Sixteenth Moon escrita por Nath Schnee


Capítulo 19
Capítulo 18 – 1 de Novembro


Notas iniciais do capítulo

É, pessoal, voltei! Depois de séculos, mais um capítulo. Eu devo ser a autora mais lenta do mundo, considerando que só posto uma vez por ano, né? Tem muita gente que já teria desistido da história, assim como imagino que meus próprios leitores podem acabar fazendo.
Mas aqui estou eu! E dessa vez eu admito que escrevi o capítulo até que rápido, em 15 dias. Se meu método de imitar o Camp NaNoWriMo der mesmo certo, saibam que o tempo de espera provavelmente vai diminuir bastante.
Enfim, tenham uma boa leitura!



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As paredes têm... caneta

Meu corpo estava pesado, e de alguma forma distante. Eu tinha a sensação de estar dormindo, mas não me lembrava do dia ter passado. Na verdade, mal me lembrava nada dos últimos dias, ou meses. Eu estava com tia Del? Ou vovó? Talvez com tio Macon… É, definitivamente tio Macon.

Onde ele estava morando mesmo? Gatlin, eu acho, na Carolina do Sul. Não havia lugar mais chato do que Gatlin, disso eu tinha certeza. As pessoas de lá conseguiam ser piores do que todos os lugares que já estive, e não foram poucos. Aqueles fracos, se os Mortais sequer soubessem…

Mortais…

Ethan. Eu tinha me esquecido. Como poderia ter esquecido dele? Ele é bom, ele está comigo, ele me salvou…

Ele me salvou.

Do que ele havia me salvado? Eu não conseguia me lembrar. Havia uma música, ela mal me deixava pensar, só ficava se repetindo em uma melodia quase hipnótica na minha cabeça, e eu definitivamente não queria ouvi-la. Eu só queria ter uma boa noite de sono.

Noite. Não era noite de Halloween? Eu conseguia lembrar, pelo menos um pouco. Eu desmaiei enquanto Conjurávamos, ou pelo menos achava ter sido um desmaio. Se tudo foi real… O fogo, a escuridão, a dor... Eu precisava voltar!

Acordei sobressaltada, e me arrependi de sentar tão rápido. Uma tontura descomunal me atingiu, estava completamente grogue, e se eu realmente fosse como algumas pessoas da escola, quase poderia dizer que havia bebido muito em alguma festa. Mas eu não bebo. Sequer vou a festas.

— O que…

— Shhh, ouça. É a música de novo.

Era Ethan. Ele estava no chão do meu quarto, ao lado da minha cama, a bochecha babada de ter dormido pesado. Eu demorei a processar suas palavras. Como ele poderia estar ouvindo a música da minha cabeça? 

Foi quando eu percebi que ela não estava vindo da minha cabeça.

Era do celular de Ethan. Ele me dissera, certa vez, gostar de ouvir Bohemian Rhapsody como despertador, mas eu duvidava que a banda Queen cantasse com uma voz tão parecida com a minha.

Dezesseis Luas, a música que tanto adorava trazer das minhas lembranças meus piores pesadelos, havia mudado de novo.

Eu não sabia se era por conta da minha dor de cabeça, por estar zonza ou por, de repente, lembrar de quase ter sido morta, mas a música me deixou irritada. Eu já estava cansada de tudo. Da contagem regressiva com os dias passando, dos meus familiares escondendo coisas de mim, da música que tanto persistia em surgir sem motivo algum, daqueles Mortais imbecis me perturbando…

Dezesseis luas, dezesseis anos,

Dezesseis vezes você sonhou com meus medos,

Dezesseis vão tentar Enfeitiçar as esferas,

Dezesseis gritos, mas só um escuta...

Até as músicas escondiam alguma coisa de mim, sendo completamente inúteis. Eram apenas palavras sem nexo, como todo o resto sempre fora. O Kelt com um Mortal, os sonhos junto com Ethan, e para piorar, eu havia desmaiado no meio de um Conjuro. Eu ainda não sabia se o sonho com fogo, trevas e vozes era real, mas pouco me importava. Eu só queria paz!

— Já chega!

Eu tomei o celular da mão de Ethan e segurei o botão para desligar. A tela dele apagou, mostrando o nome da marca. Não adiantou. A música continuou. Ela parecia quase física, se enrolando ao meu redor como teias de aranha que flutuam com um vento inexistente. Ela estava nos envolvendo, nos impedindo de não notar sua presença.

