tão amargamente assim.

– O que você está fazendo só de toalha? – gritei.

– Saindo do banho? – ele disse como se fosse óbvio. E o pior: era óbvio mesmo.

– Você pode fazer o favor de colocar uma roupa? – disse, virando de costas para ele.

– Você que manda – ele riu.

– Todas as vezes que eu entrei aqui sem bater, você estava devidamente vestido – disse, um pouco corada.

– Todas essas vezes eu já estava arrumado te esperando.

Depois de uns cinco minutos, ele colocou as mãos nos meus olhos.

– Adivinha quem terminou de trocar de roupa – Kentin tinha sérios problemas.

– Eu, é claro – me virei e encarei o garoto de cabelos castanhos.

Calça jeans azul escura, regata branca e cabelos molhados. Por que parecia que estávamos usando roupa de casal?

– Nada mal – disse, me sentando na cama.

– Um elogio? – disse ele, pegando o pente para pentear os cabelos e eu quase gritei um “deixa assim mesmo”.

– Talvez – deitei na cama.

Kentin terminou de pentear o cabelo e passou perfume. Depois, foi para a cozinha e voltou com algumas panquecas.

– Você ta dormindo na minha cama? – disse ele, colocando o prato do meu lado.

– Estaria, se você estivesse calado – disse, me sentando e atacando o prato de panquecas.

– Você sabia que não é muito normal tomar café da manhã três vezes ao dia? – disse ele, se sujando todo de mel.

– Como você é capaz de se sujar tanto enquanto come? – disse, e estiquei a mão para limpar sua boca.

No mesmo segundo, a porta se abriu e dona Lisa apareceu.

– Crianças, eu... Oh, desculpa. Volto mais tarde – disse ela com um sorrisinho de lado.

– O que? Pode ficar... – nem consegui terminar de falar, porque ela já tinha ido embora do quarto.

Encarei Kentin e ele estava comendo panquecas como se nada tivesse acontecido.

– O que a sua mãe pensa da gente?

– Na cabeça dela, estamos quase casando – ele riu.

– É O QUE?

– Eu não disse nada. Anda, vamos para a casa do Leigh – disse ele, me puxando da cama.

Descemos as escadas e fomos caminhando até a casa do Leigh que, no caso, seria a casa do Lysandre também. No meio do caminho, fiz Kentin parar em uma lojinha de doces e comprar um pacotinho de jujubas. Eu não gostava de caminhar e precisava de doce para repor minhas energias.

– Obrigada, nobre cavalheiro – disse, antes de entupir a boca de jujuba.

– Você quer me falir tão rápido assim? – disse ele, enchendo a mão de doce.

– Se você falir, quem vai comprar as coisas pra mim? – ele me empurrou e fomos rindo pelo caminho.

Depois de vinte minutos, chegamos na frente de um pequeno condomínio verde. Interfonei e o Lysandre atendeu.

– Oi, Lys! Seu irmão está?

– Quem é? Lia? – pelo menos, ele não tinha esquecido da minha voz.

– Sim, sou eu! Ele está? – disse, enquanto chamava Kentin para perto.

– Sim, já vai descer. Espera um pouco – disse Lys, com uma voz de sono.

– A sua voz de sono é melhor – disse para Kentin e quase me estapeei ao perceber que tinha dito isso em voz alta.

– Minha mãe te pagou pra você dar em cima de mim? Pode falar a verdade – ele riu.

– Ah, olha o Leigh! Oi – disse, virando de costas para o Kentin.

– Oi. Aconteceu alguma coisa? – ele não parecia querer fazer amizade.

– Nós viemos te convidar para ir na sorveteria! Que tal? – disse, o mais animada possível.

– Sorveteria? Por que eu iria querer ir? – senti um tapa de uma mão invisível no rosto, mas continuei.

– No dia do casamento da diretora, você me emprestou o vestido sem cobrar nada... Estou apenas agradecendo – disse, e virei para Kentin com uma mensagem de socorro escrita na testa com tinta fluorescente.

– Nós também queríamos discutir sobre a confecção de um vestido novo para a Lia. Como a sorveteria é um lugar agradável, achamos que fosse uma boa ideia te convidar – disse ele e eu suspirei.

– Tudo bem, eu vou – Leigh parou de se fazer de difícil e veio com a gente.

Andamos todo o caminho em silêncio, já que Leigh não parecia querer papo. De longe, pude ver Rosalya nos observando e fiz um sinal desesperado para que se escondesse.

– Ah, não! Esqueci minha carteira – disse, assim que paramos na frente da sorveteria.

– Eu também esqueci a minha, parece brincadeira! – Kentin me ajudou.

– Bem, já que estamos aqui, você pode esperar lá dentro? Já voltamos – disse para Leigh. Ele concordou sem ânimo e entrou.

Kentin e eu corremos em disparada até a moita mais próxima assim que ele virou as cosas e entrou na loja. Erguemos nossas cabeças e vimos os dois se encontrando lá dentro. Leigh parecia surpreso e Rosa, parecia estar muito feliz.

– Será que vai dar certo? – disse o garoto de cabelos castanhos e eu pude sentir um cheirinho de morango. Ele estava comendo bala?

– Fala alguma coisa – disse, meio sem pensar.

– Falar o que? – o cheiro bateu de novo em minhas narinas.

– Você usa aqueles sprays que deixam bom hálito para beijar? – acho melhor eu começar a pensar primeiro e falar depois.

– Não... – ele me olhou confuso.

– Ah, olha lá! Eles estão se abraçando! – disse, enquanto apontava para a sorveteria.

O casal estava sorridente e se abraçavam forte. Suspirei por ter conseguido ajudar e me joguei na grama. No mesmo segundo, uma coisa grande e pesada caiu encima de mim.

– Dragon!