Amnésia escrita por G H Ephron


Capítulo 1
Capítulo 1




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A mão dele está apoiada de leve na coxa dela, seu calor passando pelo algodão fino da camisola. A outra, músculos e veias sublinhados pelo luar, segura de leve a parte superior do volante do carro. Ela vira a cabeça para observar seu calmo perfil. Gostaria de saber por que ele estava usando a farda de combate.

Sacode os ombros e ajeita-se, reclinando o encosto do assento para trás, até o ponto máximo. As estrelas cintilam no claro céu do início de verão, apagadas de quando em quando ao passarem por árvores. Tem impressão de estar se derretendo e misturando-se com o couro do assento.

Agora, do assento de trás, ela vê o motorista dar de ombros também e inclinar-se para o volante, com um brilho de prata numa das mãos. As estrelas desapareceram, encobertas pelas árvores e arbustos que se aproximam dela, do seu carro, arranhando-o, batendo contra os pára-lamas e a capota enquanto a velocidade vai diminuindo até que param.

O motorista volta-se, com o rosto no escuro.

— Saia.

Ela não quer sair.

A porta ao seu lado abre-se. O rosto é dele, mas não é dele.

Enraivecido. Mais jovem.

— Saia do carro.

Ela emerge para o frio. Seus pés estão descalços. Quer ir para casa para pegar botas e um casaco.

— Abra-o — diz ele, indicando o porta-malas.

Devagar, a tampa do porta-malas ergue-se. Ela não quer olhar, mas não consegue desviar os olhos. Lá dentro, escuridão. Vazio. Não. Completamente vazio, não. Uma fronha com bordados, amarrotada. A sua fronha. Manchada de vermelho.

Ela ergue os olhos. Ele está a seu lado, o vigoroso torso amortalhado pela fronha ensanguentada, um cinto mantendo-lhe os braços junto ao corpo.

A náusea e o medo sobem pela garganta dela.

— Quem fez isso em você? — grita.

— Venha — diz-lhe ele.

Sai andando para uma torre de pedra. Quando chegam à base, a maciça porta de madeira abre-se. Lá dentro, ela vê sua sala de visitas. Entra. Cacos de vidro brilham no chão. Pedaços da moldura dourada do espelho estão espalhados também. O papel de parede azul e branco está arruinado, todo manchado de vermelho.

Lá de dentro vem um barulho abafado seguido pelos grunhidos de um animal apanhado em armadilha. De novo o barulho.

Em seguida, patéticos sons lamurientos. Mais uma vez o barulho, desta vez seguido por doentio silêncio.

Aterrorizada, ela corre afastando-se do umbral da porta de entrada e tropeça num corpo caído no chão, a cabeça coberta por uma fronha ensanguentada, braços presos aos lados do corpo.

Tenta perguntar "Quem fez isso com você?", mas as palavras ficam presas na garganta.

Então, do alto da escada, uma mulher de branco faz-lhe um sinal. Ela se aproxima, ansiando pela segurança do seu quarto.

Por seu roupão felpudo e chinelos de lã. Por ele, forte e quente na cama. Já então a mulher está atrás dela, com uma faca erguida, a lâmina brilhando. Ela se arrasta escada acima para fugir, tropeçando por causa do pânico. A escada faz uma curva para trás uma vez, outra e mais outra, um tapete macio cobrindo a pedra fria, úmida. Os degraus vão se estreitando cada vez mais e por fim ela cai, impossibilitada de continuar adiante. Espia para fora por um buraco na parede.

Lá embaixo, no alto de uma colina coberta de grama, vê a si mesma. Sua camisola clara é luminosa à luz dos faróis do carro.

Seus longos cabelos agitam-se ao redor da cabeça, madeixas negras chicoteando-lhe as faces. O chão está gelado e a órbitas de seus olhos latejam com uma dor surda. Ajoelha-se. Espera. E, então, a explosão.

Calma agora, ela olha, flutuando no ar, como o seu corpo desaba no chão e a terra ao redor dele torna-se vermelha e cálida, esfriando e escurecendo em seguida.

Por trás da luz dos faróis, um vulto sombrio emerge da escuridão. Ele fica cada vez maior, ao colocar-se diante da luz. Olha para a precária posição em que ela está. Ela sente tristeza.

Uma luz toca-lhe um ombro. Ela se volta. Ao lado dela, na escada, a mulher segura flores. Flores de papel. Mas o cheiro delas é doce, funéreo. As flores caem de suas mãos e se transformam em borboletas que ficam esvoaçando no poço da escada.

— Quem fez isso? — grita ela.

Repete o grito várias vezes, implorando pela resposta.

— Sylvia — diz a mulher, suavemente.

Mãos fortes seguram-na pelos ombros e a fazem virar-se. Ela luta contra as mãos. Quer voltar para o buraco na parede. Quer ver, quer ter certeza.

— Acorde, Syl. Agora você está em segurança — diz a mulher, numa espécie de cantilena incolor.

A escadaria de pedra se dissolve e em seu lugar surge um quarto de hospital branco e cromado.

— Teve aquele sonho de novo?

Sylvia faz que sim com a cabeça.

— Estou com medo.

— Eu sei. Eu sei. Conte-me o sonho.

— Eu vejo sempre a mesma coisa... Sempre

— E o que vê?

— Um homem. Ele dirige o meu carro. O homem tem um revólver.

— Onde você está?

— Atrás. Ele me fez ir para o assento de trás.

— Onde está Tony?

Ela chora.

— No porta-malas. O homem o fez entrar no porta-malas.

— E você vê sempre a mesma coisa?

— Sempre, sempre. Não quero acreditar.

— Por quê?

— Por causa da pessoa que eu vejo.

— Agora sabe quem fez isso com você?

— Stuart.

A mulher de branco recua e faz um aceno para o policial que está no escuro atrás dela. Indica com a cabeça as flores sobre a mesinha-de-cabeceira que têm um cartão branco onde está escrito: "Por favor, fique boa logo. Sinto sua falta. Todo meu amor, Stuart".


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