Aquilo só me irritou mais.

— Acho que é sobre você. — comentou Ethan, sem perceber que eu estava irritada com o assunto. O que havia com o mundo que tanto provocava minha paciência? — Você sabe o que é Enfeitiçar as esferas?

— Não, e nem quero saber! — respondi frustrada, jogando o celular no colo dele. — Eu quase morri essa noite. Eu estou cansada de tudo isso, cansada de todas as coisas serem sobre mim e todas essas coisas estranhas estarem acontecendo comigo. E se a música idiota for sobre você, pra variar? Eu ainda tenho 15 anos.

A melodia permaneceu no ar, eu me sentia cada vez mais presa naquela teia de versos. Frustrada, ergui minha mão e a abri, pegando aqueles frágeis, mas tão irritantes, fios no punho, virei para o lado e soquei o chão com toda a minha força, tentando quebrá-los. Eu não sabia se ela havia realmente parado ou chegado ao fim, não me importava.

Não me importava se soava como tocar minha própria viola de arco, música alguma, Dezesseis Luas ou não, me tiraria ainda mais a paciência.

O que importava é que aquilo tinha parado.

Eu fiquei de bruços, meu rosto escondido nos meus braços, e fingi que Ethan não estava ali. Eu sentia que se não fosse por toda a raiva, eu poderia chorar novamente, ou até vomitar. Por que aquilo tudo estava acontecendo comigo? Nem mesmo com Ridley, que fora para as Trevas, ou Reece, que foi para Luz, tiveram tantos problemas com poderes ou qualquer coisa em relação à Invocação. Eu me lembrava delas e nenhuma das duas realmente correra perigo como eu.

Por que eu?!

Eu senti o movimento de Ethan saindo do chão e o colchão da minha cama afundar um pouco com seu peso. Ele lentamente se aproximava de mim, rastejando até minha cama. Eu apenas continuei como estava, com o rosto escondido, até que o senti me puxar. Eu queria muito conseguir ignorá-lo — mesmo tudo em relação a ele era confuso demais —, mas não resisti. Suspirei profundamente e afundei no colo dele, apoiando minha cabeça no seu peito. 

Ethan começou a passar sua mão pelo meu cabelo, que deveria estar mais parecendo uma juba. Eu podia senti-lo apontando em umas 15 direções diferentes, eu também podia sentir meu rosto inchado do choro, meus olhos parecendo até mesmo pequenos. Como ele conseguia olhar para mim, com aquela aparência horrível? Eu estava feia como um monstro e nem havia sido Invocada para as Trevas. 

— Você está bem?

Eu fechei meus olhos e afundei em seu moletom. Tentei não pensar no quanto o corpo dele era mesmo de um atleta, nem no quanto seu coração batia próximo do meu ouvido, e como o meu próprio coração parecia acompanhar seu ritmo.

— Acho que sim.

— Podemos conversar sobre?

É claro. Mesmo que eu quisesse um tempo, Ethan ainda estava tentando entender o que havia acontecido. Eu apenas dei de ombros.

— Eu ouvi seus gritos lá de casa. — comentou, sua voz soando com certa preocupação.

Então eu havia feito Kelt enquanto gritava no meu sonho? Bem, aquilo explicava o final. Talvez ele tivesse mesmo me alcançado dessa vez.

Ethan nem fazia ideia do que era aquilo, não que houvesse uma forma de explicar. Mas o mínimo que ele poderia saber, não sabia. Eu tanto julgava minha família, e seguia também mantendo segredos?

Talvez não fosse a pior ideia deixá-lo saber um pouco.

— Quem diria? Fazer Kelt salvou minha vida.

Comentei como quem falava uma trivialidade, o que não era mentira. Realmente não fazia diferença, para mim, mas eu o senti mudar de posição.

— Como assim? O que é Kelt?

— É o nome do modo que nós nos comunicamos, independentemente de onde estamos. Aquele dia na escola, quando o vidro quebrou, você ouviu minha voz na sua mente? — questionei, ainda sem olhar para ele.

— Ouvi.

— Foi um acidente. Ridley e eu costumávamos conversar assim na escola, mas…

Eu não completei a frase, apenas suspirando como finalização. Tudo estava tão diferente sem Ridley, e agora com Ethan, que eu não sentia que já havia mesmo acostumado.

