A viajante escrita por Katy Chin, Katy Tonnel, DarkParadise


Capítulo 2
Capítulo 1 - Garotas perdidas


Notas iniciais do capítulo

Não prometendo nada... Não sei quando vou postar, quando vou terminar, só sei que hoje é o meu hoje e que hoje é o meu primeiro capítulo.

Música: Lana Del Rey - Because Of You



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CAPÍTULO 1- GAROTAS DESAPARECIDAS

Dirigindo Belina¹ de papai, na longa estrada de terra, pensava no quão mentirosos estavam sendo todos estes anos comigo.

Estava chovendo forte e o para-brisa parecia fazer força contra a enxurrada de água. Acho que o céu estava chorando junto comigo, sofrendo com minhas lamúrias. Passava pela estreita ponte feita de madeira improvisada, onde por qualquer descuido, o carro pudesse cair.

Tentava prestar o máximo de atenção, pois havia apenas duas madeiras improvisadas, para o carro passar e no meio um grande buraco, quase um abismo para o rio que subia de nível a cada gota d´água.

Chorando, tentando controlar a dor em meu peito, paro olhando a chuva e o céu que parecia ficar mais escuro. Minhas mãos tremiam, todo o meu corpo tremia. Eram tantas coisas acontecendo. Tantas escolhas, problemas… Era uma mistura intensa dentro de mim. Algo como raiva, pavor, solidão… E a dor, ela era mais profunda do que eu poderia descrever. Por fora meu ser parecia quieto, calmo, acalentado, mas por dentro, eu estava gritando insanamente, como um pedido sofrido e calado de socorro.

Não suportei, era mais forte do que eu. Soquei o volante e gritei comigo mesma. Solucei, mesmo me achando boba por algo que havia acontecido há tantos anos, eu sentia falta de como minha vida era. Eu queria colocar tudo para fora.

Não foi fácil crescer com uma mãe maluca, solteira e quase sempre desempregada com um irmão arteiro e um pai desaparecido. Ele era apenas um borrão em minha mente. Até seu rosto havia sumido de minhas pobres lembranças.

Lembro-me dele no seu escritório. Ele sempre contava sobre uma mulher nômade; uma cigana, que rondava o mundo escrevendo contos de fadas reais. Onde pessoas poderiam entrar em livros e viver suas próprias histórias. Naquela época ele me prometia o mundo, me fazendo entrar em suas fantasias. Por alguns tempos, minha mãe até brincava e fantasiava com a gente, mas chegou o tempo em que para ela tudo se tornou insuportável.

Papai estava fanático por Esmeralde. A tal cigana imortal. Uma vez, escondida atrás da porta os escutei discutindo sobre ele parar de fantasiar um mundo irreal e parar de me levar junto. Então minha mãe chorou e papai ficou a observando sem saber o que fazer com seu copo de conhaque em mãos.

Ele tentou afagar seu braço, mas ela gritou, o mandando se afastar e saiu da sala. Quando me viu, ela apenas sorriu limpando as lágrimas e sumiu assim como apareceu. Papai fechou a porta e fiquei no corredor sozinha.

Papai havia lido algo sobre a cigana e sempre que podia, colecionava jornais, sobre jovens que sumiam do nada e iam desde donas de casa as mais jovens. Era sempre a mesma história. Só mudava a época e famílias. Elas saiam de casa com a promessa de voltarem, mas nunca retornavam. Quando retornavam, diziam que estavam escrevendo sua própria história, que precisavam voltar, pois tinham feito uma família e que não sabiam como voltar. Essas mulheres, eram taxadas como loucas, insanas, ou até mesmo, presas em hospícios ou casas de repouso, como achavam melhor chamar na época.

Outras, nem voltavam mais.

Algumas ficavam a beira da loucura, tentando voltar para o mundo que criaram em suas mentes insanas. Outras juravam que Esmeralde havia trancado-as em um mundo alternativo.

Papai estava obcecado com cada um desses casos.

Havia uma mulher em especial, Charlote Grown.

Era uma senhora de oitenta e cinco anos. Ela vive em um lar para idosos. Disse que viajou em 1949, quando ainda tinha 19 anos. Disse ter conhecido Patricius, um pintor pobre que a ajudou e que viveram um grande amor. Papai me levou numa dessas visitas que fez a Charlote. Na época ele disse que era um amigo de família e como ninguém ia ver a senhora, nos deixaram entrar. Lembro-me de papai me mandar ficar senta em um canto e tudo o que eu fazia, era os ouvir.

A velha olhava de um modo distante, cheia de solidão, para uma janela, como se esperasse alguém voltar, ou a hora de sua morte. Era triste e cinza.

— Charlote? – Lembro de papai ajoelhando-se à frente dela e ela o olhou séria e novamente voltou a encarar à janela.

— O que deseja, meu jovem? – Respondeu um pouco grosseira. Mas sua voz era doce para tanta acidez.

— Vim saber sobre 1949 até 1954.

— Não aconteceu nada… Enfermeira… – Ela pareceu feroz naquele momento. Ela começou a gritar e a chorar implorando para alguém chegar no quarto. – Não aconteceu nada. – Ela parecia realmente transtornada.