— Você não tinha dito que nunca aconteceu com você antes?

— Nunca aconteceu antes comigo e um Mortal. — Lembrei da conversa que tivera com tio Macon, sobre o que Julia e eu fazíamos. — Tio M disse que alguns Conjuradores podem fazer e outros não. Mesmo entre nós, é muito raro.

Ethan me respondeu por Kelt:

Gostei de ouvir isso.

Eu dei um sorrisinho e o cutuquei.

— Vem do lado celta da minha família. Kelt significa linguagem céltica¹.  — Era uma das coisas que eu mais achava interessante na minha família, nossas raízes, então meu esboço de sorriso permaneceu. — É como os Conjuradores conversavam, como mandavam recados, durante os Julgamentos. Costumavam chamar de "O Sussurro" aqui nos Estados Unidos.

— Mas e se o Kelt não for com um Conjurador?

— Eu não sei, é estranho. Não deveria funcionar com Mortais. 

Ethan levou um tempo para me responder. Eu o senti ficar tenso antes mesmo de começar a falar.

— Não é só isso de fazermos Kelt que é estranho. Ridley entrou em Ravenwood por minha causa, seu tio disse que eu consigo te proteger de alguma forma. Isso não deveria ser impossível? Eu não sou Conjurador. Meus pais são diferentes das pessoas da cidade, mas não tão diferentes.

Eu tentei pensar no assunto. Haviam outras criaturas além de Conjuradores pelo mundo, meu tio mesmo era algo bem diferente de nós, humanos, mas Ethan não parecia se encaixar em nenhuma das poucas que eu conhecia. Espectros eram pessoas mortas, Conjuradores tinham poder, Incubus se alimentavam de sonhos… Ethan definitivamente se encontrava em situações muito diferentes das normais para um Mortal, mas ele, mesmo assim, não deixava de ser um.

Eu mudei de posição, apoiando-me no ombro dele, ainda pensativa. Não havia resposta alguma para aquilo, então tentei falar a possibilidade que me parecia menos absurda, principalmente depois que eu ouvira de Ethan sobre Amma. Ela não parecia ser inofensiva como o restante.

Eu dei de ombros, sem saber como respondê-lo.

— Talvez você não precise ser Conjurador para ter poder.

Ethan se inclinou na minha direção, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha.

— Talvez só precise se apaixonar por uma. 

Eu hesitei. Ethan só podia estar brincando, como das outras vezes. Não pude deixar de lembrar da última vez que estivemos ali, no meu quarto, logo após o Dia de Reunião, quando ele brincou da mesma forma, mas mudou de assunto.

Eu olhei para o Mortal, e o mundo inteiro desapareceu ao nosso redor quando eu percebi que sua expressão era séria. Embora constrangido… Ethan falava a verdade. Sem piadinhas, sem mudanças de assunto. Meu coração acelerou, errando várias batidas. 

Como ele conseguia? Meu mundo sempre me fora triste: não ter escolha do meu destino, não ser aceita, não ter amigos, estar solitária depois que Julia fora embora… Mas com ele ali, sempre que eu estava com Ethan, tudo mudava. Só havia nós dois, como se sempre fora assim, e era tudo mais feliz do que triste. Eu não conseguia deixar de sentir que era capaz de fazer qualquer coisa — com magia ou não — com Ethan estando comigo. Eu realmente era capaz de fazer todo o resto desaparecer. Olhando para ele, as borboletas no estômago pareciam tão reais que fiquei em dúvida se não as havia Conjurado.

Então... Aquela era a sensação de estar apaixonada? 

Senti que se estivesse sozinha, sentindo tudo aquilo, com certeza estaria escrevendo.

No que está pensando?

Ethan estava curioso. Eu apenas sorri, sentindo a vergonha lentamente me preencher. Depois de tanto tempo pensando em escrever e as palavras simplesmente surgindo pelo meu quarto, eu sabia reconhecer a sensação.

É fácil descobrir. Você pode ler o que está sendo escrito na parede.

Eu vi Ethan desviar o olhar para a parede. Eu só precisava fechar os olhos para ver o que estava surgindo, letra por letra, na minha caligrafia, como se por caneta permanente, como sempre.

Você 

não

é

o

único

se

apaixonando...

Eu vi o espanto preencher o rosto de Ethan, ao mesmo tempo que a quentura da vergonha se enrolava ao meu. Eu cobro meu rosto. Por que aquilo tinha de acontecer? Eu não conseguia evitar. Meu quarto estava lentamente se tornando um diário, e aquilo era definitivamente desconfortável.

— Vai ser muito constrangedor se tudo o que eu pensar aparecer na parede.

Ethan ficou confuso, como se não esperasse aquele comentário.

— Não foi de propósito?

— Não.

Eu fechei meus olhos com força, sem coragem de ver sua expressão. Eu não queria contar a ele meus sentimentos, mas minhas paredes tinham bocas em vez de ouvidos, pelo visto.

Não fique constrangida, L.

Senti o toque quente de Ethan nas minhas mãos, tão próximo do meu rosto que eu sentia sua respiração sobre meus dedos. Ele me fez soltar meu rosto, mas não me atrevi a abrir os olhos.

Eu sinto o mesmo por você.

As borboletas no meu estômago se transformaram em besouros, considerando a força que aquela sensação agora me afligia. Ao mesmo tempo que o nervosismo me agitava o coração, minha felicidade competia com ele quem mais poderia fazer meu coração sofrer.

Ethan encostou os lábios nos meus. Mal foi um beijo, foi mais um selinho, e aquilo de alguma forma me roubou todo o fôlego. 

Não pude evitar sorrir. Como Ethan havia me deixado tão boba?

Sem mais resistir, abri os olhos e resolvi perguntar.

— Quero ouvir tudo. Conte como salvou minha vida, desde o início.

Eu estava sorrindo. Mesmo que não gostasse da sensação de depender de alguém, me sentia quase como uma princesa salva pelo príncipe.

Um príncipe que parecia muito perdido para as minhas expectativas.

— Início? Eu nem lembro como cheguei aqui. Seus gritos me aterrorizavam. Eu não conseguia te encontrar, não no meio daquela festa. As pessoas eram assustadoras. Parecia uma festa a fantasia.

Balancei a cabeça.

— Não era.

— Imaginei.

Definitivamente não era um assunto que a mente de um Mortal seria capaz de processar, então apenas voltei ao tópico principal.

— Então me encontrou. — Afirmei, deitando a cabeça em seu colo e erguendo o olhar para o seu rosto. Não podia deixar de sorrir. — Como um herói, entrou com seu cavalo branco e me salvou de um Conjurador das Trevas? Me salvou da morte certa?

— Não leve na brincadeira. — reclamou com um murmúrio, sério. Eu tentei não rir. Esse era meu príncipe? — Foi muito apavorante. 

— Você está estragando o clima.

— Mas é a verdade! Eu estava apavorado. Não tinha nem o cavalo branco, eu vim com o Volvo velho, e entrei aqui com um cachorro preto.

Eu ainda me surpreendia com Boo, mas ignorei e tentei pensar no que me lembrava. Algo me indicava que Ethan respondera meu Kelt, de alguma forma, mas tudo estava muito vago. Minhas memórias eram muito limitadas. Forcei um pouco mais, mas não surgia muita coisa.

— Eu lembro de tio M estar falando sobre o Feitiço. Acho que fomos ao sótão para Conjurar. Ele falando é a última coisa que me lembro. — Eu torci uma mecha do meu cabelo, pensativa.

— E aquela coisa de Círculo? O que era?

— O nome é Círculo Sanguinis. Ou apenas Círculo de Sangue.

Ethan ficou pálido e engoliu em seco. Eu não entendi o motivo de seu medo até sua frase seguinte.

— Ainda bem que não vi o sangue.

Balancei a cabeça.

— Seu idiota. Não me refiro ao sangue de verdade. É o sangue dos parentes, família, o que é compartilhado. Quase todos da família estão aqui para as Grandes Festividades, esqueceu?

— Ah, verdade. Esqueci. Desculpe.

Eu tentei não revirar os olhos. Seria tudo tão mais fácil se ele fosse Conjurador…

— Eu avisei. A noite de Halloween é uma noite poderosa. Principalmente para Conjuros.

— O que estavam Conjurando naquele Círculo? 

— Sim. Todo ano, tio Macon e o restante Enfeitiçam Ravenwood. Vinculam a Casa e a Cozinha a um Conjuro, para um Ano-Novo.

— Não pareceu dar muito certo. 

Balancei a cabeça. Pensando novamente no assunto, eu me sentia um pouco preocupada. 