Lembro-me de correr e fica encostada em uma parede com medo, distante deles.

Uma moça que nos permitiu a entrada, adentrou o local e Charlote pareceu ficar calma.

— Mande-os embora, Clarice. Mande eles embora… – A velha fazia uma careta, como se quisesse chorar. Não havia vestígios de lágrimas anteriores.

Antes de papai nos levar embora, Clarice nos contou por alto a história de Charlote. Disse que a senhora não poderia ser incomodada, pois estava em depressão e que sempre contava a mesma coisa. Que havia viajado para outro mundo, onde ela vivia junto a Patricius, que a ajudou e se tornou seu marido alguns anos depois. Disse que ele havia morrido numa batalha e que depois não soube como viver sem ele e que estava ficando difícil viver num mundo tão diferente de sua realidade. Então em uma noite, da mesma forma que entrou no mundo de Patricius, saiu dele como se nada tivesse existido. Taxada como louca, assim como quase todas das reportagens das coleções de papai, foi mandada para uma casa de repouso, recebendo tratamento, até virar esta pessoa ácida, como se não quisesse mais viver.

Papai ficou quase maluco com tudo aquilo. Não sei bem como começou, nem quando terminou. Mas depois de uns meses, parei de me importar e de ficar tão próxima de papai. Mais ou menos um ano depois, nasceu Gabriel, meu irmão. Papai sumiu de nossas vidas, sem levar nada de seus pertences, nem mesmo suas coleções, em agosto, quanto Gabriel completou quatro anos e eu nove.

Hoje, com dezenove, sigo minha vida apenas nas lembranças. Nunca acharam meu pai. Não tinham vestígios, cartões de créditos jamais foram usados, nome… Não havia nada. Era como se ele nunca tivesse existido.

Hoje fico pensando, se talvez tivesse ficado com ele em sua busca pela magia, uma busca pela qual, conforme fui crescendo e percebendo que era tudo uma completa loucura, talvez, só talvez, ele não tivesse desaparecido. Penso que ele esteja morto, como muitos e que nunca mais será achado. Penso que talvez ele tenha fugido, ou, não sei, tantas coisas rodeiam minha mente. Quando ele sumiu, cheguei a cogitar que estava em seu mundo perfeito, mas cresci e passei a acreditar no pior.

Mamãe mentiu para mim.

Todos de minha família mentiram.

Ele havia ido embora numa noite de agosto por culpa dela.

Ela o havia tirado de casa, pois o achava maluco demais para ficar perto de seus filhos e não queria que ele ficasse colocando bobeiras em nossas cabeças, teríamos que crescer com a vida real, por mais dura que fosse. Então, ele foi embora e desapareceu uns dias depois. Simples assim.

Então, havia uma chama acesa em meu coração.

Isso quer dizer que talvez ele possa estar vivo, em algum lugar. Claro que isso era uma chance mínima. Talvez eu esteja sendo irracional, mas uma parte de mim, uma parte da Nica criança, ainda acreditava na possibilidade de Esmeralde existir.

Acelerei o carro naquela ponte que parecia estar mais cheia, desde a hora em que parei. Tocava uma música lenta e antiga no rádio local. Ele começou a travar e um trovão atravessou o céu iluminando tudo a minha volta, fazendo-me levar um grande susto e perder a direção do carro, caindo no rio que parecia levar meu carro, enquanto a água entrava de baixo pra cima, subindo em minhas pernas rapidamente.

Então era daquele jeito que eu morreria?

Senti uma dor imensa em minha cabeça e vi alguém nadando até mim, mas a pessoa sumiu junto ao clarão que novamente atravessou o céu e pareceu iluminar tudo a frente do carro. Tentei abrir a porta, mas parecia que estava presa. Gritei sentindo a água subindo em meu corpo. Entrei em desespero. Novamente vi o homem nadando em minha direção.

Seus cabelos eram negros e os olhos pareciam brilhar enquanto me encarava, mas novamente ele sumiu.

Eu estava ficando maluca. A cada barulho de trovões, ele sumia ou aparecia. Algo brilhante atingiu o carro do lado do passageiro e senti o impacto da minha cabeça batendo no volante. Aos poucos, comecei a ficar zonza, como se eu precisasse dormir. Tentei olhar para o lado e não vi nada além de uma luz fosca, como a de um grande farol.

O homem reapareceu. Consegui guardar a imagem de seus braços fortes nadando contra as correntezas. Sua blusa era branca, meio desbotada e parecia larga em seu corpo. Ele estava com botas e calça preta, parecia couro… Seus cabelos flutuavam e ele parecia um anjo que vinha me salvar de uma morte horrenda.

Só sei que antes de desmaiar, pensei que estava morrendo, pois agora, o carro parecia afundar no fundo de um oceano e meu colar, que comprei na parada de ônibus, esquentar, parecendo queimar em meu peito. A última coisa que escutei antes de tudo ficar escuro, foi o trovão cortando novamente o céu. Então, eu havia morrido?

¹Belinda: A Ford Belina foi um automóvel fabricado pela Ford, na versão station wagon, lançada em 1970 e descontinuada em 1991, sendo substituído pelo Ford Royale.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Comente, favorite e futuramente, recomende.



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