— Não deu. Eu não me lembro direito. Sei que em um momento estávamos todos no Círculo, tio Macon falava com tia Del, e então todos começaram a gritar. — Forcei-me novamente para lembrar. — Minha memória não está muito certa, mas sei que falavam de uma mulher. Um nome. Sara. Sara alguma coisa.

— Eu também ouvi. Sarafine.

— Sarafine... Era esse o nome? — perguntei, ainda que realmente fosse familiar, ainda que eu tivesse quase certeza de que havia ouvido apenas na noite anterior. — Foi a primeira vez que o ouvi. 

— Todos pareciam… Não sei, com medo, então talvez fosse uma Conjuradora das Trevas. Nem Macon estava falando no tom que costumava falar. Você sabe o que aconteceu? Essa Sarafine tentou mesmo te matar?

Eu tentei não sentir tanto medo quanto Ethan e os outros pareciam sentir. Ethan podia até se impressionar fácil, mas sabia que tio M sempre ia muito além da frieza nas emoções, quando as demonstrava, e saber que ele estava assustado só me fazia me sentir apavorada.

Tentei me lembrar do que aconteceu. Dessa vez, não na realidade, mas no sonho. Eu conseguia me lembrar do frio, um frio como nunca senti antes. E estava escuro também, muito mais do que meus sonhos costumavam ser, como se as Trevas verdadeiras fossem muito além da ausência da Luz como eu costumava imaginar.

Como se eu tivesse sido perseguida pelas Trevas de verdade dessa vez.

Um arrepio percorreu minha espinha e eu me senti inquieta. Ethan não podia saber daquilo. Mesmo que eu conseguisse explicar, ele não entenderia.

— Eu não sei. — respondi enfim, ainda pensativa. Pelo menos estava falando a verdade. — Eu não consigo me lembrar muito bem. Sei que minha família falava comigo, mas também havia outra coisa. Uma voz. Estava muito longe, não lembro dizia.

Eu me arrumei no colo dele. Um pouco sem jeito, deitei minha cabeça em seu peito, sentindo que não havia como ficar mais próxima a ele. Eu estava ouvindo seu coração bater forte. O meu também estava agitado, mas não era apenas pela nossa proximidade.

Eu não conseguia afastar da minha mente que um Conjurador das Trevas havia me atacado. Faltavam praticamente 100 dias. Menos de quatro meses, e eu já havia destruído uma janela, iniciado um tornado na sala de jantar, e agora estava sendo perseguida por uma Conjuradora das Trevas. Minha certeza de que Ethan deveria ficar longe de mim só aumentava.

— Estamos ficando sem tempo, Ethan. Não está adiantando. Seja lá o que for, seja ela quem for, não deve ter sido um ataque aleatório. Você não acha que ela vem atrás de mim porque sabe que em menos de quatro meses eu vou para as Trevas?

— Não.

Eu me afastei e o encarei, quase indignada.

— "Não"? É tudo isso o que tem a dizer? Apenas três letras sobre a pior noite da minha vida? Animadoras as suas palavras.

Ethan balançou a cabeça.

— Não é isso. Pensa comigo. Sarafine, seja ela quem for, parece ser das Trevas, e ela não iria atrás de você se você fosse um dos bandidos. Se você fosse mesmo, os mocinhos que iriam atrás de você. 

— Você está lendo muito Surfista Prateado

— É sério. Não vi ninguém da sua família estendendo o tapete vermelho para receber a Ridley.

Ele tinha razão. Mesmo ela conseguindo entrar, ninguém a queria por perto.

— Exceto você, idiota. — Eu dei um soco nas costelas de Ethan brincando. Ele nem pareceu sentir.

— Pois é, porque eu não sou um Conjurador. Sou um mero Mortal, que se ela mandasse pular de um penhasco, eu pularia, assim como você disse, certo?

Eu encostei novamente no ombro dele, mexendo no meu cabelo.

— Sua mãe nunca te perguntou, Wate, se você pularia de um penhasco apenas porque seus amigos o fizeram?

Ethan passou os braços ao meu redor e nós voltamos a ficar tão juntos quanto era fisicamente possível. Talvez até mais do que isso.

Talvez ele tivesse razão. Minha família, quando Ridley tinha 15 anos, não gostava de nada que ela fazia. Reclamavam de suas atitudes e principalmente do fato dela Conjurar contra Mortais. Claro que reclamavam de mim também, mas eu não tinha escolha, eu não conseguia me controlar, diferente de Julia, que fazia tudo de propósito. 

Eu ainda me lembrava de uma vez, quando estudamos em Salem, Ridley ter Conjurado contra três garotas de nossa escola. Minha prima havia deixado a pele delas marcada com uma mancha preta desde a ponta dos dedos até o cotovelo porque elas estavam prestes a me prender no armário. Por mais que fosse me protegendo, não foi acidental. Foi de propósito. E Ridley ainda correra lado a lado comigo agora casa rindo, enquanto as lágrimas de frustração me surgiam.

Nós sempre fomos muito diferentes. Eu nunca cheguei a ser como Reece, que era da Luz. Na verdade, gostava muito mais de passar meu tempo com Rid, mas eu também não era como ela. Eu podia não ser tão boa e certinha quanto minha prima mais velha, mas pelo menos podia ser mais da Luz que Ridley, certo?

Talvez ainda houvesse alguma esperança para mim.

Ethan se inclinou na minha direção, eu segurei um sorriso, sem conseguir deixar de pensar o quanto ele me fazia ficar melhor.

Eu não sabia se era um desejo meu ou dele, ultimamente era tudo muito misturado quando se tratava de nós, mas eu queria beijá-lo. 

Seu destino é a Luz.

E nós nos beijamos.

Definitivamente a Luz.

Ele novamente me puxou para seus braços e logo estávamos tão unidos que parecíamos um só. Nossos corpos, comprimidos como estavam, o meu mais relaxado, me davam a sensação de que aquilo não era apenas algo físico. Era mágico. Éramos realmente apenas um naquele momento. Nossa respiração, nossos lábios, nosso corpo, nosso coração, nossa essência. Tudo era apenas um, como um raio que se bifurca. Ainda é apenas um raio, e é isso o que nos tornamos. Um relâmpago.

Eu estava sem ar, mas não era apenas a perda do meu fôlego, parecia muito além. Eu sentia que aquilo estava tirando algo além do que deveria. Embora a sensação de beijá-lo fosse sensacional, como se cada toque trouxesse para dentro de mim uma energia viva, como se de repente eu fosse a Conjuradora mais poderosa do mundo, eu me sentia cada vez mais esgotada. A energia ia embora, junto com todas as minhas forças, apenas com a proximidade dos nossos corpos. Ao mesmo tempo que eu me sentia poderosa, tudo aquilo também ia embora, levando uma parte de mim junto. Eu me sentia frágil, fraca.

Eu senti como nos sonhos, quando lutava para sobreviver, mas agora eu estava apenas o beijando, e sentia que isso era a melhor coisa do mundo, e não podia parar, mesmo que quisesse.

Ethan.

Minha voz soou urgente, mesmo que eu ainda sentisse que havia um ímã, uma atração magnética extremamente forte, unindo nossos corpos. Estava ficando zonza, mas ele não parou, como se também não conseguisse. O corpo de Ethan estava mais pesado, seus braços pareciam arrepiados. Eu tinha certeza que seus lábios doíam como os meus. 

Eu finalmente me afastei de Ethan, e ele ficou imóvel na cama. Havia uma expressão de dor eu seu rosto, ele segurava a blusa, inconscientemente a direção do peito, de onde parecia surgir sua dor. Seus cabelos estavam mais bagunçados que os meus.

— Ethan?

Eu o toquei para acordá-lo, mas sua pele estava fria. Eu comecei a ficar com medo, o temor formando um sombrio eclipse sobre meu coração, abraçando todo o meu corpo. Ethan também não parecia estar respirando, e a minha constatação disso fez a luz do meu quarto piscar e a lâmpada explodir.

— Ethan!

Eu estava entrando em pânico. O vidro da minha janela, junto com o meu espelho, se despedaçou, mas nem mesmo o susto da minha cama desmontar sob nosso peso me tirou o pânico. 

— ETHAN!

Por que ele não estava acordando? Eu o balancei, mas não houve resposta. Aquilo não podia estar acontecendo. Eu acho que gritei outra vez, chamando por ele, e comecei a chorar. Não sei por quanto tempo fiquei daquela forma, desesperada, até que ela apareceu.

— Por que está tão triste, Lena? O que aconteceu?

Era Ryan. Ela estava na porta do meu quarto, me encarando, e eu simplesmente não consegui responder. Eu só conseguia chorar. Ela veio na minha direção e eu ainda lutava contra o choro e o pânico. Ela segurou meu rosto em suas mãos e eu hesitei.

Suas mãos eram mais quentes do que eu imaginava. Não de uma forma que lembrasse febre ou mesmo que queimasse. Na verdade, eu sentia como se fosse um calor reconfortante, que imediatamente me fez parar de chorar, com algumas lágrimas escapando em resquício, e o calor se espalhar pelo meu corpo, dissolvendo minha angústia até que não restasse nada além de conforto e alívio. Até mesmo uma dor que eu nem sabia que estava ali, a exaustão da sensação anterior de ter minha força drenada, desapareceu. Tudo isso com um toque de apenas alguns segundos, com ela secando algumas das minhas lágrimas. Eu fiquei sem palavras, boquiaberta, e ela seguiu até Ethan. Também o cutucou, sem resposta, até que sentou na cama e colocou a mão em seu peito.

A cor normal de Ethan começou a voltar e ele puxou o ar de uma vez. Seus olhos se abriram, e ele finalmente parecia bem.

Ethan parecia completamente perdido. Já eu… estava abismada.

 

Ethan mal havia se sentado, se recuperado o suficiente para se sentir completamente bem, e eu estava deitada ao seu lado, minha cabeça pressionada contra seu peito de novo, em um abraço sem jeito, como ficamos uma hora antes. Seu coração batia acelerado, mas não de uma forma anormal. Era tudo como antes, exceto que meu desespero destruíra meu quarto, e a mão de Ryan estava logo ao lado do meu rosto, também no peito de Ethan. Ele parecia bem, mas tudo em mim estava entrando em colapso com o ocorrido. Ryan dissera que o coração de Ethan não estava batendo, e voltou quando ela o tocou. Também disse que eu estava muito triste, por isso ela viera me ajudar.

Quando questionei como ela soube o que fazer, Ryan balançou a cabeça e respondeu "Eu não sei".

Eu me afastei de Ethan, ainda pensando no assunto e até fungando. Tirei o resto do espelho e algumas partes do que deveria ter sido minha cama de perto dele e me sentei no colchão, tudo o que havia restado quase intacto.

Enxuguei as lágrimas do meu rosto e puxei Ryan para perto de mim. 

— Agora descobrimos o que Ryan é. Sabemos qual é seu dom.

Eu sorri e a deixei sentar ao meu lado, arrumando seu cabelo. Pela expressão de dúvida, minha priminha não sabia do que eu estava falando.

— Você é Taumaturga. A primeira da família.

— É alguma palavra bacana de Conjuradores para curandeira? — perguntou Ethan, ainda meio zonzo, esfregando a cabeça.

Eu assenti e beijei a bochecha dela.

— Pode-se dizer que sim.

Olhei em seus olhos, que agora estavam verdes como os meus, e esperei que ela reconhecesse o orgulho em minha face. Pelo pouco que eu sabia, Taumaturgia ia muito além de apenas curar, e até então eu não sabia como definir, até ver Ryan em ação.

Ryan tirou a dor emocional e física de dentro de mim, além de ainda curar Ethan de seu ataque cardíaco.

Só em observar aquilo, eu já tinha certeza:

Ryan tinha o dom do milagre².


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Notas finais do capítulo

1: "Kelt" tem o mesmo significado de "Celt", ou seja, Celta.

Fazendo uma pequenina pesquisa (diga-se de passagem, só colocando no Google), descobri que Kelt significa "Celta" em inglês, mais especificamente a linguagem celta, algo próximo da palavra "Celt". Eu realmente não tinha percebido até pesquisar nesse capítulo, então achei interessante comentar.

2: Taumaturgia pode ser a capacidade de um mago de fazer magia ou, para os católicos, é a capacidade de um santo fazer milagres.

Como a Ryan não apenas curou um machucado como "curandeiros" normais, mas recuperou o coração do Ethan apenas o tocando no peito. E era um ataque cardíaco, definitivamente nada fraquinho para se curar. Definitivamente, capacidade para fazer milagres é uma ótima definição.


Gostaram? Espero que sim. Como já mencionado, fiz alguma alterações e os diálogos não são mais idênticos aos originais do livro por conta das regras do site, mas serão sempre fiéis ao mesmo contexto.

Até mais!



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